O número 2 da Calçada das Necessidades, em Lisboa, tem como vizinho da frente o Jardim do Palácio das Necessidades. É abraçado por casas apalaçadas, algumas transformadas em empreendimentos modernos de luxo. A paisagem urbanística em redor confere a esta rua ascendente de sentido único traços da aristocracia. Contudo, não é uma história de princesas que vamos contar. O imaginário do faz de conta dá lugar a personagens comuns e reais cujas vidas deslaçadas deixadas no passado são aqui retratadas.

Por trás daquela porta há um triângulo mágico onde mães solteiras, crianças e comida formam as peças de um puzzle chamado Casa de Proteção e Amparo de Santo António. Esta divide-se em três, a Casa dos Sabores permite que a Casa das Mães funcione e a Casa das Crianças que é creche aberta ao público, com 53 crianças.

A instituição nasceu para prestar ajuda à maternidade desprotegida, às mães que não ficaram ao lado dos pais dos filhos e às que - quase todas - fugiam de algo. No novo lar, encontram um refúgio e um trampolim para a reconstrução da vida. A realidade crua é descrita por Mafalda Simões Coelho, diretora-geral da Casa de Santo António, e Conceição Henriques, cozinheira na Casa dos Sabores e funcionária mais antiga da instituição. É o testemunho de quem gere, mas também de quem ali viveu e trabalha. Uma e outra não medem o peso às palavras, nem ensaiam discursos filtrados.

Ao contrário da comida que vendem para fora para financiar o bem que fazem, o conteúdo das histórias que partilham não é doce, pode provocar nós no estômago e a degustação pode levar a um assomo de indignação coletiva.

Três irmãos tornam-se a família de tantas mães

Mafalda Simões Coelho resume, ao SAPO24, a casa onde trabalha como sendo  “uma instituição de mães, preferencialmente adolescentes, e dos seus filhos”. A Casa de Proteção e Amparo de Santo António “foi criada devido a uma problemática que estava a acontecer e continua a acontecer. Em 1931, a maior parte das mães solteiras eram postas na rua pelos próprios pais, porque era um escândalo ou outras razões”, indicou.

A ideia, engendrada pelo diretor da Maternidade Alfredo da Costa, surgiu na altura de “dar alta” às mães. “Deparava-se com mães que não tinham para onde ir e pediam para ficar. Fez uma proposta a uma irmã, casada e sem filhos: "dou-te os clientes, tratas deles, ensina-las a serem mães. Esse senhor, por coincidência e sorte, meu avô (Pedro da Cunha), tinha um irmão pediatra. Estava montado o quadro e aconteceu”, resume.

A primeira morada foi na Rua Buenos Aires, em Lisboa. As freguesas aumentaram de tal modo que ficaram sem hipóteses de albergar mais mães solteiras o que obrigou mudarem-se para o sítio onde permanecem desde 1934. “Chegámos a ter 40 mães”, hoje ali vivem 15.

O voluntariado era a regra e aprendiam a desempenhar o papel que era esperado de uma mulher e de uma mãe na altura. “Vinham aqui senhoras ensiná-las a serem mães, a cozinhar - daí a Casa dos Sabores -, a bordar. Atividades e profissões que faziam todo o sentido porque as empregadas internas eram a profissão mais procurada”, lembrou.

Nessa altura ainda eram apenas três feiras que ajudavam a mudar a vida daquelas mulheres. “Era tudo muito caseiro e tivemos de profissionalizar. Hoje temos uma equipa formada, assistentes sociais, diretoras técnicas, psicólogas e ajudantes de ação direta”, sublinhou.

“Somos a instituição mais antiga e maior dentro da problemática de mães solteiras. E somos a primeira instituição, hoje em dia existem poucas, que tem alguma fonte de sustentabilidade, algum negócio, digamos, próprio: a Casa dos Sabores”, indicou. 

Ajudar sem substituir

Na Casa das Mães, “a prioridade máxima é ensinar a ser mãe. Ajudamos, mas não fazemos a vez de”, avisou Mafalda Simões Coelho. Ao contrário do que acontecia na génese do projeto, hoje em dia as mães já não cozinham. “A escolaridade mínima obrigatória” empurrou-as para “aulas normais”, explicou. “Estamos a falar de miúdas adolescentes, não querem ser cozinheiras. Querem ser manicures, cabeleireiras”.

