Nas duas últimas semanas de aulas, antes das férias da Páscoa, quase dois milhões de alunos deixaram de ir à escola e a maioria iniciou um processo de aprendizagem à distância.
Entre eles, estão mais de 80 mil crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem: desde casos menos complexos, como dislexias, défice de atenção ou atrasos ligeiros, até situações bastante complicadas, como alunos com deficiências profundas.
Pais e professores alertaram a Lusa para os desafios e dificuldades em conseguir que estes alunos mantenham uma rotina escolar.
“Há muitos alunos à margem por causa do ensino à distância, nomeadamente os que não têm Internet ou computador. Mas os meninos com dificuldades de aprendizagem ainda são mais discriminados”, alertou a professora Ana Simões, coordenadora do departamento de educação especial da Fenprof.
Para Ana Simões, o ensino à distância torna ainda mais difícil a educação inclusiva.
Teresa Fonseca é mãe de um menino com défice de atenção e admitiu que tem sido complicado apoiar o filho.
“Se ele não tiver ninguém sempre ao seu lado, não faz nada, temos de estar sempre presentes, mas é difícil. Eu e o meu marido estamos em teletrabalho e temos pouca disponibilidade para o conseguir acompanhar”, contou à Lusa a mãe do aluno do 7.º ano.
Segundo a professora Ana Simões, os alunos com défice de atenção nem representam os casos mais complicados. Há crianças com problemas mais complexos que exigem um apoio “constante, permanente e ainda mais direto”, explicou à Lusa.
“Há alunos que não conseguem fazer nenhuma atividade sozinhos”, alertou, reconhecendo que muitos pais, “por mais que queiram, não conseguem acompanhar os filhos”.
“Esta pode ser uma situação esgotante. São 24 sobre 24 horas. Os pais estão a trabalhar em casa e ao mesmo tempo têm de fazer as tarefas domésticas, como limpar e cozinhar, e ainda dar apoio aos filhos”, referiu Ana Simões.
Teresa Fonseca admite sentir-se “frustrada e a falhar em todas as frentes”: “Não consigo fazer bem o meu trabalho, não consigo apoiar o meu filho e sinto-me cada vez mais cansada e a atingir o meu limite”, desabafou.
Ana Simões garantiu à Lusa que as professoras de ensino especial continuam a manter um contacto regular com as famílias e que, até ao momento, não tem conhecimento de nenhuma situação em que os pais tenham pedido ajuda.
“Não temos casos de pais a dizer que não conseguem, mas sabemos que está a ser muito complicado. Se nas escolas este já é um trabalho muito difícil, que exige muita dedicação, imagine em casa, onde os pais nem sequer têm formação para ensinar”, sublinhou.
Os alunos estão a ser acompanhados pelos diretores de turma ou pelos titulares de turma, que contam com a colaboração dos docentes de ensino especial.
“O titular de turma define a tarefa a desenvolver e o docente de educação especial faz as adaptações necessárias para que o trabalho chegue de forma mais percetível ao aluno”, explicou a coordenadora do departamento da Educação Especial da Fenprof.
Ana Simões sublinhou que “a maior parte destes alunos não consegue funcionar sozinho mesmo tendo um computador e Internet” e por isso pede ao Ministério da Educação que dê “orientações mais claras”.
Em 2018, o Governo alterou a legislação que deixou de usar a expressão alunos com necessidades educativas especiais.
Portugal mantêm-se em estado de emergência até dia 17 de abril e a reabertura das escolas continua a ser uma incerteza.
O Governo já avançou com a ideia de o ensino à distância se manter no terceiro período com a ajudar de aulas transmitidas em canais de televisão de sinal aberto, à semelhança do que acontecia com a Telescola, que começou a funcionar em meados dos anos 60 do século passado e terminou nos finais dos anos 80.
O país regista até ao momento 209 mortos e 9.034 casos confirmados de infeções pelo novo coronavírus.
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