"Eu marquei viagem para a China, em março, e cinco dias depois abriram 200 vagas para a maratona. Era uma oportunidade única e nem pensei duas vezes", recorda João Sousa Pinto, do Porto, ao SAPO24.

Embarcou então numa viagem de seis dias para ir correr na Maratona de Pyongyang. Este é um evento particular por celebrar o aniversário do nascimento de Kim Il-sung, fundador do país e avô do atual líder Kim Jong-un.

Depois de completar a prova de 10 quilómetros, conquistou a medalha de ouro diante do presidente Kim Jong-un, num estádio com 50.000 pessoas, e até apareceu na televisão e num jornal do país.

A última edição tinha acontecido em 2019, antes da pandemia de Covid-19, que levou o país a fechar as fronteiras para impedir a disseminação do vírus.

Participaram cerca de 500 atletas estrangeiros de países como a China, Rússia, Marrocos e Etiópia, um número inferior ao da última edição, que reuniu cerca de 950. Este evento é uma das poucas formas para estrangeiros conhecerem a capital norte-coreana, fortemente controlada pelas forças de segurança.

A maratona começou no Estádio Kim Il-sung e passou por vários pontos turísticos da cidade.

Maratona Internacional de Pyongyang
Maratona Internacional de Pyongyang Maratona Internacional de Pyongyang créditos: DR

Tal como muitos outros colegas, João Sousa Pinto também embarcou nesta aventura com a Koryo Tours, a agência de viagens "parceira exclusiva" do evento.

Para participar, os atletas estrangeiros tiveram de entrar no país como parte de um grupo turístico e pagar cerca de 2.195 euros, incluindo voos de ida e volta para Pequim, avança a BBC.

Sobre constrangimentos, o português diz que não foram relevantes. "Não tive de falar com ninguém, inscrevi-me, a agência tratou do visto, que era um visto de convidado e não de turista", sublinha.

O menos bom foi ficar sem passaporte durante todo o tempo em que esteve na Coreia do Norte. "Foi um bocado desconfortável, porque gosto sempre de ter os documentos comigo, dá aquela sensação de segurança", lembra. "Fomos também revistados mais intensamente, perguntaram se havia câmaras de filmar, como os jornalistas usam, porque só permitiam câmaras pequenas, que foi o que usei".

"Fora isso, o mais desconfortável foi não podermos andar onde nos apetecia. Tínhamos guias norte-coreanos para ir a todo o lado. Eram eles que escolhiam onde nós nos deslocávamos, por isso não era 100% como costumo fazer em outras viagens", recorda.

João ia integrado num grupo de 20 pessoas, dos três grupos que existiram nesta viagem. Cada grupo teve o seu autocarro, cada um com cinco guias, um deles tradutor. Nunca estavam sozinhos.

"Se respeitarmos que estamos num país que não é como os outros e ouvirmos os guias corre tudo bem", diz o português.

"Eles não têm consciência do que há cá fora"

A convivência quer com a organização da corrida, quer com os norte-coreanos, foi sempre pacífica e não aponta nada negativo ao país.

Recorda, no entanto, algumas diferenças em relação a outras realidades que conhece: "É um país sem trânsito, isso chocou-me um bocado, quase ninguém deve ter carro. As pessoas também não têm acesso à Internet, existe um servidor privado onde aparecem notícias e podem fazer pesquisas que são controladas, existem aplicações próprias para ouvir música, para falarem uns com os outros, não há Instagram, nem WhatsApp, nada disso", explica.

João Sousa Pinto,
João Sousa Pinto, João Sousa Pinto, créditos: DR

A acrescentar a isto, João conta que também não podem sair do país. "Isso marcou-me", mas "eles não têm consciência do que há cá fora, não sabem o que estão a perder".

"A sensação que me dá é que eles gostam do país e querem lá estar", diz o desportista.

"Um evento único"

Sobre a participação na corrida que o levou ao pódio nos dez quilómetros, elogia sobretudo a organização. "Havia de tudo, comida europeia, massagem, piscina, banho turco, todas as condições", recorda. "É um evento único, e acho que eles gostam de mostrar uma boa imagem do país. Como sabem que vão estrangeiros, esforçam-se ainda mais para tentar passar uma boa imagem".

João não fez grande preparação para esta prova. Ao SAPO24, sublinha que estava de férias e mais afastado dos treinos, apesar de ter uma rotina regular em Portugal. Na mala para a China levava o equipamento de desporto, que leva sempre em todas as viagens, e corria cerca de uma vez por semana, mais duas sessões de ginásio "só para manutenção".

Foi mais pela desportiva e não contava de maneira nenhuma subir ao pódio numa corrida com participantes de todo o mundo. "Na sua maioria eram russos e chineses, mas havia gente do mundo inteiro, até 'youtubers' ingleses", aponta.

Sobre o conhecimento que os norte-coreanos tinham de Portugal, João diz que normalmente era relacionado com Cristiano Ronaldo. De resto, não percebem bem onde é o país. "Quando cheguei ao pódio eles ouviram mesmo Portugal, e acho que é ótimo até para as nossas relações diplomáticas".

Durante o tempo que esteve no país mais fechado do mundo, não teve qualquer contacto com o exterior nem contactou o governo português. "Os meus pais não sabiam, não os quis preocupar, mas havia quem soubesse e estava pronto para entrar em contacto com uma embaixada caso eu não dissesse nada até dia 9 de abril", confessa. "É sempre arriscado, é ir para o desconhecido, mas correu tudo bem".

"Gostei, mas vi o que queriam que víssemos, só vi Pyongyang. Talvez em outras cidades possa haver mais pobreza e outras condições. Ali havia eletricidade, havia água e havia comida", salienta. "Não posso mesmo dizer mal", reforça o jovem de 25 anos.

Para o futuro, promete que o desporto vai estar sempre na sua vida, até porque o pai também é maratonista.