Apesar de a saúde mental ter vindo a ganhar cada vez mais visibilidade, “tem de ganhar uma prioridade que seja pelo menos equivalente à sobrecarga que causa nos doentes e nas famílias”, disse Miguel Xavier, que falava à agência Lusa a propósito do Dia Mundial da Saúde Mental, assinalado na quarta-feira.
“É uma área que causa uma sobrecarga enorme e aquilo que tem de se exigir é que tenha um investimento proporcional ao sofrimento que causa. Se esse for o princípio organizador, é um bom princípio para nós”, sublinhou Miguel Xavier.
O psiquiatra e professor universitário apontou como “grandes vetores importantes na saúde mental” a psiquiatria infantil e da adolescência, “uma área que precisa de um investimento grande”, e a melhoria da articulação entre os serviços locais de saúde mental e os cuidados de saúde primários, para que grande parte das situações de depressão e ansiedade possam ser tratadas nos centros de saúde, o que vai acontecer em 2019.
Miguel Xavier explicou que uma parte significativa das pessoas com sofrimento psicológico não precisa de aceder aos serviços locais de saúde mental desde que encontre respostas nos seus centros de saúde, mas defendeu ser necessário haver respostas organizadas para evitar a prescrição imediata de fármacos.
“Se os centros de saúde tiverem um modelo de funcionamento diferente para este tipo de patologias poderá almejar-se diminuir o consumo de benzodiazepinas e de antidepressivos” em Portugal que, segundo os últimos dados, é quase o dobro da média europeia.
Para o psiquiatra, esta é “uma das mudanças estruturais mais forte e das mais complexas” porque não mexe só com os serviços de psiquiatria, mas também com o universo dos cuidados de saúde primários, onde estão os médicos de família, os enfermeiros, que estão a trabalhar com “um nível de sobrecarga muito intenso”.
Isto significa que “não há uma folga muito grande para grandes modificações”, a não ser que haja “uma mudança nos recursos humanos e no modelo de atendimento. É isso que espero que se faça”, frisou.
O diretor do programa também defendeu a necessidade de se esbater as “assimetrias regionais” que existem ao nível dos recursos humanos e de diferenciação, sublinhando que tem de “haver uma carteira mínima a oferecer a todos os cidadãos”.
Nesse sentido, salientou a importância de haver em todo o país equipas comunitárias de saúde mental, que integram médicos, enfermeiros especialistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, entre outros profissionais, que não existem neste momento em número suficiente no Serviço Nacional de Saúde.
Nos últimos 10 anos houve um aumento do número de médicos de psiquiatria, “mas não houve aumento de outros profissionais e é absolutamente impossível fazer equipas comunitárias, que são a base da prestação de cuidados hoje em dia, sem estas equipas”.
“Esta área precisa de ter um novo impulso”, mas é um trabalho que vai demorar alguns anos. “Não se pode esperar que, de um ano para o outro, se consiga contratar as pessoas todas para formar equipas em toda a parte, vai ter que ser feito um plano e tem de haver acima de tudo uma noção de prioridade”, frisou.
Segundo o Relatório do Programa Nacional para a Saúde Mental 2017, o registo de utentes com perturbações mentais nos cuidados de saúde primários tem vindo a aumentar desde 2011, no que diz respeito às perturbações de ansiedade, às perturbações depressivas e às demências, sendo que o maior registo de doentes se encontra nas regiões do Centro e do Alentejo.
"Se por um lado estes resultados podem significar um aumento de acessibilidade aos cuidados de saúde primários, por outro podem significar que os profissionais dos Cuidados de Saúde Primários estão mais sensibilizados para o seu diagnóstico", lê-se no documento.
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