
Em declarações à Lusa no dia em que é apresentado o estudo “Impacto dos Sintomas da Esclerose Múltipla”, feito em 22 países, incluindo Portugal, o presidente da SPEM, Alexandre Guedes da Silva, afirmou:”para estes doentes, tempo é cérebro”.
“À medida que passa o tempo, nós vamos acumulando a destruição no cérebro. Portanto, quanto mais longos forem os tempos, maior vai ser a carga lesional, que é uma carga lesional permanente, no nosso órgão mais importante”, explicou o responsável, que disse ter levado 18 anos até chegar ao diagnóstico da doença.
Para Alexandre Guedes, o tempo que atualmente demora o diagnóstico e o acesso aos medicamentos tem de ser rapidamente revertido.
“Em Portugal sempre houve uma certa tendência para arrastar as situações”, lamentou, insistindo que, no caso da esclerose múltipla, todos os processos têm que ser rápidos, sob pena de a situação se tornar cada vez mais grave.
O estudo hoje divulgado indica que o diagnóstico da esclerose múltipla em Portugal demora, em média, três anos e o início do tratamento farmacológico pode levar quase dois.
“Estes valores mostram, de facto, que a situação em Portugal é difícil”, considerou o presidente da SPEM, reconhecendo que há no país “ilhas de grande sucesso”, mas na generalidade dos casos as pessoas “andam perdidas no sistema” e “não conseguem chegar aos médicos neurologistas”.
Recordou que a esclerose múltipla, uma doença crónica e degenerativa que afeta o sistema nervoso central, “tem manifestações diferentes de pessoa para pessoa” e alertou: “nas pessoas em que se manifesta com maior agressividade é fundamental parar a sua progressão e parar o dano que ela causa no sistema nervoso central”.
A fadiga, as dores, as alterações motoras, os problemas no equilíbrio, os distúrbios do sono e o défice cognitivo são alguns dos sintomas mais comuns.
Alexandre Guedes disse que o facto de os sintomas da doença serem invisíveis “é decisivo”, pois faz com que as pessoas “tenham dificuldade em imaginar o que o outro está a sentir”, e lamentou que sejam “muito mal entendidos pelo resto da sociedade”.
“Isto faz com que as próprias pessoas com esclerose múltipla se retraiam. (…) Tendemos sempre a só relatar aqueles sintomas que são mais exuberantes e que nos dificultam mais a vida. Mas os outros também lá estão”, acrescentou.
Lembrou que o diagnóstico implica a existência de lesões na imagem radiológica e de indicadores noutros exames que mostram a dificuldade de transmissão do sistema nervoso central e reconheceu que, tanto dos cidadãos como dos profissionais de saúde “ainda há muita iliteracia”.
“Mas há outro fator importante a ter em conta, que é a resistência da pessoa em ir ao médico, por desvalorizar sintomas”, disse.
O estudo apontou também para dificuldades de acesso ao tratamento. Sobre esta matéria, Alexandre Guedes da Silva é perentório: “Há uma enormíssima barreira que tem que ver com o protocolo de tratamento, que depende da DGS [Direção-Geral da Saúde]”, que não é atualizado há cerca de 10 anos.
A outra dificuldade — explicou — tem que ver com o facto de os medicamentos inovadores estarem na segunda linha de tratamento e de a organização do tratamento impor que se comece por outra medicação, que muitas vezes se revela ineficaz: “Diria que numa percentagem superior a 30%, a um terço das pessoas, revela-se ineficaz”.
O responsável defendeu que estes doentes sejam tratados em centros especializados, multidisciplinares, com mais meios, e que esses centros possam comunicar com os neurologistas e manter a vigilância destas pessoas.
Disse que em muitos hospitais que têm consulta de esclerose múltipla há muito pouco para oferecer para as consequências da doença, como, por exemplo, a fisioterapia, e insistiu: “A nossa batalha é contra o tempo e contra, de alguma forma, a complexidade do sistema que não consegue responder de forma eficaz às nossas necessidades”.
