Uma espécie de love story. Pode dizer-se isso sobre a relação entre a startup alemã dos colchões, Emma, e Portugal. Os mercados da Europa do Sul são liderados por uma portuguesa, Filipa Guimarães, duas das fábricas que produzem colchões para todo o mundo estão localizadas em Portugal, na região de Ovar, e o segundo escritório da empresa – a seguir ao da sede, em Frankfurt – é em Lisboa e vai ter uma equipa de cerca de 120 pessoas.
Revolucionar o mercado de colchões em seis anos - De uma startup numas águas furtadas para uma empresa que faturou, em 2020, mais de 400 milhões de euros, parece que foi um estalar de dedos. Aliás, toda a história da Emma bate certo com a narrativa associada às startup: nascer pequena, crescer com recursos reduzidos, encontrar um produto estrela e ver as vendas a disparar (e a equipa a crescer e o investimento a entrar). É quase tudo verdade, menos a parte em que se tende a associar também esta narrativa a uma ideia de facilidade – raramente, para não dizer nunca.
Os dois fundadores da Emma – Dennis Schmoltzi e Manuel Muller – conheciam bem o mercado dos colchões, mas não começaram por inovar no produto, mas sim na forma de o vender. Tinham uma loja multimarca, um site e queriam revolucionar o mercado conquistando clientes para a venda online. Para os mais céticos, que não prescindiam de ver e experimentar os colchões, havia uma loja nos subúrbios de Frankfurt. A Emma convivia com os outros colchões e, diz Filipa Guimarães, “foi durante muito tempo uma marca pequenina e residual”.
O tempo, como sabemos, é relativo, porque na verdade a pequena marca “de teste” que era a Emma começou a crescer bastante rápido e acabou por “engolir” as outras que a empresa vendia. Cresceu tanto e tornou-se de tal forma um sucesso que a empresa passou a responder pelo mesmo nome. “Não há nenhuma história engraçada ou razão de marketing para ser Emma, foi apenas porque é um nome curto e facilmente entendível em vários mercados”, explica a diretora para Portugal e sul da Europa.
Como vender colchões online - O que provocou esse sucesso que conduziu a vendas já superiores, em cerca de seis anos, a três milhões de colchões em vários pontos do globo, da Alemanha às Filipinas, de Portugal à China? Provavelmente foi a soma de vários fatores: uma forma mais conveniente de comprar um produto que é uma escolha duradoura (ninguém pensa trocar de colchões todos os meses ou mesmo anos), um marketing e serviço ao cliente eficaz e inteligente (que deu todas as garantias a quem comprava de poder trocar em caso de erro na escolha) e uma geração entre os 35 e os 45 anos que estava pronta para comprar online, tinha poder de compra e valorizava o tempo que (não) gastava a ir experimentar colchões e a comodidade de receber o produto numa embalagem de dimensões elegantes em vez da tradicional entrega de um volume que não cabe em lugar nenhum antes de se colocar na cama.
Claro que também houve inovação no produto. A Emma criou um colchão em que conseguiu reunir as características necessárias para que pudesse proporcionar uma boa noite de sono a quem tem um sono inquieto e pesa 90 quilos e a quem gosta de se aninhar na mesma posição e pesa metade. “Temos um colchão que gostamos de dizer que é para todo o tipo de corpo, todas as posições de dormir, é um colchão one size fits all”, diz Filipa. One size fits all é, como sabemos, um conceito que os marketeers adoram e quando acertam são correspondidos pelos consumidores e gera um sucesso de vendas. Foi assim com os colchões da Emma.
No que respeita ao serviço ao cliente, cumprir a promessa foi determinante. “Sim, as pessoas devolvem colchões, muitas vezes pela razão mais óbvia que é enganarem-se nas medidas”, conta a gestora.
