O jurista da CMS Portugal João Leitão Figueiredo considera, em entrevista à Lusa, que irá assistir-se uma utilização "muito profissionalizada" das redes sociais e é importante a Europa ter uma posição harmonizada e menos permeável à influência externa.

"Vamos entrar numa nova era da forma como nós utilizamos" as redes sociais, afirma o advogado da CMS Portugal, quando questionado sobre o atual contexto das redes sociais, com a Meta, dona do Facebook, WhatsApp e Instagram, a deixar de fazer 'fact-cheking' nos Estados Unidos e as recentes acusações sobre manipulação dos algoritmos do X de Elon Musk.

"Aliás, basta ver esta proximidade entre [Donald] Trump e Musk. Há uma noção muito clara de que este tipo de ferramentas - e a união deles não tem apenas a ver com a eficiência dos serviços nos Estados Unidos ou o objetivo de chegar a Marte - tem a ver também, e diria que primordialmente, com o acesso a determinado tipo de algoritmos", explana o jurista.

Ou seja, as plataformas X (ex-Twitter), Meta, Tiktok.

"Acho que vamos começar a assistir a uma utilização muito profissionalizada destas ferramentas", prevê João Leitão Figueiredo.

"E depois, com a baixa literacia digital que grande parte da população mundial tem, vai existir uma cada vez mais significativa incapacidade de compreender o que é a informação do que é a desinformação", adverte.

Referindo não querer utilizar a expressão 'fake news' por achar que é "muito associada a Trump e às notícias plantadas", alerta que "aqueles pequenos desvios que são fáceis de criar na mente das pessoas, através de publicações massivas, de informação não exata ou falsa, vão crescer".

"É isso que temos vindo a assistir e é tradicional de, se assim posso dizer, líderes mais carismáticos ou de líderes em que a sua presença é mais sentida em constância", caracteriza.

"Vemos isto na questão da Rússia, temos acompanhado mais recentemente também nos Estados Unidos, em que este novo Presidente claramente recorre a estas ferramentas de forma muito mais eficaz e eficiente", prossegue o advogado.

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Na Europa, há legislação para combater a desinformação e a manipulação dos algoritmos: "Temos os meios e as ferramentas para o fazer, faltará talvez um pouco de coragem política para ir mais longe", considera.

"Quando eu digo coragem política é no sentido de verdadeiramente capacitar, quer com os meios humanos, quer com os meios financeiros, as autoridades para fazer investigações adequadas a este tipo de práticas", aponta João Leitão Figueiredo.

Os Estados Unidos são "um país em que a própria legislação e a linha política, jurídica, é mais flutuante ou pelo menos menos rígida".

Europa tem que ter "uma posição própria e não servir nesta contenda que vemos muito como sendo Estados Unidos-China"

Nesse sentido, "vejo com preocupação porque não antevejo que vá haver uma grande alteração, legislativamente. Pelo contrário, vai haver um aliviar, vai haver uma aproximação do setor político a estas entidades e, em particular, aos proprietários das empresas que têm este tipo de ferramenta. E acho que isso vai funcionar um bocadinho contra nós", refere.

Por isso, o que "era importante, do ponto de vista dos europeus, é termos uma posição europeia harmonizada, sólida e com base naquilo que é a nossa legislação, o nosso ordenamento jurídico, e que não continuemos a ser demasiado permeáveis àquilo que é a influência externa".

Acima de tudo, "poderíamos estar a assistir aqui à criação" de três blocos em que a Europa tem que ter "uma posição própria e não servir, de alguma forma, um lado ou outro nesta contenda que vemos muito como sendo Estados Unidos-China", conclui João Leitão Figueiredo.

"Eu acho, e esta é a minha opinião e já tenho vindo a expressá-la de há uns anos para cá, que a União Europeia tem sobrerregulado", afirma o jurista quando questionado sobre as incertezas que se colocam face às redes sociais, depois de a Meta ter anunciado que iria deixar de fazer 'fact-cheking' nos Estados Unidos.

"Atualmente temos legislação específica para praticamente todas as matérias relacionadas com a tecnologia", desde a informação, acesso à informação, tratamento da mesma, salienta o jurista.

"Diria que já temos pelo menos as bases para disciplinar aquilo que são as condutas das empresas de 'big tech'" e "faz-me pouco sentido hiperregular, sendo que já estamos numa fase de sobrerregulação", pelo que "acho que o que está aqui em causa é acima de tudo uma questão política", argumenta o jurista.

O centro do mundo "há muitos anos não é a Europa", mas dados dos europeus continuam a ser os que têm mais valor

João Leitão Figueiredo salienta que, pela primeira vez, a União Europeia (UE), ou os países europeus, estão "muito longe dos centros de decisão".

O centro do mundo "já há muitos anos não é a Europa, mas neste momento já ignora muito o que é a Europa. O único ativo que nós temos são os dados pessoais dos europeus, continuamos a ser um bloco de primeiro mundo com muita informação que é apetitosa para entidades americanas e entidades chinesas", diz.