“Achamos que, quem não tem apoio de retaguarda, dificilmente pode ser manicura ou cabeleireira, porque vamos às manicuras ao fim de semana, final do dia, e as mães têm que ir buscar as crianças”, explanou. Dessa forma, “enquanto cá estiverem, não permitimos que tenham um emprego até às nove da noite, única e exclusivamente, porque têm de estar e cuidar dos filhos”, defendeu.

Deixou bem claro um princípio a que não cedem, a Casa “não é um depósito." "Estamos a falar de miúdas e adolescentes" que como todos os adolescentes "se puderem não fazer, não fazem. E isto de ser mãe não é se puderem. Ser mãe, é 24 horas por dia, 365 dias por ano. Portanto, a maior parte dos trabalhos têm que ser obrigatoriamente no horário das nove às seis”, assinalou.

A idade de entrada das mães solteiras mudou. “Há 40 anos tínhamos mães de todas as idades. Depois optámos por adolescentes. É mais fácil trabalhar, menos vícios e estão mais disponíveis para aprender. E tínhamos de ter regras e as que são feitas para uma mãe de 15 anos, não são as mesmas para uma mãe de 27”, comparou.

Debruça-se sobre a idade, e não a identidade, de quem passou e passa pela casa.  “Deixámos de ter tão novinhas, tínhamos mães de 11 anos. Acho que desde a legalização do aborto, passámos a ter mães um bocadinho mais velhas”, apontou. Hoje, as mães vão “dos 15 aos 22 anos e aos 22, estão de saída”, balizou.

Se é vítima de violência doméstica ou conhece alguém que seja, as seguintes linhas de apoio podem ajudar

APAV | Associação Portuguesa de Apoio à Vítima

tel. 116 006 (telefonema gratuito, das 08h00 às 2h00)

Guarda Nacional Republicana (GNR)

A Plataforma SMS Segurança foi desenvolvida para dar resposta quer a pessoas surdas ou portadoras de deficiência auditiva como para situações de urgência em que o tradicional canal de voz não seja o mais adequado:  tel. 961 010 200

Centro de Saúde ou Hospital da zona de Residência (Portal da Saúde)

SNS 24 (808 24 24 24), disponível todos os dias, 24 horas por dia

Número Nacional de Socorro (112)

Linha Nacional de Emergência Social (tel. 144, disponível todos os dias, 24 horas por dia)

Linha da Segurança Social (tel. 300 502 502)

O pedido de licença de quem bate à porta vem do “país inteiro” e “PALOPs”. Por vezes “há transferência de instituição, porque o pai da criança, por exemplo, é violento e convém que a mãe se afaste. Aparecem a fugir de qualquer coisa”, aludiu.

“Tivemos aqui uma miúda, em que o pai da criança era o pai dela”

Mafalda Simões Coelho soma três décadas de casa. Folheia episódios de vidas passadas pela Casa de Santo António, muitas, felizmente, entretanto, (re)construídas.

“Temos aqui miúdas, crianças com traumas muito grandes. Já se tentaram matar, vêm com uma bagagem extremamente violenta, precisam de muito acompanhamento. Daí, o acompanhamento do psicólogo”, alertou, ao preparar o leitor para a viagem.

Linhas de apoio emocional e prevenção de suicídio

Caso tenha pensamentos suicidas ou conheça alguém que revela sinais de alarme, fale com o médico assistente. Se sentir que os impulsos estão fora de controlo, ligue 112.

Outros contactos:

SOS Voz Amiga
(diariamente, das 15h30 às 00h30)
213 544 545
912 802 669
963 524 660
direcao@sosvozamiga.org

Conversa Amiga
(diariamente, das 15 às 22h)
808 237 327
210 027 159

SOS Estudante
(diariamente, das 20 às 01h)
239 484 020

Voz de Apoio
(diariamente, das 21h às 24h)
225 506 070

Telefone da Amizade
(diariamente, das 16h às 23h)
228 323 535

Telefone da Esperança
(diariamente, das 20h às 23h)
222 080 707

Departamento de Psiquiatria de Braga
253 676 055

Escutar- Voz de apoio
225 506 070

SOS Telefone Amigo
239 721 010

A Nossa Âncora
219 105 750
219 105 755

Brochura do INEM
Ler aqui.