Doentes esperam em média três anos por diagnóstico
Apesar dos valores médios, o estudo realizado refere que um em cada 10 inquiridos admitiu ter esperado mais de seis anos para iniciar o tratamento com Terapias Modificadoras da Doença (TMD). Entre os que não chegaram a iniciar medicação, mais de metade (52%) diz que nunca recebeu prescrição médica.
Promovido pela Plataforma Europeia de Esclerose Múltipla (EMSP), indica ainda que, em Portugal, dos que ainda não tinham iniciado o tratamento, 22% manifestaram receios quanto à administração das TMD, 6% disseram que o tipo de TDM prescrita não estava disponível e outros 6% que não tinham condições financeiras para suportar os custos.
Em Portugal, estima-se que existam mais de 8.000 pessoas com esclerose múltipla, um número que para muitos especialistas está subestimado, tanto pelo número de pessoas sem diagnóstico quanto pelas que estão sem tratamento confirmado.
Os sintomas podem ser diversos, afetando sobretudo as capacidades físicas e cognitivas, e os especialistas alertam que o tempo que medeia entre o aparecimento dos primeiros sintomas e a confirmação do diagnóstico pode comprometer as possibilidades de "intervenção precoce e eficaz".
Magda Fonseca, investigadora na área da Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e responsável pela implementação do estudo em Portugal alerta: "A demora no diagnóstico e no acesso a tratamentos específicos pode comprometer a gestão de todos os sintomas que afetam a vida diária. Estas barreiras colocam em causa a eficácia das intervenções clínicas e aumentarão o impacto negativo da doença na qualidade de vida das pessoas afetadas, quer doentes, quer os seus cuidadores".
A fadiga, os problemas sensoriais, as dores, os distúrbios do sono e o défice cognitivo são os sintomas mais comuns entre os doentes portugueses. O estudo indica que a média é de 13 sintomas relatados por pessoa e os mais debilitantes são a fadiga, as alterações motoras e os problemas no equilíbrio.
Um em cada cinco participantes no estudo disse não estar a trabalhar por causa da doença.
Além disso, 7% dos inquiridos desconhecem que tipo de esclerose múltipla têm, "o que levanta questões sobre a literacia em saúde, a comunicação médica e o estigma associado à doença".
O presidente da SPEM, Alexandre Guedes da Silva, considera que este desconhecimento "é alarmante" e diz ser "essencial promover campanhas de esclarecimento, reforçar a formação dos profissionais de saúde e garantir que as pessoas com esclerose múltipla compreendem o seu diagnóstico e as opções de tratamento disponíveis".
Segundo o estudo, a prestação de cuidados de saúde precisa de ser melhorada - apenas 70% diz que recebe cuidados satisfatórios -- e há lacunas no apoio social: 12% das pessoas que precisam de cuidadores não têm qualquer assistência e apenas 9% contam com apoio regular, maioritariamente de familiares ou amigos.
Quase um em cada cinco (19%) doentes não recebem qualquer tratamento ou cuidado de saúde. As principais razões são "a percecionada falta dessa necessidade, a incapacidade financeira para a sua aquisição e a ausência de prescrição médica".
Como prioridades o estudo aponta o reforço da aposta no diagnóstico atempado, capacitando profissionais de saúde e desmistificando a doença, a garantia de um acesso mais célere e equitativo aos medicamentos, com apoio de mais ensaios clínicos, uma maior comparticipação do Serviço Nacional de Saúde e a eliminação de barreiras administrativas, assim como um investimento na literacia em saúde e na qualidade da comunicação entre médicos e doentes.
Sugere ainda um maior apoio a cuidadores formais e informais -- "com medidas eficazes e sustentáveis" -- e a promoção de um sistema de cuidados "mais integrado, humano e centrado nas reais necessidades das pessoas com esclerose múltipla".
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