A atriz trans espanhola era uma séria candidata ao prémio de melhor atriz, até que mensagens que publicou há uns anos no então Twitter (hoje X) sobre a presença muçulmana em Espanha e outras questões sociais ou políticas vieram à tona.

Em algumas publicações a atriz chama o islamismo de foco de "infecção" e classifica-o como "profundamente repugnante"

Karla também ironizou temas variados, como os esforços para promover a diversidade, a China e o caso George Floyd. Inicialmente, a atriz desculpou-se num comunicado divulgado pela Netflix e desativou a sua conta no X, antes de se tentar defender publicamente.

Vários tuítes escritos por Gascón, a maioria publicados entre 2020 e 2021, vieram à tona nas redes sociais e complicaram as suas aspirações aos cobiçados prémios de Hollywood.

Em mensagens resgatadas pela jornalista Sarah Hagi, a atriz fez uma série de comentários ofensivos sobre o Islão, que descreveu como "foco de infecção para a humanidade que precisa ser curado urgentemente".

Noutra, diz que o Islã "é maravilhoso, sem nenhum tipo de machismo", ao lado de uma foto de uma mulher totalmente coberta por um véu preto. "Elas vestem-se assim porque gostam. Que asco enorme da humanidade", completa.

Noutra publicação da conta de Gascón - que desapareceu do X na sexta-feira -, descreveu George Floyd, homem negro assassinado pela polícia nos EUA em 2020, como um "malandro viciado em drogas".

Em 2021, comentou sobre a cerimónia dos Óscares: "Não sabia se estava a ver um festival afro-coreano, uma manifestação do Black Lives Matter ou o 8M", abreviação de 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

O realizador, Jacques Audiard, também se distanciou e classificou as publicações de Gascón como "imperdoáveis" e "cheias de ódio".

Em declarações ao meio especializado Deadline, Audiard disse que ao continuar a atacar os seus críticos, a "abordagem autodestrutiva" de Gascón agora "prejudicava pessoas muito próximas", como ele e as suas colegas de elenco Saldana e Selena Gómez.

Cancelado lançamento do livro de Karla Sofía Gascón

Uma editora espanhola anunciou, esta quinta-feira, que não publicará um livro da atriz espanhola Karla Sofía Gascón devido aos tweets polémicos que a atriz de "Emilia Pérez" publicou antes de se tornar uma estrela.

"Na quinta-feira, 30 de janeiro, veio à tona uma série de tweets que nos levou a tomar a decisão de suspender a publicação do livro", anunciou a editora Dos Bigotes num comunicado.

A Dos Bigotes "sempre esteve comprometida com a igualdade, inclusão e diversidade (...). Por isso, também devemos ser consistentes com a nossa forma de pensar", argumentou a editora.

O livro era um romance biográfico que a atriz publicou no México em 2018, numa edição "corrigida e revista", explicou Dos Bigotes.

Um porta-voz da editora disse à AFP que descarta a possibilidade de publicar o livro numa data posterior.

Netflix retira protagonista de Emilia Pérez de campanha para o Oscar

A Netflix tirou a espanhola Karla Sofía Gascón, estrela do filme "Emilia Perez", da sua campanha publicitária para o Oscar, e distanciou-se da artista - indicada ao prémio de melhor atriz -, pelas suas publicações ofensivas nas redes sociais.

Imagens de Karla, 52, estampavam o material de promoção do musical, que recebeu 13 nomeações para os Óscares, mais do que qualquer outro filme neste ano. Mas a campanha de promoção do filme mudou drasticamente na semana passada, depois das publicações antigas nas redes sociais se terem tornado virais.

Os veículos especializados The Hollywood Reporter e Variety informaram que a Netflix, que fez um investimento pesado com a esperança de que Emilia Perez lhe rendesse o primeiro Oscar de melhor filme, retirou a atriz de toda a campanha. Um site do gigante do streaming que promove o longa-metragem continha hoje apenas uma foto de Zoe Saldana, nomeada para o prémio de melhor atriz secundária.

No auge da temporada dos prémios de Hollywood, Karla Sofía Gascón já não participará em eventos como a cerimónia do Critics Choice Awards, na próxima sexta-feira, segundo a imprensa especializada. A Netflix não quis comentar o assunto.

Karla Sofía Gascón pede desculpas por tweets racistas e ofensivos

A atriz espanhola Karla Sofía Gascón pediu desculpas após o ressurgimento de publicações racistas ou ofensivas contra muçulmanos e afro-americanos.

"Como alguém de uma comunidade marginalizada, conheço muito bem esse sofrimento e sinto profundamente por aqueles a quem causei dor", escreveu a atriz, uma mulher trans, num comunicado enviado pela Netflix à AFP.

"Por toda a minha vida lutei por um mundo melhor. Acredito que a luz sempre triunfará sobre as trevas", acrescentou a estrela de "Emilia Pérez".

Trata-se de um musical sobre a transição de género de um perigoso narcotraficante mexicano.

O impacto no México que repudia o filme

A polémica não se resume à atriz principal, mas também se estende à maneira como "Emilia Pérez" retrata questões tão delicadas no México, como tráfico de drogas, migração e corrupção.