“Temos todo o tipo de situações e não são culpa delas. Não é acharem que serem mães é uma forma de prender o namorado. São muitas situações que, infelizmente, têm muito a ver com o desfasamento da vida familiar”, caracterizou.

Por entre os múltiplos casos que já lhe passaram e passam pelas mãos, garante. “São crianças que crescem rapidamente”. “E, já tivemos miúdas cujas mães estiveram cá”, confessa.

E entra em detalhes de casos complicados que ajudam a traçar um cenário de uma realidade que vivem. “Tivemos uma miúda em que o pai da criança era o pai dela”, largou, a seco. “Respondeu-me, um dia, que o amor mais bonito era o amor de pai. Nunca na vida me enganou, nunca me vai deixar na vida, dizia. Está a ver o que se passa nesta cabeça? Isto não é de antigamente. É dos dias de hoje”.

Uma realidade onde a preocupação causa estranheza. “Uma vez, perguntei a uma miúda como lhe tinha corrido o teste de matemática, olhou para mim com um ar de desconfiança e perguntou: como sabe que tive teste de matemática? Nunca ninguém me perguntou como foram as aulas, se comi bem, se estou bem-disposta, se tenho dor de cabeça. Nunca, ninguém”, disparou.

Os exemplos são muitos, e sucedem-se na conversa. “Há uns tempos, outra miúda disse-me: toda a vida dormi quando tive sono, nunca ninguém me acordou para ir às aulas, comi quando tive fome e sempre fiz o que me apeteceu. Como se reconstrói tudo isto?”, interrogou. “Hoje, é uma miúda e mãe fantástica, tem trabalho e a filha está muito bem encaminhada”, mostrando que há esperança.

As histórias contadas pelas próprias levam a diretora da Casa de Santo António a “pensar e a refletir”. Uma mãe assumiu o inesperado: “se não fosse o meu filho, não me tornava uma mulher. O filho desviou-a dos maus caminhos. Não quero dizer que seja correta a forma de pensar. Não, não é, porque o filho não pode servir para isso. Mas a realidade, é que a salvação dela foi o filho”, realçou.

Virou mais uma página. “Uma miúda, do Algarve, vinha grávida, estou a falar há dez anos, e não 50, foi mandada tomar duche e começou aos gritos, porque não sabia que havia uma torneira misturadora e queimou-se com a água quente”, narrou.

Por isso, “nas entrevistas de admissão, pergunto a frequência com que tomam banho. Para perceber de onde vêm, porque, por vezes, o que vejo escrito sobre elas, é tudo muito bonitinho, são fantásticas, são isto e aquilo e é tudo muito pior. A miséria, e quando falo de miséria não é só financeira, a degradação, é horrível”, descreveu.

CASA SANTO ANTÓNIO
CASA SANTO ANTÓNIO créditos: Casa de Proteção e Amparo de Santo António

“Ensinar-lhes que têm que brincar com os filhos, contar histórias”

“Há miúdas que não sabem dar banho a uma criança, ou aquelas coisas básicas de dar almoço, jantar e horários. Isto é todo o trabalho que se faz na casa”, explicou.

Os exemplos da dura realidade continuam a sair. “No ano passado, num dia bonito, disse a uma miúda para jogar à bola no jardim com o filho de 3 anos. Virou-se e disse: não sei jogar bola. Nunca ninguém me ensinou”, suspirou.

Não jogam, nem brincam, mas “têm um sentimento de posse brutal sobre a criança. É meu”, imitou. “Numa entrevista a uma mãe com 11 anos, perguntaram-lhe o que gostava mais de fazer com a filha. Respondeu: vestir e despir. É a história da primeira boneca, é minha e faço dela o que quero. O primeiro brinquedo”, comparou.

Os filhos servem também para alimentar a autoestima. “Muitas mães dizem sentir-se importantíssimas, porque olham para ela, para o filho e no autocarro toda a gente se levanta. Antes, ninguém olhava sequer para a cara dela”, constatou.

Introduz na narrativa a grande bandeira da Casa das Mães. “É ensinar crianças a serem mães. Ensinar a dar amor a quem nunca recebeu. É muito difícil”, exclamou. “Ensinar-lhes que têm que brincar com os filhos, contar histórias, apesar de nunca ninguém lhes ter contado uma história da vida, nem se sentou a ler”, revisitou.

