Somos todos felizes nas redes sociais. A nossa mãe faz anos e é lindíssima, sempre foi lindíssima, temos foto com 40 anos para o comprovar. Os nossos filhos são um orgulho e fomos aos melhores museus, restaurantes e festas. Os nossos amigos são espertos, fashion e cool e, por isso, podemos usar termos em inglês. Se formos muito pró activos, debitamos considerações políticas, partilhamos petições, somos pelo ambiente, pelas pessoas, pelos animais e por um clube qualquer que irá ganhar, ou não, uma liga, uma taça, um campeonato. Isto somos nós, atenção que eu também faço parte, e partilhamos o melhor, o que nos deixa fazer boa figura, o que nos eleva. Não temos tristezas nas redes sociais, temos queixas, temos inúmeras queixas, diria mesmo que somos os campeões das queixas, por ser uma característica muito portuguesa, por fazer parte do nosso ADN enquanto povo. Queixamo-nos das operadoras de telemóvel, dos serviços públicos, do governo, dos professores, das escolas, dos carros, da assistência aos carros, dos serviços em geral. Não temos solução para nada, mas temos queixas.
Além disto tudo, como só partilhamos as coisas boas da nossa vida, as tais que nos elevam, pois somos bestiais e maravilhosos, não temos dificuldades ou tristezas, até devemos estar bem de dinheiro por termos feito férias em família, por termos ido jantar fora, por apreciarmos verdadeiramente um prato de amêijoas ou de percebes das Berlengas, atingimos um patamar desprezível. Como este é o país no qual a inveja é uma prática silenciosa mas permanente, pois estamos lixados, porque o facto de partilharmos o melhor que nos acontece faz com que muitos considerem que a nossa vidinha é apenas isso, logo somos uns sortudos do caraças, não devíamos ter tanto, quem nos manda ter tanto?
Sinais exteriores de riqueza ou passíveis de suscitar invejas e efabulações sobre as contas bancárias dos outros? Ah, a viagem, a comida, o carro e ainda a bodega da selfie que comprova que não temos peso em excesso ou rugas significativas apesar de já cá andarmos há muito tempo. Que linda que é a ilusão. Os nossos filhos são os maiores mesmo quando nos dão cabo da cabeça? Sim, é o Facebook. Estamos a fazer like em publicações de pessoas que, afinal, são absolutamente detestáveis, mas com o tal like ficamos bem no retrato porque o politicamente correcto é mais brilhante do que a honestidade? Ah, sim, sim.
Em resumo, andamos todos a enganar-nos uns aos outros; andamos todos a fazer assunções sobre a vida de terceiros e a concluir, sozinhos na nossa triste invejazinha que não nos leva a lugar algum, que merecíamos mais e que os vizinhos, os tais amigos que alimentam o feed notícias da rede social da nossa eleição, são uns tipos cujo índice médio de felicidade é superior ao nosso e que injustiça que é, porque a nossa vida está cheia de sujidade e equívocos, tantas verdades por dizer. Vivemos na ilusão. Triste ilusão que alimenta uma realidade artificial? Sim, é tudo isto e eu, adepta das fotografias de comida e de outras tantas coisas, a festejar o aniversário dos meus filhos nas redes para o mundo ver, confesso-me artificial e pequena. É a vida no século XXI. 17 de setembro de 2019
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