A longa metragem teve boas bilheterias na França e noutros países, mas no México a avalanche de críticas foi considerável.

O órgão federal de proteção ao consumidor anunciou a 24 de janeiro que entrou em contacto com a rede de cinemas Cinépolis para garantir que os utilizadores insatisfeitos com o filme pudessem ser reembolsados.

"Emilia Pérez" foi rodado inteiramente em estúdios na França, e as músicas, embora tocadas em espanhol, foram criadas por uma dupla de músicos franceses.

"O filme banaliza o problema dos desaparecidos no México", criticou Artemisa Belmonte, autora de uma petição no change.org para se opor ao lançamento nos cinemas.

"As minhas intenções parecem-me virtuosas, mas noto um problema [no México] na aceitação da longa-metragem", disse Audiard à AFP após as nomeações aos Óscares.

"Tráfico de drogas: não podíamos falar sobre isso! Mas era importante para mim, talvez eu tenha feito isso de forma desajeitada!", declarou.

"'Emilia Pérez' é tudo de mau num filme: estereótipos, ignorância, falta de respeito, lucro em cima de uma das crises humanitárias mais graves do mundo (desaparecimentos massivos no México). Ofensivo. Frívolo", resumiu no X Cecilia Gonzáles, jornalista mexicana.

Inverossímil

O diretor de fotografia Rodrigo Prieto (“Barbie” e “Assassinos da Lua das Flores”) fez a primeira crítica negativa ao filme, que foi gravado num cenário francês com algumas externas noturnas no México.

Salvo o trabalho da atriz mexicana Adriana Paz, "tudo me parece inverossímil", resumiu numa entrevista com a revista Deadline.

"Principalmente quando o tema é muito importante para os mexicanos" acrescentou, referindo-se aos mais de 30 mil assassinatos anuais e mais de 100 mil pessoas desaparecidas, registos ligados na sua maioria à narco-criminalidade.

“Não tenho nada contra o facto de não mexicanos dirigirem filmes sobre o México, mas os detalhes são importantes. Temos o caso de Ang Lee. Ele é de Taiwan e fez 'Brokeback Mountain', mas concentrou-se nos detalhes”, explicou.

É “um dos filmes mais grosseiros e enganosos do século XXI”, escreveu o escritor Jorge Volpi no diário El País no início de janeiro, que também destacou o terrível sotaque de Selena Gómez, irritante para a fibra nacionalista dos mexicanos.

Questiona qual seria a reação se um cineasta mexicano, seja Alfonso Cuarón, Alejandro González Iñárritu ou Guillermo Del Toro, tivesse feito um filme sobre os tumultos nos subúrbios franceses num estúdio no México e com atores latinos de Hollywood interpretando franceses.

O ator mexicano Eugenio Derbez, que também tem uma carreira em Hollywood, apelidou o sotaque de Selena Gómez de “indefensável”.

“Desculpe-me, fiz o que pude com o tempo que me foi dado”, respondeu a atriz. O mexicano terminou pedindo desculpas: “Como latinos, devemos apoiar-nos uns aos outros”.

Mea-culpa

Audiard se defende com o argumento de que “é uma ópera” e, portanto, “irreal”. Mas fez um exercício de mea-culpa numa apresentação no México: “Se acharem chocante (...) estou pronto para pedir desculpas”.

“Selena e Zoé dão-lhe uma dimensão comercial, não há como negar”, disse em Bogotá, quando questionado pela AFP numa entrevista sobre os poucos mexicanos no elenco.

“Não acho que Gene Kelly tenha ido a Paris para fazer 'Um Americano em Paris'”, disse Del Toro em defesa do filme.

Outro defensor do filme é o crítico do jornal Milenio Álvaro Cueva. “Se os grandes mestres do cinema, como Federico Fellini e Luis Buñuel, estivessem vivos, esse é o tipo de filme que fariam”, resumiu, também gerando polémica.

Angie Orozco, uma investigadora do estado de Nuevo León, no norte do país, não se importa com o facto de ser um musical, mas pede que trate “com respeito” e com a “intenção de ajudar”.

“Espero que todo esse barulho possa ser aproveitado. Espero que deixemos o superficial e cheguemos ao fundo do que os desaparecimentos implicam. Precisamos olhar para esta crise”, disse ao Milenio.

O filme, rodado em França e ambientado no México, foi nomeado para 13 categorias do Oscar, tornando-se o filme de língua não inglesa mais nomeado de todos os tempos, bem como a 11 prémios Bafta (Reino Unido) e 12 prémios César (França).

Conquistou quatro Globos de Ouro em janeiro, incluindo o cobiçado prémio de melhor comédia ou musical.

Ganhou ainda o Prémio do Júri em Cannes e Gascón, Gómez, Saldana e a mexicana Adriana Paz levaram o prémio conjunto de melhor interpretação feminina.

As apostas na internet estão, na última semana, mostram uma ligeira queda nas possibilidades de "Emilia Pérez" na disputa pelo Oscar de Melhor Filme, agora lideradas por "O Brutalista".

*Com AFP