"O que vemos aqui, que foi iniciado pelo Trump no seu primeiro mandato - houve uma abordagem jurídica, metodológica, política diferente com o Biden e voltamos atrás -" e "foi uma das primeiras coisas que ele anunciou", diz respeito à "estratégia de controlar as redes sociais", aponta.

Para já "não vejo que a Europa necessite" de mais legislação, tendo em conta que existe o regulamento dos serviços digitais (DSA), "que já nos permite responsabilizar estas plataformas", salienta o jurista.

"Estamos à procura de outras plataformas alternativas. Eu acho que aqui a questão também é a guerra (...) pela ocupação do espaço que é atualmente ocupado pelo TikTok, será que vai continuar a ser chinês e sair por inteiro do mercado americano", questiona.

"Será que a Europa vai seguir o caminho, um pouco à semelhança do que fez com a Huawei? Com argumentos maioritariamente políticos, mais até do que técnicos ou jurídicos, eu acho que é acima de tudo essa dúvida", prossegue o advogado especialista nesta área.

Aliás, a Huawei "foi qualificada pelos Estados Unidos como a empresa mais perigosa quando depois de tudo aquilo que foi falado, discutido e investigado, que seja do meu conhecimento, nunca foi identificado nenhum elemento, o 'silver bullet' nunca foi identificado, o que nos leva a concluir que isto é mais uma guerra" comercial, explicou.

Nos Estados Unidos "temos um momento de grande imprevisibilidade. Eu não vejo, nesta postura mais comercial das negociações políticas do Presidente dos Estados Unidos grande fundamento jurídico para muitas das coisas que estão a ser feitas".

O que vai acontecer ao TikTok?

Aliás, "esta mera suspensão dos 75 dias [sobre o TikTok]" de que "veria com bons olhos" a sua compra nos Estados Unidos "pelo Elon Musk ou pelo Larry Ellison, o dono da Oracle, demonstra bem ao que ele vem", considera.

"É um ativo importante, valioso, que lhes permite trabalhar de forma mais adequada determinado tipo de informação", acrescenta o jurista, referindo que há quem aponte que o algoritmo do TikTok "é mais eficiente" do que os das entidades norte-americanas e que "pode ser uma vantagem competitiva afastá-lo" do alegado controlo chinês.

Apesar da 'mudança de planos' da Meta nos Estados Unidos, as redes sociais vão ter de cumprir a legislação europeia.

"O que muda é o lado lá do Atlântico, não tanto o lado cá, que poderá é ser pressionado a seguir uma linha mais próxima ao dos Estados Unidos", diz o jurista.

João Leitão Figueiredo não vê grande preocupação do ponto de vista da legislação europeia.

Em Portugal, considera que há "fragilidades" ao nível "da inspeção e validação daquilo que é suposto fazer cumprir nos termos da legislação europeia".

Agora, "será que temos também a capacidade técnica para ir tão longe? Porque a maior parte das questões que são invocadas têm a ver com a possibilidade de controlo de cidadãos europeus, a possibilidade de partilhar informações de cariz pessoal com o governo chinês, ou, como em tempos se discutiu, mesmo com as empresas americanas, a partilha dessa informação com as autoridades americanas", refere.

"Acho que nós já temos a informação e temos algumas instituições europeias a trabalhar para combater práticas que não são lícitas" e existe "um conjunto significativo de sanções aplicadas a algumas empresas pela violação da legislação da União Europeia", diz.

O que não quer dizer "que não possamos fazer muito mais e muito melhor, ainda que exista, segundo me parece, uma certa inércia das entidades portuguesas neste aspeto", considera.

Outros países com outro tipo de entidades "têm sido bastante mais enérgicos e intensos no combate a determinado tipo de práticas que são qualificadas como ilícitas".

Coragem política

Defende "coragem política para implementar determinado tipo de políticas que sejam (...) mais efetivas no combate aos desvios comportamentais ou comerciais destas entidades", dando o exemplo de Portugal no âmbito da proteção de dados.

"A nossa autoridade continua bastante frágil, quer seja no aspeto da inspeção, monitorização e aplicação de sanções. Quando contrapomos, por exemplo, com a Espanha, a diferença é gritante", aponta.

Portugal "acaba por ser um bocadinho, ou poder se transformar como um porto seguro para as entidades que não cumprem, por contraponto a países como a Irlanda, França e, em particular, a Espanha, em que existe, objetivamente, a capacidade de investigar e aplicar sanções", em que "tivemos dois, três processos" por violação de dados.

"É conhecido publicamente que existem inúmeras situações de violação de dados, mas não há, aparentemente, decisões finais no âmbito desses processos, ao passo que em Espanha muito rapidamente temos acesso à decisão final", sublinha.

Portanto, "cada vez que nós legislamos e tentamos criar um quadro regulatório que garanta os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos europeus e dos residentes da União Europeia, mas depois não temos entidades devidamente capacitadas - quando digo isto não tem a ver com a falta de capacidade técnica -, mas muitas vezes é falta de meios humanos e de meios financeiros para exercer condignamente as suas funções", adverte.

Isto "prejudica o cidadão europeu, em particular o cidadão português, porque salvo raras honrosas exceções, todos estes 'players' do mercado internacional, nenhum deles é europeu", mas dos Estados Unidos e da China, remata.