À medida que foram entrando em novos mercados – a Emma está hoje presente em 35 países – a empresa foi percebendo que não só não se dorme da mesma maneira na mesma casa, como os hábitos de sono são diferentes de país para país. Mais do que isso, foi tendo evidências da necessidade de adaptação dos produtos aos novos mercados. Como aconteceu na China. “Nós enviávamos os colchões de Frankfurt para a China que é uma viagem longa. Quando os colchões chegavam ao armazém, as embalagens estavam danificadas muitas vezes ou amarrotadas e decidimos que quando assim era substituíamos as embalagens localmente, até porque parte do nosso conceito é também ter um packaging bonito e eficiente”, conta Filipa. Só que não correu bem. “Os consumidores chineses compravam-nos os colchões confiantes na qualidade de uma marca alemã, em produção que vinha da Alemanha e quando viam as caixas direitinhas, sem amolgadelas, questionavam-se se o colchão teria vindo mesmo da Alemanha. E assim deixámos de mudar as embalagens e passámos a entregar o produto como chegava saído do avião”.
Portugal na rota do crescimento - A Emma entrou em Portugal em 2017, mas só abriu escritórios localmente em janeiro de 2021 quando a empresa precisou de contratar mais pessoas – e já são hoje 782 pessoas. “Um dos grandes problemas que estávamos a ter era em termos de velocidade de recrutamento, porque na Alemanha entre alguém se despedir e poder entrar noutra empresa pode demorar de 4 a 6 meses”, contextualiza Filipa Guimarães. “Estávamos a deixar de entrar em novos países porque não tínhamos recursos, o que era uma pena porque a oportunidade estava ali e são momentos decisivos”.
Partiram à procura de um local para ter um novo escritório que permitisse recrutar talento de uma forma rápida, que no máximo de dois meses permitisse ter as pessoas na equipa. Avaliaram Portugal e Espanha, “mas sendo eu portuguesa era uma decisão fácil”, brinca a gestora.
Que lugar é que a Emma quer ocupar no mercado internacional? Uma coisa é certa, nas palavras de Filipa Guimarães, “nós não vamos vender colchões o resto da vida”. É por isso que se designam como uma sleep tech, ou seja, uma empresa que usa tecnologia para um melhor sono ou descanso e que é uma especialista na área. “Nós já temos muita tecnologia nos materiais que usamos nos nossos colchões”, explica, mas a ideia é ir mais longe. Para isso, a startup criou uma equipa de investigação e desenvolvimento liderada por uma neurocientista e tem um laboratório de testes a novos produtos, sejam lâmpadas que ajudam a despertar ou a criar condições favoráveis ao sono, seja colchões que usam inteligência artificial e que memorizam movimentos e posições.
Para desenvolver novas ideias, a Emma lançou este verão um hub de inovação designado Innovation Sleep Acelerator que vai selecionar as melhores propostas de novos produtos, premiá-las mediante uma bolsa de investimento de 250 mil euros e convidar os autores a desenvolverem os conceitos em parceria com a marca.
Em Portugal, mercado onde a empresa tem crescido 300% ao ano, trabalha uma equipa de 120 pessoas, oriunda de vários países e que vai ser um dos backups do crescimento da empresa. Longe vão os tempos em que Filipa Guimarães criou uma segunda identidade, a Sofia Lopes, com quem dividia os desafios de criar uma equipa de raiz, responder a clientes, negociar com distribuidores e reunir com a gestão na Alemanha.
Quem é a CEO da Emma para Portugal e sul da Europa
Filipa Guimarães não vem do marketing, nem da gestão, mas sim de psicologia, curso que realizou no ISPA, em Lisboa. E foi essa a porta de entrada no universo das empresas, tendo começado por uma tese na área da psicologia aplicada ao comportamento do consumidor que a levou a estudar o poder sugestivo das marcas na decisão de compra.
Foi trabalhar para França – considera hoje o francês a sua segunda língua – e é aí que integra a Smartbox onde começou como product manager na categoria de ”bem estar e SPA” e ao fim de três anos é convidada a implementar o conceito “Experience in a box” em Portugal. Depois da Smartbox trabalhou na Groupon de onde saiu para integrar uma das primeiras startups portuguesas, à luz do conceito atual, a Uniplaces.
Agora é uma das 782 pessoas que trabalham para a Emma. Começou com a missão de vender “bed in a box”, mas o futuro é fazer da marca que começou nos colchões uma referência na tecnologia do sono.
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