O problema foi identificado como um dos mais graves num estudo encomendado pela London Community Foundation, em 2015, sobre a comunidade de língua portuguesa da municipalidade de Lambeth, no sul da capital britânica.
Os autores, incluindo a tradutora Maria João Nogueira, alertaram para o risco de a barreira linguística ter impacto no acesso a cuidados de saúde, apoios sociais e outros tipos de assistência.
Decidiram "juntar forças" a Fernanda Correia, ex-diretora de um centro comunitário português e organizadora de outras iniciativas na comunidade, para criar uma organização sem fins lucrativos que pudesse oferecer ajuda de forma gratuita.
A Respeito foi formada para "sensibilizar para o problema, promover relações positivas na família e comunidade, ajudar na integração de vítimas na comunidade e apoiar no acesso aos serviços adequados e criar uma plataforma para o desenvolvimento de serviços", pode ler-se na descrição da organização.
A maioria das vítimas identificadas são mulheres de Portugal, Angola, Moçambique e Brasil, mas também existem homens alvo de violência doméstica, que pode ter várias formas: verbal, física, sexual, financeira, psicológica ou emocional.
Além da falta de queixas às autoridades, a persistência de violência doméstica na família pode levar a consequências mais graves, como a intervenção dos serviços sociais para a remoção das crianças.
A falta de conhecimento sobre o modo de funcionamento de serviços sociais resulta num isolamento que permite o perpetuar das situações de abuso, disse Maria João Nogueira à agência Lusa.
"Os serviços estão lá, mas não são acedidos pela comunidade. Não somos nós que vamos dar todos os serviços, mas podemos encaminhar pessoas que precisam para outras entidades com experiência", afirmou.
Existem parcerias com variadas organizações a nível local e nacional, não só de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica, mas também a jovens e idosos, a pessoas com deficiências e pessoas com problemas médicos, incluindo saúde mental.
Estão a ser negociadas parcerias, nomeadamente com a Corações com Coroa, fundada pela apresentadora de televisão Catarina Furtado, e a Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade.
A violência e abuso domésticos não são problemas específicos da comunidade de língua portuguesa, enfatizam, mas há alguns elementos culturais e falta de informação.
"Há determinados comportamentos considerados abuso que são aceites pela comunidade. As vítimas nem sempre se identificam por terem medo do estigma", acrescenta Fernanda Correia.
Em curso está um primeiro workshop para pessoas com problemas domésticos, que inclui sessões de informação sobre os serviços de apoio disponíveis e os direitos perante a lei.
Para encorajar a partilha de experiências, a Respeito tentou abordar a questão de uma forma diferente: no primeiro dia de um ‘workshop' mensal, as participantes foram convidadas a criar uma personagem fictícia com família e conflitos domésticos.
Várias das participantes, um grupo de 10 mulheres com idades entre 20 e 60 anos de vários níveis sócio-económicos, acrescentaram efeitos secundários, como depressão, distúrbios alimentares, violência emocional ou financeira.
"Queremos que as mulheres lusófonas se capacitem e saibam que podem ter apoio, aprendam a defender-se para tentar eliminar estas situações", vincou Maria João Nogueira.
Para além do contacto com serviços de apoio às vítimas, as formas de ajuda podem passar por aulas de competências parentais e de proteção à criança.
Manuela Moura, uma das participantes no ‘workshop', saudou a informação recebida sobre a legislação britânica e os serviços que existem para as vítimas de violência doméstica.
Embora pessoalmente não seja vítima de violência, confessou que foi um problema a que assistiu de perto na família próxima quando ainda era criança e reconheceu que, passadas décadas, continua a ser tabu.
"É importante sabermos das leis do país onde estamos, os apoios que existem e a quem recorrer. Existe violência, mas nem sempre existe informação. Há pessoas que querem falar, mas não querem que se saiba. Este grupo é uma mais valia para ajudar as pessoas que estão a sofrer violência em silêncio", afirmou à Lusa.
Nas sessões em conjunto, discutiram soluções e possibilidades de a personagem fictícia sair da situação, e como pessoas de fora, como é o caso de Manuela Moura, podem ajudar.
Foi o que fez recentemente ao assistir a uma discussão em que um homem ameaçou agredir a companheira: "Fui falar com o senhor e disse que mais valia estar quieto, porque arriscava a ir preso, e ele percebeu que não valia a pena".
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