Nas alegações finais do processo em que o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, julga o pedido de impugnação da coima aplicada pelo Banco de Portugal (BdP) apresentado por Ricardo Salgado, tanto o supervisor como o Ministério Público (MP) consideraram ter ficado provada a responsabilidade dolosa do antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) na violação das normas que obrigavam a desconsiderar do cômputo de fundos próprios da Espírito Santo Financial Group (ESFG), em base consolidada, as ações adquiridas pelas ‘holdings’ do Grupo Alves Ribeiro (GAR) aquando do aumento de capital de 2012.
Já a defesa de Ricardo Salgado pediu a absolvição, sublinhando que, nas suas alegações, tanto o MP como o BdP reconheceram que a acusação está “coxa”, ao admitirem ser difícil identificar os factos concretos que correspondem a cada uma das quatro infrações imputadas ao arguido.
Adriano Squilacce afirmou que a decisão administrativa apenas contém uma “imputação genérica” relativa à alegada intervenção de Ricardo Salgado na operação de compra de ações da ESFG, sublinhando que o então presidente do BES não tinha qualquer função executiva no grupo que tinha sede no Luxemburgo.
O advogado de Salgado lamentou que o Novo Banco não tenha respondido aos vários pedidos feitos para que entregasse ao tribunal os documentos que comprovam quem aprovou os financiamentos concedidos às holdings do GAR para que estas adquirissem as ações da ESFG.
Squilacce afirmou igualmente que o ex-presidente do BES não teve qualquer intervenção na desconsideração das ações adquiridas por clientes que estavam identificados por códigos, sublinhando que o impacto destas e das do GAR no rácio de capital da ESFG era “praticamente nulo”, o que, alegou, demonstra que não havia qualquer motivação para violar a determinação do BdP.
O advogado do BdP João Raposo reafirmou a convicção de culpa de Ricardo Salgado, por ser o “gestor omnipresente” do grupo e por ter tido um “papel determinante na conceção e execução” da operação que levou ao financiamento do GAR pelo BES, em 50 milhões de euros, para aquisição de ações da ESFG em 2012.
Considerando que Salgado agiu de forma “livre, consciente e deliberada”, o mandatário do supervisor manteve a convicção de que o ex-presidente do BES atuou com “dolo direto”, pois conhecia o quadro normativo a que estava obrigado “e decidiu deliberadamente não o seguir”.
Antes, o procurador do MP Manuel Pelicano concluiu igualmente pela existência de um “juízo de culpa”, afirmando que Ricardo Salgado “não se pode queixar” do valor da coima única aplicada (75.000 euros), já que o limite máximo de cada uma das infrações é substancialmente superior, e lamentou a “falta de humildade” do arguido no depoimento que prestou ao tribunal na primeira sessão do julgamento, em novembro último.
A juíza Vanda Miguel indeferiu um requerimento apresentado por Adriano Squilacce que pedia a audição presencial de Ricardo Salgado, para declarações finais, a ter lugar no termo das medidas de contingência impostas pela covid-19, já que integra um grupo de risco, pretensão que mereceu a oposição tanto do MP como do BdP.
No seu despacho, a juíza afirmou que o tribunal cumpre todas as medidas de segurança da Direção-Geral da Saúde que permitem ao arguido depor, sublinhando não ser aceitável a suspensão dos autos indefinidamente, tanto mais que a defesa expôs nos autos a tese da não suspensão dos prazos para prescrição durante as medidas impostas pela pandemia.
O processo teve inicialmente um outro arguido, o ex-administrador da ESFG José Castella, que havia sido condenado a uma coima única de 50.000 euros, mas cujo pedido de impugnação foi dado como extinto devido à sua morte no passado mês de fevereiro.
A leitura da sentença está marcada para a próxima quinta-feira.
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