São 09:30 e, numa das ruas mais movimentadas de Mem-Martins, a assistente social Raquel Beato, o enfermeiro Luís Cruz e o técnico da Proteção Civil Bruno Lopes fazem ‘parar o trânsito': vestidos dos pés à cabeça com um ‘macacão’ branco, touca, luvas e botas, máscara e óculos de proteção, tornam-se praticamente irreconhecíveis e estão preparados para as sete visitas que têm marcadas na agenda.
São uma das oito equipas multidisciplinares que a Câmara de Sintra (CMS) estruturou para visitar os munícipes infetados com covid-19 na tentativa de perceber que necessidades têm enquanto estão confinados, por ordem das autoridades de saúde.
“Estamos no terreno desde o início de julho e a nossa função é visitar os doentes que nos são referenciados como positivos para covid-19″, diz à Lusa o enfermeiro Luís Cruz, que, a caminho da primeira morada, revela que a principal função desta equipa “é avaliar a situação clínica e socioeconómica” das pessoas que estão confinadas ou em isolamento profilático por terem estado em contacto com um caso positivo.
É o caso de Cesaltina Paiva, mãe de Simão, de 14 anos, que há poucos dias foi identificado como um caso positivo de covid-19. A primeira suspeita desta mãe foi de que se tratava de uma constipação, mas o teste confirmou o caso positivo.
“Não conseguimos perceber onde é que o Simão foi infetado porque não conhecemos ninguém que tenha testado positivo. Ele começou a sentir dores no corpo e telefonou-me para o ir buscar à escola. Vimos que ainda não tinha febre, mas, embora os sintomas não fossem fortes, contactámos a linha Saúde 24, que lhe prescreveu o teste. Quando o foi fazer já não tinha sintomas e pensámos que não era nada, mas recebemos depois o resultado de que estava infetado”, conta Cesaltina.
O teste positivo de Simão “arrastou” para casa a mãe e o pai, ambos a cumprirem isolamento profilático, assim como a turma da Escola da Secundária de Mem Martins, que o jovem frequenta. Apesar dos constrangimentos, que mantêm também longe de casa a irmã de Simão, Sara, que está por estes dias a viver em casa da avó, Cesaltina garante que estão “a tentar viver com a maior normalidade possível”.
“Estamos tranquilos. Felizmente passaram os sintomas, nós ainda não tivemos nada e tentamos lidar com isto com normalidade”, diz a mãe de Simão, que ainda assim confessa que é “assustador” ver entrar em sua casa tanta gente equipada “dos pés à cabeça”.
Por outro lado, está também preocupada com o regresso ao trabalho: é auxiliar de educação e gostava de ser testada antes de regressar, embora não sejam essas as indicações que recebeu das autoridades de saúde, que apenas lhe recomendaram o isolamento profilático durante 14 dias.
“Tenho receio e vou fazer tudo para ser testada. É isso que faz a diferença, temos de ter a certeza de estar bem e se estamos infetados ou não”, frisa Cesaltina, que lamenta que este vírus ainda seja um tema tabu.
“As pessoas ainda sentem alguma vergonha de um vírus que está a atacar toda a gente. Não temos que sentir vergonha, mas sim tomar estas medidas para o combater”, conclui.
Paula Cristina Cunha percebe esse sentimento dos que ainda não foram infetados, ao contrário dela.
“Não somos bichos, somos pessoas normais, mas que infelizmente tivemos este azar. Mas as pessoas têm medo. Eu percebo porque eu própria também tinha, é inconsciente”, admite.
Esta esteticista, atualmente no desemprego, não sabe como foi infetada e confessa que “é horrível” estar fechada em casa.
“Não sair de casa para mim é muito mau, porque estava habituada a ir fazer exercício para a rua. Não poder ir às compras é horrível, é horrível estar fechada em casa, o receio de não poder receber pessoas, ter convívio”, diz angustiada.
Testada como positiva há quatro dias, Paula ainda tem alguma tosse e o olfato e o paladar ainda não regressaram. Já o marido, Alcides Paulo, que entretanto também foi infetado, queixa-se de dores nas costas. Estão os dois confinados, o que facilita a gestão das tarefas, mas Paula confessa que nem isso torna esta situação menos penosa.
“Não vou esquecer estes dias… não se esquece, nunca. Isto muda muita coisa. Ao mudar o nosso dia a dia muda também a nossa vida”, diz a esteticista, que se mostra agradada com a visita dos técnicos da Câmara de Sintra.
“É bom que façam estas visitas para esclarecer dúvidas e sentirmo-nos apoiados, sentir que não se esqueceram de nós”, conclui.
Casos como o do Simão e de Paula são os mais comuns, confirma o enfermeiro Luís Cruz.
“A grande maioria são situações ligeiras a moderadas. Apanhamos também uma percentagem significativa de doentes assintomáticos e uma percentagem mais pequena de situações mais complicadas, que são por nós direcionadas para outros locais de avaliação mais diferenciada”, relata o enfermeiro.
A grande maioria das pessoas cumpre o confinamento, mas, segundo este técnico, as principais carências surgem no plano social.
“A grande dificuldade que verificamos no terreno são as habitações que não têm condições para um agregado familiar mais alargado, poucos quartos, em que as pessoas são obrigadas a ficar a dormir na sala para reservar o quarto para o utente que testou positivo”, conta Luís.
Para o enfermeiros, “ainda pior” são os casos de pessoas que depois de testarem positivo ou terem de ficar em isolamento acabam despedidas porque faltaram ao trabalho ou, simplesmente, porque os patrões têm receio de que ainda não estejam curados e contagiem outros funcionários.
O presidente da Câmara Municipal de Sintra, Basílio Horta, confirma à Lusa que o plano social foi a principal motivação para colocar no terreno estas equipas e que é aí que os resultados têm sido mais compensadores.
“As visitas têm um objetivo sanitário, mas também social, que é até prioritário, e procuram aquilatar a maneira como as pessoas estão a viver em confinamento: se precisam de equipamento de proteção individual, se precisam de meios para comprar remédios, pagar a renda de casa ou se precisam de apoio alimentar”, explica o autarca, avançando que já foram realizadas mais de 2.800 visitas e contactadas mais de sete mil pessoas ao abrigo deste programa.
Além das visitas e pessoas contactadas, as equipas multidisciplinares atenderam já a pedidos alimentares de 309 agregados familiares, num total de mais de 1.200 pessoas, disponibilizaram medicação em 43 casos, apoio económico em 94 e uma alternativa habitacional a quase 30 famílias que viviam em casas em que era inviável o cumprimento das normas sanitárias que o confinamento e o isolamento profilático aconselham.
A pandemia de covid-19 já provocou quase 1,2 milhões de mortos e mais de 46 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 2.544 pessoas dos 144.341 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
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