Neste episódio de Explica-me Isto, mergulhamos numa página menos conhecida da história de Portugal como destino (ou ponto de passagem) para milhares de refugiados durante a Segunda Guerra Mundial. A convidada é Carolina Pereira Henriques, investigadora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e vencedora do Prémio Mário Soares - Fundação EDP 2024 com a tese de doutoramento em História intitulada “Escapando à Guerra e ao Holocausto através de Portugal: refugiados nas zonas de 'residência fixa' da região Centro (1940-1946)”.
Afinal, Portugal foi ou não um país de refugiados?
“A história dos anos 40 mostra-nos que Portugal foi, efetivamente, um país de refúgio”, começa por explicar Carolina Pereira Henriques. Contudo, apressa-se a esclarecer que “às vezes a ideia de que Portugal foi um país extremamente hospitaleiro não é bem assim”. A receção aos refugiados foi complexa e, apesar da relativa abertura quando comparada com outros países europeus da época, não esteve isenta de tensões.
Desde o início do século XX, Portugal acolheu vários grupos de refugiados, como os anglo-boers aos que fugiram da Guerra Civil de Espanha. Mas o maior fluxo aconteceu na década de 1940, após a ocupação nazi de grande parte da Europa Ocidental. “O grosso dos refugiados que veio para Portugal no século XX vem precisamente na década de 40”, destaca a investigadora.
Mas nem todos vinham com a intenção de ficar. “Portugal era um país pobre, isolado e extremamente desconhecido no sudoeste europeu. Os refugiados não tinham grande desejo de vir para Portugal”, diz a investigadora. Ainda assim, o país acabou por se tornar “uma plataforma de esperança e transição para ir para outros locais”. Como salienta, “o Governo também não permitia que Portugal fosse um país de exílio”, preferindo vê-lo como “um espaço exclusivamente de transição”.
Apesar disso, houve exceções. “Há um conjunto muito pequenino de refugiados que acabam por ficar cá por circunstâncias específicas e que vivem até ao fim das suas vidas em Portugal”, explica, referindo núcleos em Lisboa, Caldas da Rainha e Ericeira.
A conversa também aborda o modo como os refugiados foram distribuídos geograficamente. Ao contrário do que se possa pensar, “Lisboa foi um espaço ainda mais de transição do que outras localidades do país”. O regime de Salazar procurava afastar os refugiados da capital, receando a influência das suas ideias “mais vanguardistas, mais liberais e democráticas”.
Mesmo quando havia hospitalidade, vinha por vezes acompanhada de oportunismo: “A população e os comerciantes olhavam para os refugiados como pessoas endinheiradas e aproveitavam-se deles, cobrando preços mais elevados — o que era sancionado pelo Governo”.
Num tempo em que o debate sobre a receção de refugiados volta a estar na ordem do dia, este episódio oferece uma perspetiva histórica e crítica essencial. Como diz Carolina Pereira Henriques, “esta ideia de Portugal como país de trânsito é o mais relevante quando falamos em refugiados neste contexto da década de 1940”.
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Há temas que dominam a atualidade, mas nem sempre são fáceis de entender. Em "Explica-me Isto", todas as semanas um convidado ajuda a decifrar um assunto que está a marcar o momento. Política, economia, cultura ou ciência—tudo explicado de forma clara, direta e sem rodeios. Os episódios podem ser acompanhados no Facebook, Instagram e TikTok do SAPO24.
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