Francisco Valente Gonçalves sempre gostou de observar pessoas, de perceber os olhar para os seus comportamentos e padrões.

“Na minha primeira aula de psicologia, ainda no secundário, terminei e pensei: isto que gostei tanto, afinal é psicologia”, conta-nos Francisco.

Movido por esta paixão, Francisco tornou-se psicólogo em 2010.

Em 2017, quando vivia no estrangeiro deparou-se com um problema pessoal: era difícil encontrar um psicólogo com quem se identificasse num país que não era o seu. Juntou-se a Carolina Oliveira Borges, também psicóloga e colega numa consultora estratégica no Reino Unido e juntos criaram a RUMO, uma plataforma dedicada à saúde mental.

O Roomie

Roomie é o filho da RUMO e está em testes desde Junho do ano passado.

Em 2016/2017, Francisco fez um doutoramento na Universidade de Leicester, uma das convidadas para testar as primeiras versões do GPT. Foi ali que deu os primeiros passos no mundo da tecnologia, desenvolvendo uma ferramenta para ajudar juízes na tomada de decisão em casos criminais.

“Sempre brincámos com tecnologia,” diz Francisco. Mas em 2022, decidiram levar essa brincadeira a sério e explorar o impacto da tecnologia na saúde mental. Criaram um projeto de investigação que envolve pacientes reais e profissionais da equipa. E foi assim que nasceu o Roomie.

O que é o Roomie?

Roomie vem de “roommate” – é um amigo, um parceiro. Também remete a Rumi, um poeta persa que escrevia sobre as emoções, a consciência e a humanidade.

Na prática, é um chatbot que complementa o trabalho de psicólogos e psiquiatras. Substitui humanos? A resposta é: Não.

“O humano continua a ser humano. O Roomie foi projetado para ser empático e eficiente, mas nunca para substituir o processo terapêutico entre duas pessoas”, garante Francisco.

Como funciona?

O Roomie quer ser um apoio nas consultas. Quer ajudar a gerar novas hipóteses de reflexão e oferece informação complementar sobre especificidades do paciente.

No futuro e numa fase em que o paciente já não esteja a ser acompanhado por um técnico, pretende-se que possa fazer perguntas ao Roomie em momentos de bloqueio. O objetivo dos fundadores continua a ser a missão de qualquer psicólogo:  preparar as pessoas para enfrentarem a vida de uma forma independente sem ficarem cativos de um especialista.

É possível usar apenas o chatbot sem ir a uma consulta?

Aqui entra a ideia da “corresponsabilidade”: o psicólogo e o paciente têm de trabalhar juntos para o tratamento resultar e por isso, o chatbot não é suficiente.

“Se um paciente decidir usar apenas uma ferramenta artificial, há limitações claras,” sublinha Francisco.

Qual é a diferença entre o Roomie e outros chatbots?

Ao contrário de outros chatbots, o Roomie foi criado exclusivamente para ser utilizado para a saúde mental. E para isso, baseia-se em dois tipos de informação:

  • Objetiva: manuais de psicologia, papers científicos e diretrizes de entidades como a American Psychological Association.
  • Subjetiva: interações entre profissionais, supervisão de casos e dados filtrados de consultas reais.

O Rommie é imparcial nas decisões?

“Sim, é adaptável”, garante o criador do Roomie.

O Roomie, consegue adaptar a abordagem que a pessoa que o utilize deseje, desde abordagens mais tradicionais, como a psicanalítica/psicodinâmica, CBT, humanista, até abordagens mais diferenciadas como a Gestalt, existencialista, decolonial, entre outras.

“Nem todos os chatbots conseguem fazer isso. Mas sabemos como modelar o Roomie para diferentes contextos,” explica Francisco.

Em relação à proteção de dados, Francisco assume a responsabilidade, no entanto, aponta para limitações universais.

“Nenhuma empresa pode garantir 100% de segurança. O que fazemos é mitigar riscos e ser transparentes ao máximo”, realça o psicólogo.

Os obstáculos

Um dos maiores desafios é a falta de conhecimento sobre IA na área da saúde mental. Muitos ainda imaginam um robô ao lado do divã, o que, segundo o criador, “não é nada disso”.

Outro problema é a velocidade da inovação. As candidaturas a financiamento demoram um ano a ser aprovadas, e com a velocidade com que está a evoluir a indústria, em dois meses já surgiram novas tecnologias. Ou seja, qualquer invenção corre o risco de ser ultrapassada, se não arranjar financiamento a tempo.

O negócio do Roomie

O projeto tem sido financiado de duas formas: investimento interno (lucro reinvestido) e candidaturas a financiamentos. O negócio em si para já ainda não existe. O foco da criação da Roomie é a acessibilidade no tratamento.

Por esta razão, nos primeiros tempos, a ferramenta vai ser gratuita e vai apenas complementar o trabalho da equipa da Rumo – de onde vêm as receitas da empresa.

No entanto, a startup de saúde mental espera que novos investidores privados surjam até ao final do ano. Com esse financiamento, está prevista a criação de agentes virtuais personalizados para diferente organizações ou grupos, criando assim uma nova linha de negócio.

Próximos passos

O Roomie deverá passar na fase de testes até ao final do ano, altura em que a ferramenta deverá estar disponível para uso.

Num caminho ideal, é esperado que o Roomie possa ser capaz de:

  •  Testar indicadores de risco, como a ideação suicida.
  • Ajudar psicólogos a refletir sobre dados, sem dar diagnósticos.
  • Simular pacientes para treinar novos profissionais: “Um estagiário pode ser exposto a um caso de esquizofrenia, antes de correr o risco de prejudicar um paciente real”, exemplifica o criador do Roomie.

Usar IA em saúde mental?

O fundador da Rumo acredita que talvez em 5, 10 ou 50 anos seja uma realidade inevitável. É uma relação que está apenas a começar.

“Uma criança de 5 anos já vive metade da sua vida rodeada por IA. Dentro de 10 anos, esse contacto será ainda mais natural. O grande desafio de hoje – explicar o impacto da IA – pode deixar de existir. Mas continuarão a existir questões éticas e desafios constantes”, conclui Francisco Valente Gonçalves.