Uma vez que o ano lectivo arranca hoje, fui remexer em cadernos do tempo em que eu era professor. O texto seguinte data de 2008 - tem precisamente uma década, e não estou bem certo se cheguei a publicá-lo nalgum blog. Fica, de qualquer forma, o devaneio antigo e o registo “querido diário”. Podia ser
“Sabrina”, de Nick Drnaso, é um livro de banda-desenhada que é o melhor livro do ano. Acabei de formular uma opinião entusiasmada, e por isso (sendo opinião, e sendo entusiasmada) altamente discutível. O que não será discutível é estarmos perante um livro: abre-se como um livro, folheia-se como um l
Estava a boiar no caldo marinho que cerca a ilha da Armona, e ainda antes de regressar à cadeira de praia (onde, à sombra, vou despachar um Hatoum) os meus pés tocaram na areia e a cabeça obrigou-me a descer à terra. Hoje é dia de escrever, e hoje estava a ser um bom dia para nada se escrever. Tema
No último ano, Asia Argento revelou ter sido violada por Harvey Weinstein, passou pelo suicídio do namorado Anthony Bourdain e tornou-se ela própria suspeita de ser abusadora sexual. Num ano só, vimos a actriz como sofredora corajosa, como corajosa sofredora e como cobarde predadora. Ao lado dela, s
Na semana passada levei a mão ao bolso para esboçar sociologia de algibeira. Procurei situar a comédia de Sacha Baron Cohen no seu tempo, deixando para hoje a dúvida se 2018 ainda faz parte desse “seu tempo”. Estou numa posição algo ingrata (porque vou soar a hipster com devaneios exclusivistas), ma
No início dos anos zero, Seinfeld atirou o microfone ao chão e, sem fazer de propósito, determinou que mais nenhuma sitcom voltaria a valer realmente a pena. Em simultâneo, assistíamos ao dealbar estupidificante dos reality shows.
Esta é a 5.ª e última semana em que me debruço sobre os Mundiais de Futebol. Tenho escrito como quem faz radiografias ao torax do planeta, não para explicar uma doença, mas para explicar uma saúde. Estes campeonatos arrastam o mundo para períodos excepcionalmente saudáveis; nem ocidentalizado, nem o
À 4ª semana consecutiva a escrever sobre futebol ando longe de esmorecer. O tema não só está vivo como, até ver, também se encontra de boa saúde; livre de perigo, pelo menos. É claro que há um óptimo Campeonato do Mundo a decorrer (o melhor de sempre, por sinal), e obviamente também ninguém ignora a
Eu estava consciente de que isto podia correr mal; consciente de que escrever sempre sobre o Mundial durante as semanas da competição podia afigurar-se como masoquismo. Estava consciente de que Portugal poderia sair da competição, e que manter o tema depois disso seria como escarafunchar numa ferida
O ano de 1994 viu um Mundial que, ex-aequo com todos os outros, foi o melhor Mundial de sempre. O campeonato realizou-se num país maioritariamente avesso ao futebol (versão soccer) e às extravagâncias das espiritualidades orientalizantes. É, por isto, curioso ver o quanto os Estados Unidos se contra
Cheira bem, cheira a Mundial. Há um perfume a armistício no ar. O Pedro Adão e Silva trouxe o Santo Agostinho numa citação que eu já usei várias vezes para aludir ao amor, mas nem esse valor maior me distrai do quão ajustada foi a referência do Pedro. Cada Mundial de Futebol é um pedaço de tempo que
Somos um país de futebóis, por isso uma expressão dos beisebóis requer sempre explicação. Refiro-me à “rain check”. Numa tradução imediata, trata-se dum “cheque-da-chuva”, uma espécie de vale de reembolso pluvioso. Como já referi, isto vem do beisebol, algures no final do séc. XIX.
Nem sempre tenho a certeza do que é o amor, embora nunca me assole a dúvida de que ele, de facto, existe. É estranho, o amor, e simultaneamente a coisa mais entranhada que conhecemos; é um sentimento abstracto (daí a minha vacilação em explicá-lo) e ainda assim o único valor em que efectivamente nos
Estou um pouco contrariado por não vir falar sobre as agressões de ontem em Alcochete. É assunto tão lamentável que, em situações habituais, me forçaria a mais palavras - quase todas de repúdio, mas ainda com espaço para a solidariedade. Esbanjamos tanto o termo “terrorismo” que, quando ele sucede d
Pelos vistos agora sou mainstream, um alinhado com o sistema. Cortaram-me a crista, coseram-me as calças, roubaram-me as correntes; drenaram-me o punk rock até à última gota. Foi da noite para o dia, tornei-me num bentinho de discurso ordeiro (e até estava calado quando isso ocorreu). Sou um alinhad
Não sei ao certo se originalmente isto era uma anedota ou um cartoon, mas de qualquer forma vai mais ou menos assim: numa entrevista de emprego, perguntam ao candidato qual é o seu maior defeito. “Diria que o meu maior defeito é a sinceridade.” – responde. O entrevistador estranha e comenta: “Sincer
Não sei o que é viver em liberdade, só sei o que é viver. Não conheci cativeiro nem censura; desconheço o que é ser desamarrado já que nunca me embrulhou qualquer atadura. Até as leis que me restringem são as mesmas que desobstruem o caminho à minha volta; cumpro-as porque sou forçado a ter esse dir
Como não amar Lisboa? É linda. Bem sei que esta afirmação de amor é muito superficial, só se detém na beleza. E também sei que, apesar de bonita, Lisboa continua com burrices e hábitos irritantes, nomeadamente o mau trato do português – com o seu vocabulário limitado, ou a maneira como forjou a pala
Os meus pulmões frágeis, e a minha displicência com a roupa de Inverno, têm-me levado demasiadas vezes às urgências hospitalares. Conheço bem os guichets de atendimento, as salas de espera e o que se lhes segue. A triagem de Manchester não soa a The Smiths, nem a New Order, nem a Stone Roses, nem a
“21 de Março” ou “quarta-feira” podem ser as respostas mais imediatas para a pergunta “Que dia é hoje?”. “Dia da árvore”, responderão alguns. “Dia Mundial da Poesia”, responderão outros. “48h após o Dia do Pai”, responderão os preguiçosos cronológicos. Sendo eu um fã de árvores, de poesia e (porque
A Rússia é, neste momento, um país caído. A economia está devastada, há criminalidade violenta e um sem-número de problemas sociais graves. Para ampliar a aura de declínio, o país continua a ser defendido no resto do mundo pelos redutos mais patéticos - saudosistas que olham para o Kremlin pós-sovié
Rumores de plágio no Festival da Canção não são um exclusivo de agora. Eu talvez não devesse falar no assunto, tendo em conta que estou ligado à edição deste ano do Festival (ainda que de forma muito descontraída e quase indirecta), mas o presente contexto serve-me para apontar uma mesquinhez antiga