Provenientes do Brasil, Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde, Juliana Alves, Maria Ya Ya, Maria Constância (Betty), Emanuellle Bezerra, Fabiana Lima, Nádia Fabrici, Elane Galacho e Joana Dende são as protagonistas da peça e também das histórias que Marco Martins trabalha, as histórias deste grupo de mulheres cuidadoras e empregadas, que passam a vida em movimento pendular entre a periferia e o centro da capital portuguesa, entre a sua casa e a de quem as emprega, entre o país de origem e o de destino, Portugal.
“Pêndulo”, com texto de Marco Martins e Djaimilia Pereira de Almeida, levanta questões como o modo como se relacionam as trabalhadoras imigrantes com as famílias para quem trabalham, se essa relação as afeta ou não, como se relaciona um país com os imigrantes que acolhe.
A partir da natureza do trabalho doméstico, “Pêndulo” reflete sobre essas questões, e ao mesmo tempo sobre relações familiares, sobre os diferentes sonhos, as diferentes expectativas, os diferentes quotidianos.
Na continuação do trabalho cénico que tem vindo a desenvolver nos últimos anos, Marco Martins abriu o palco a atores não profissionais, dando-lhes ainda espaço para as histórias pessoais, de vida, além da precariedade de trabalho com que todas se confrontam.
Trabalhadora doméstica, cuidadora de doentes terminais, cuidadora de idosos em ‘part-time’ ou prestadoras de trabalho doméstico são atividades que unem as oito mulheres.
Apesar das diferentes experiências de vida, que contam em palco, “Pêndulo” parte de uma situação ficcional em que as oito mulheres são empregadas de limpeza num supermercado da capital.
Enquanto a brasileira Elane fala dos vários trabalhos que teve no Brasil antes de os filhos crescerem e rumar a Portugal — de guarda prisional a cuidadora do pai — em busca de uma nova vida, Juliana, a mais velha, vai desfiando a história do orfanato de holandeses e italianos para onde foi levada após tirada da casa dos pais, e onde aprendeu latim.
Cuidadora de doentes terminais até há pouco tempo, quando decidiu reformar-se, Juliana vai também contando como lavava e preparava os mortos antes de as funerárias irem buscar os corpos para os enterros. O carinho, o cuidado e o desvelo que põe nas palavras e nos gestos quase dão a sensação de Juliana estar a falar de vida.
Emanuelle, uma das duas brasileiras que interpretam “Pêndulo”, veio para Portugal fazer mestrado e é cuidadora informal em ‘part-time’. Antes tinha estado no Canadá e na Austrália, países sobre os quais também vai contando histórias do tempo em que lá viveu.
“Pêndulo” teve em conta, à partida, um duplo movimento pendular, disse Marco Martins à agência Lusa, no final de um ensaio da peça.
“Por um lado, um movimento pendular da imigração. Do país de origem para o país de trabalho, e esta ideia de achar que hoje em dia a imigração é muito mais feita de forma individual, pois é raro vermos famílias a emigrar como víamos nos anos de 1960 ou 1970”, acrescentou.
Procurou fazer, portanto, um trabalho que partisse da ideia de mulheres que imigram sozinhas e deixam a família, como é o caso de quase todas as que vão subir ao palco do S. Luiz.
Em comum, estas mulheres escolhidas entre um grupo mais alargado proveniente de Montijo, Barreiro, Almada e Setúbal, têm o facto de, em fases distintas das suas vidas, terem sido cuidadoras informais.
Como Maria Ya Ya que veio de S. Tomé diretamente para a família de uns “senhores que já a aguardavam no aeroporto e para cuja casa foi levada para trabalhar, com horas de entrada, mas sem horas de saída”, como diz no espetáculo.
Ou Fabiana, vinda do Brasil, que procurou vários trabalhos mas que acabou sempre por tratar de pessoas mais velhas.
A Marco Martins interessava também mulheres que, apesar de terem realizado aquelas funções, tivessem também outro tipo de formações e de desejos, disse, exemplificando com Nádia e Fabiana, ambas a fazerem teses de mestrado e com trabalhos em ‘part-time’.
“O que as une é esse movimento pendular. São todas imigrantes e vivem todas fora dos centros urbanos, portanto no dia-a-dia também têm todas este movimento pendular”, sublinha.
Em “Pêndulo”, a partir de uma situação ficcionada, passada no interior de um supermercado, as oito mulheres acabam por discorrer em palco sobre situações do seu passado ao mesmo tempo que ousam fazer especulações sobre o futuro.
Um futuro melhor que vão aguardado, enquanto no interior do supermercado esperam que chegue a hora de dar início à limpeza daquele espaço.
A partir de um cenário aparentemente realista, outros espaços vão ganhando forma até se chegar a um passado bastante distante. O passado de Juliana, a moçambicana de 77 anos, e o orfanato de padres holandeses e italianos onde foi parar depois de retirada de casa dos pais. E onde aprendia latim.
Uma intérprete/personagem que, para Marco Martins, “encapsula toda estas questões que têm a ver esta constante migração das nossas ex-colónias, as várias vagas sucessivas e as várias famílias que foram sendo destruídas de alguma forma com essa imigração”, conclui.
Com música de Tia Maria Produções, movimento de Vânia Rovisco, apoio dramatúrgico de Rita Quelhas, cenografia de fala de atelier, desenho de luz de Nuno Meira e sonoplastia e operação de som de Vítor Santos, “Pêndulo” fica em cena na sala Luis Miguel Cintra, do Teatro S. Luiz, até 18 de junho, om sessões à sexta-feira e sábado, às 20:00, e, ao domingo, às 17:30.
A estreia da peça realiza-se no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, 10 de junho, no Auditório Municipal Augusto Cabrita, no Barreiro.
A 24 de junho estará em cena no Fórum Municpal Luísa Todi e, em 22 de dezembro, no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada.
Em 2024, será apresentada no Arena de Sole, em Bolonha (dias 26 e 27 de janeiro), a 02 e 03 de fevereiro, no Teatro Municipal do Porto/Campo Alegre, e dia 10 de fevereiro, no Cine-Teatro Joaquim de Almeida, no Montijo.
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