
Segundo Cristina Mendonça, investigadora em Psicologia Social, a sensação de insegurança é uma experiência “coletiva”, que todos sentem em relação ao outro. “Quanto mais diferente formos, pior será a discriminação”, diz ao SAPO24.
Com a guerra e a pobreza como pano de fundo, cada vez mais imigrantes chegam a Portugal à procura de estabilidade e segurança. Em 2023, residiam no país 1 044 606 cidadãos estrangeiros, de acordo com o Relatório de Migração e Asilo.
“Enquanto grupo maioritário no nosso país, é natural que encontremos uma minoria sobre a qual achamos que, por ser diferente, temos algum poder”, explica a investigadora. “Como desconhecemos a sua cultura, não sabemos se vêm para o bem, e, portanto, assumimos uma posição de poder, que nos leva a pensar que podemos delimitar a sua liberdade”.
Da mesma forma que, em Portugal, os imigrantes são excluídos e rotulados, a partir de estereótipos associados a um grupo com menos poder, também noutros países essa dinâmica de poder se manifesta contra os portugueses.
Foi o que aconteceu no final dos anos 90, nos Estados Unidos. Uma história violenta protagonizada por imigrantes portugueses na América que chocou o país e, hoje, podia ser sobre Lisboa. O tema foi tão falado que se fez um filme sobre ele. The Accused (Os Acusados) conta o caso verídico da captura de um criminoso, português, imigrado em New Bedford, Massachusetts, que ficou isolado da sociedade. O retrato do português imigrante marginalizado ficou associado ao crime e medo.
Quem agora chega a Portugal é recebido com o mesmo receio de quem olha para o criminoso de New Bedford. No filme, o protagonista viola e agride Chreryl Araújo, também portuguesa. O caso recebeu tanta atenção mediática que acabou por gerar um medo generalizado em relação à comunidade portuguesa imigrada nos Estados Unidos.
Neste caso, os portugueses eram “o grupo minoritário”, com menos poder e mais diferentes, nota Cristina Mendonça. Não falavam a mesma língua e provavelmente comportavam-se e vestiam-se de forma diferente dos americanos. Nada que pareça estranho para quem, hoje, vive em cidades em Portugal com grandes fluxos migratórios.
As representações nos media
Em The Accused, a comunidade portuguesa instalada em New Bedford chega a legitimar o crime praticado pelo português, para justificar a inocência de todos os outros imigrantes descriminados. “A falta de contacto alimenta o preconceito sobre um certo grupo”, que acaba por se isolar, observa Cristina Mendonça, que acrescenta: “Isto pode acontecer para os dois lados. Da mesma forma que discriminamos quando se trata do nosso país, somos discriminados quando passamos a ser ‘o outro’”.
Nos meios de comunicação, a narrativa é a mesma: “É fácil para quem acompanha as notícias recordar-se de um crime associado a um imigrante e então acham que será muito frequente, mas de facto não é necessariamente o caso”, esclarece.
Casos isolados que envolvem imigrantes acabam por se tornar referências negativas e alimentam uma perceção distorcida de insegurança, generalizada a todos os membros desses grupos — isto apesar de os noticiários serem diariamente inundados com reportagens sobre crimes violentos cometidos por portugueses.
No fundo, a investigadora acredita que a ideia exagerada de criminalidade resulta da “imagem criada dos imigrantes que vêm de países pobres, com menos educação, maioritariamente homens, que instintivamente se assemelha ao que consideramos ser uma pessoa criminosa, e, portanto, identificamo-las como pessoas perigosas”. “Quão mais fisicamente diferentes do português comum, maior será a perceção de risco”, explica.
Contudo, os portugueses que imigraram nos anos 80 e 90 também procuraram fugir da pobreza e instabilidade do país, que tinha acabado de sair de uma ditadura que durou 48 anos. Não são muito diferentes dos brasileiros, indianos, paquistaneses, chineses, angolanos, ou de qualquer outra nacionalidade, que vêm para Portugal.
Os dados não relacionam a imigração à criminalidade
O preconceito surge, então, de uma ideia falsa, que os números não comprovam. De facto, “não existem dados que nos digam qual é o crime nos imigrantes, qual é o crime nos não-imigrantes, para podermos fazer um julgamento se existe uma associação ou não em Portugal entre a criminalidade e a imigração”, sublinha a investigadora.
No último Relatório Anual de Segurança Interna, relativo a 2024, o crime não é associado a conflitos culturais causados pela imigração, mas a um conjunto de fatores internos e externos que promovem a instabilidade no país.
“O que não pode acontecer é, numa fase pré-eleitoral, a falta de informação e a ideia de conflito social serem usadas para cada partido puxar a brasa à sua sardinha, como gostam de fazer”, termina, referindo-se às propostas de políticas de imigração dos programas candidatos à Assembleia da República, nas eleições legislativas a realizar-se este fim-de-semana.
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