No processo educacional, “demos-lhe muitas coisas, apesar de serem novas e não concordarem com muitas regras. Se até aos quinze anos teve uma educação, não é em dois ou três anos aqui que vai ter outra, mas há muita coisa que fica” admitiu.

“A entrada era imponente, parecia um castelo”. A história de Conceição Henriques

Apesar da narração sombria de histórias de vida, há vidas transformadas em histórias de sucesso. “Em dezembro, saiu daqui uma mãe, conseguiu alugar uma casa aqui em baixo, trabalha aqui em baixo, num pronto a comer e está feliz e contente”, contou.

Houve também quem saísse para longe, mas não esquecesse a passagem pela Calçada das Necessidades, número 2. “Uma mãe foi para Inglaterra, organizou a vida, casou, e veio cá para saber como poderia dar um donativo. É retribuir aquilo que receberam”.

Conceição Henriques, ilustra o episódio de alguém que contrariou o destino que a vida lhe parecia reservar. Passou três anos na Casa de Santo António, saiu, refez a vida e permaneceu umbilicalmente ligada à Casa. Conta o que viveu. Do dia de entrada na Casa das Mães à permanência de quase quatro décadas na Casa dos Sabores.

“Entrei aos 27 anos com uma barriga de 7 meses. Já não era adolescente. Vim da Covilhã, da Serra da Estrela, de uma aldeia (hoje Vila) chamada Paul. Vim por aí abaixo, indicada pela assistente social e pela Segurança Social”, avançou.

Transportava na barriga Rodrigo. Bem longe da vista e do coração, ficou a filha, Filipa, entregue aos pais de quem recebeu apoio incondicional.

“Há quase 40 anos, nas aldeias, tinha de esconder um bocadinho, é diferente. O vir para aqui, não era por não ter família”, fundamentou. “Na altura, estar grávida, não era assim propriamente uma coisa bonita de se ver. E o pai da Filipa não é o mesmo do Rodrigo. Daí ter que esconder, não é”, justificou.

Faz marcha-atrás. “Tenho muito presente a minha entrada nesta casa. A entrada era imponente, parecia um castelo. Cheguei antes de almoço, a 6 de dezembro de 1990. Estava um dia de sol, mas frio, toquei à campainha. Fui muito bem recebida por uma irmã”, recriou. “Fui para a cozinha, era novinha em folha, tinha acabado de abrir. Fiquei apaixonada, a sério”, admitiu Conceição Henriques, 61 anos.

Para lá do portão, não se estreou a ler páginas de um Manual para ser mãe. “Aos 27 anos, já sabia. Mas, pronto, ensinaram-me muita coisa, vinha da aldeiazinha, tinha idade, mas não tinha vivência nenhuma. Nada”, reconheceu.

Sentiu, e muito, o choque da mudança. “Custou-me muito deixar a minha filha de 3 anos. Foi o que mais me custou, foi um bocadinho horrível. À noite então, naquela capela, chorei, chorei”, confessou. Encurtava distâncias pelo ouvido. “Ligava-lhe todas as noites. Gastava um conto de reis, cinco euros. A irmã abria-me a porta, ficava comigo toda derretida a ouvir-me”, desvendou.

“Fiquei três anos, até aos 30, consegui organizar a minha vida sozinha. Entretanto, a minha mãe morre e trouxe a minha filha para cá”.

Mudou de teto. “Encontrei uma casa no Rato, São Mamede, umas águas-furtadas, sem elevador. A escola dos meus filhos era ali e organizei-me. Na altura, em 1994, pagava 300 euros, 60 contos, de renda de casa. Veja a comparação para hoje. Não é só agora que são caras, na altura também eram”, alertou.

Dá novo passo. “Comprei a minha casa na Amadora. Passei a pagar 44 contos, 220 euros”, indicou. As novidades continuaram. “Aos 40 anos tive o Tomás, uma loucura, mas foi o melhor que fiz. Um rapaz com 21 anos e é a coisa mais linda deste mundo”, elogiou.

“O Tomás é do meu casamento”, fruto de um laço dado com quem tinha laços. “Na altura, era fornecedor e vinha trazer as encomendas. Acertei à última, à terceira. Foi de vez. Já viu?”, sorriu, feliz.

