Segundo a UNICEF, cerca de 356 milhões de crianças vivem em extrema pobreza (definida como viver com menos de 0,91 euros por dia). Isto significa que mais de 45% das crianças no mundo vivem em pobreza multidimensional, que inclui privação em saúde, educação e padrões de vida, segundo o relatório da Oxford Poverty & Human Development Initiative (OPHI).

Um estudo publicado recentemente na revista The Lancet revelou que crianças mais pobres têm maior probabilidade de apresentar desvantagens biológicas, como envelhecimento precoce, em comparação com famílias mais ricas.

Os investigadores do Imperial College London analisaram dados de 1.160 crianças com idades entre os seis e onze anos, de diferentes países da Europa. As crianças foram avaliadas com base numa escala internacional de nível de riqueza familiar, que considera fatores como ter ou não um quarto próprio e o número de veículos por agregado familiar.

As crianças foram divididas em grupos de alta, média e baixa condição socioeconómica. Foram também utilizadas amostras de sangue para medir o comprimento médio dos telómeros nas células brancas, responsáveis pelo envelhecimento. O cortisol, a hormona do stress, foi medido pela urina.

O estudo revelou que as crianças do grupo com maior nível de riqueza familiar apresentavam telómeros, em média, 5% mais longos do que as crianças do grupo de menor riqueza. Verificou-se também que as raparigas tinham telómeros mais longos do que os rapazes, em média 5,6% mais compridos. Já as crianças com um índice de massa corporal (IMC) mais elevado apresentavam telómeros mais curtos — uma redução de 0,18% por cada aumento percentual na massa gorda.

As crianças dos grupos de riqueza média e elevada apresentaram níveis de cortisol entre 15,2% e 22,8% mais baixos do que as crianças do grupo de menor riqueza.

Quanto mais longos forem os terómeros, mais lento é o envelhecimento.

Os autores reconheceram algumas limitações do estudo, nomeadamente o facto de as crianças analisadas não pertencerem a famílias em situação de pobreza extrema. Salientaram ainda que os resultados não devem ser interpretados como uma associação entre riqueza e “qualidade” genética, mas sim como uma demonstração do impacto indireto do ambiente num marcador conhecido de envelhecimento e saúde a longo prazo.

“Os nossos resultados mostram uma relação clara entre a riqueza familiar e um marcador conhecido do envelhecimento celular, com padrões que podem ser definidos ao longo da vida ainda na primeira década de vida da criança. Isto significa que, para algumas crianças, o contexto económico pode colocá-las numa situação de desvantagem biológica em comparação com aquelas que têm um início de vida mais favorável. Ao não enfrentar esta realidade, estamos a colocá-las numa trajetória de vida que pode resultar em vidas mais curtas e menos saudáveis", explicou Oliver Robinson, da Escola de Saúde Pública do Imperial College e autor sénior do estudo, em entrevista ao The Guardian.

E acrescentou: “O nosso trabalho sugere que pertencer a um contexto de menor riqueza provoca um desgaste biológico adicional. Para as crianças do grupo menos favorecido, isto pode corresponder a cerca de 10 anos de envelhecimento a nível celular, em comparação com as crianças de famílias mais abastadas.”

Kendal Marston, também da Escola de Saúde Pública do Imperial College e primeira autora do estudo, reforçou a ideia, referindo: “Sabemos que a exposição crónica ao stress provoca desgaste biológico no organismo. Isto já foi demonstrado em estudos com animais — animais sujeitos a stress apresentam telómeros mais curtos. Embora o nosso estudo não tenha conseguido provar que o cortisol é o mecanismo responsável, demonstra uma ligação entre a riqueza familiar e o comprimento dos telómeros, que sabemos estar associado à longevidade e à saúde na idade adulta".

"É possível que as crianças de meios menos favorecidos estejam a experienciar níveis mais elevados de stress psicossocial. Por exemplo, podem ter de partilhar o quarto com outros membros da família, ou não ter os recursos necessários para a escola — como um computador para fazer os trabalhos de casa", termina.

Outros impactos da Pobreza Infantil na Saúde

  1. Saúde física e mortalidade infantil: Crianças pobres têm maior risco de desnutrição, com 45% das mortes infantis ligadas à desnutrição (OMS, 2021).
  2. Desenvolvimento cognitivo e escolaridade: A pobreza está associada a atrasos no desenvolvimento cerebral, dificuldades escolares e menor desempenho académico.
  3. Saúde mental: Crianças que vivem em pobreza apresentam maior risco de ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental devido a fatores como stress crónico, insegurança alimentar e habitação precária.
  4. Impacto no envelhecimento biológico: como prova o estudo mencionado, a pobreza na infância está associada a marcadores biológicos de envelhecimento acelerado e maior risco de doenças crónicas na idade adulta.