
No dia do apagão elétrico que deixou Portugal às escuras, um laboratório da Universidade de Coimbra manteve-se aceso — e não foi por acaso.
Alexandre Matias Correia, estudante do mestrado em Engenharia Eletrotécnica, desenvolveu uma “micro-rede elétrica resiliente”, capaz de operar de forma autónoma e garantir energia em situações extremas.
“Foi glorioso para mim”, recorda o investigador, entre risos.
Estava em casa no momento do apagão e lembrou-se de ir verificar se a rede que tem vindo a desenvolver funcionava.
“Foi um timing incrível, porque já estamos na fase final — ou seja, a micro-rede já está toda implementada. Infelizmente, nesse dia, devido a um erro humano, a rede não se ligou automaticamente como era suposto, e tive de ir lá corrigir tudo à pressa.”
O momento foi de máxima pressão: a micro-rede estava instalada na garagem do edifício, onde várias pessoas tentavam sair para regressar a casa. Como o portão é elétrico, estavam todas dependentes do sistema criado por Alexandre para conseguir abrir a garagem.
“Tinha ali uma trupe de 15 professores de engenharia eletrotécnica, doutorados, precisamente a avaliar a aplicabilidade da minha tese. Quando aquilo finalmente ligou, estava a suar — parecia que estava a fazer uma cirurgia a coração aberto. Disse logo aos professores: a minha defesa de tese foi hoje”, relata o estudante.
O que é uma micro-rede?
Uma micro-rede elétrica é um sistema capaz de gerar, armazenar e distribuir eletricidade de forma autónoma, sem depender da rede pública.
É constituída por diferentes componentes, como painéis fotovoltaicos, baterias e, em alguns casos, geradores a diesel. O segredo está na capacidade de gerir estes recursos de forma inteligente, mantendo uma frequência de 50 Hz — a mesma da rede pública — e garantindo estabilidade.
“Uma micro-rede é uma aglutinação de vários sistemas que permite funcionar autonomamente”, explica o investigador.
O que distingue a micro-rede desenvolvida em Coimbra de outras soluções no mercado é a resiliência.
“Mesmo perdendo alguns sistemas ou cabos de distribuição, ela mantém-se a funcionar. Só um desastre muito catastrófico, que destruísse fisicamente todos os componentes, a pararia”, garante Alexandre Matias Correia.
Para que serve uma micro-rede?
Para além de garantir eletricidade em situações de emergência, as micro-redes oferecem vantagens no dia a dia:
- Economicamente vantajosas: permite carregar baterias em horas de eletricidade mais baratas e até vender energia excedente durante o dia. “Traz um benefício económico à instalação e dá-nos flexibilidade na forma como usamos a eletricidade”, resume o investigador.
- Assegura a energia nos equipamentos mais críticos: os data centers, sistemas de refrigeração ou as comunicações de emergência continuam a funcionar. “Desenvolvemos um algoritmo que reage à gravidade da falha, ajustando o fornecimento e privilegiando as cargas críticas”, explica.
Uma tecnologia que ganhou palco
Se o grande apagão nacional trouxe transtornos para várias pessoas, para o jovem engenheiro foi também um momento de confirmação.
“A minha tese foi testada em direto, e funcionou.”
A micro-rede da Universidade de Coimbra não só iluminou o departamento como lançou luz sobre o futuro da energia: mais local, mais inteligente e mais resiliente.
Apesar de já existirem no mercado, sobretudo em indústrias e infraestruturas críticas como hospitais e aeroportos, as micro-redes ainda não estão ao alcance do cidadão comum.
“Neste momento, ainda é mais barato comprar um gerador para casa do que instalar uma micro-rede”, admite o investigador.
No entanto, acredita que a tendência vai mudar nas próximas décadas.
“Espero que daqui a 10 ou 20 anos as casas já venham com baterias e capacidade para micro-redes, tal como hoje já têm a opção de painéis fotovoltaicos.”
O potencial vai além das habitações individuais: bairros, aldeias ou até distritos inteiros poderão beneficiar de redes descentralizadas, tornando as comunidades mais resilientes a catástrofes naturais ou falhas na rede.
O estudante da Universidade de Coimbra vê também oportunidades no setor comercial e industrial.
“Estamos a estudar a possibilidade de patentear o algoritmo que desenvolvemos e criar uma spin-off para instalar micro-redes em empresas e instituições”, revela.
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