Mãe de “três filhos bem-dispostos”, olha para o que construiu e sente-se “muito” realizada. Não tem dúvidas sobre palavra que melhor define a Casa de Santo António. “Acho, não, tenho certeza. Amor”, soletrou Conceição Henriques.

Mafalda Simões Coelho, interrompeu. “A Conceição deixou uma filha para trás, entrou com barriga de 7 meses, almoçou, e a seguir estava a lavar a louça e, isso, nesta casa, significa lavar tachos que pesam quase tanto quanto ela”, pesou.

“Dedicou-se de corpo e alma a esta casa, fazíamos batizados e a Conceição, muitas vezes, trazia os filhos que ficavam a dormir no carro de uma colega para fazer o serviço para ganhar mais uns extras”, mencionou. A Casa de Santo António “faz parte da vida dela. É uma extensão do corpo”, complementou.

“Enquanto esteve aqui a viver, recebia uma gratificação, não era um ordenado, e uma pessoa que recebe uma gratificação e consegue sair para comprar uma casa, continuar aqui a trabalhar, ir em frente com a vida dela, só pode ser uma pessoa extraordinária”, reforça a diretora da Casa de Santo António.

O esforço sobrehumano de Conceição é lembrado, pela diretora. “Não me posso esquecer, aos sábados, o horário dela é trabalhar até à uma, quantas vezes voltava às quatro da tarde para servir um jantar até à meia-noite e isto com duas crianças pequenas”.

Mede o discurso. “A Conceição tem um amor à casa que outras não têm. Há quem tenha aqui um trabalho, emprego. A Conceição tem muito mais que isso, tem um lar. O segundo lar, e não o primeiro, mas foi o primeiro lar dela”, concluiu.

CASA SANTO ANTÓNIO
CASA SANTO ANTÓNIO créditos: Casa de Proteção e Amparo de Santo António

Uma só miúda vale a pena e o esforço 

Fechado o capítulo sobre quem faz o famoso bacalhau que é um sucesso nas vendas para fora, Mafalda Simões Coelho voltou a servir o ingrediente que nos levou até à Casa de Santo António e à Casa das Mães.

“No fundo, estas miúdas, às vezes, quem olha, são iguais a todas nós, aos nossos filhos. Mas são iguais, aparentemente, por fora. Agora, por dentro...”, chamou a atenção.

“Tivemos o voluntariado a apadrinhar mães e crianças. E, uma vez, uma das mães disse o que sentia: mais uma pessoa para gostar e depois largar-me. Ou seja, estas miúdas têm um sentimento de abandono muito grande”, destacou.

Vira mais uma página do conto que não é de fadas. “Uma mãe saiu desta casa há 17 anos. Estivemos (este mês) à conversa, está com um problema gravíssimo com o filho que está a ir por maus caminhos. Disse-lhe o que devia fazer e não fazer e, às tantas, disse que se calhar não a tinha ajudado muito”. Engano puro. “Pelo contrário, a senhora ajudou-me, ouviu-me”, respondeu.

“Mantém-se esse afeto, essa ligação, elas têm esse reconhecimento. Aliás, uma das coisas que muitas delas dizem, toda a gente fechou-nos as portas na altura, menos vocês. Portanto, isto é uma coisa que está muito marcada na vida delas”, registou.

“Quando  saem desta casa, durante os primeiros tempos, passam cá a vida. Sei que também é uma fase, um desmame”, realçou, com sentimento de dever cumprido.

“Continuamos a fazer o IRS delas, pedem-nos ajuda, mas agora já digo, que as ensino e terão de fazê-lo no ano seguinte, sozinhas, embora não enviem sem antes o ver. Mostram-nos os contratos de trabalho e digo, sim senhor, pode assinar”, comentou.

“No fundo, é uma aprendizagem, como fazemos com os nossos filhos, primeiro andam de mão dada connosco, aprendem a andar e depois andam sozinhos”, equiparou.

A conversa caminha para o fim. E a Casa de Amparo de Santo António caminha a passos largos para a celebração do centenário. “Enquanto tiver aqui uma só miúda que valha a pena todo o esforço, esta casa vai continuar. Vai continuar”, garantiu

E no dia em que eu, ou alguém, disser, esta casa não está a fazer sentido, não está a ajudar ninguém, então, fechem-se as portas. E mantém-se a Casa dos Sabores”, rematou.