Portugal está chocado com a quantidade de nomeações de familiares de políticos para cargos públicos. Portugal choca-se muito facilmente com a normalidade. A política é mais promíscua do que uma família de cães. Esta salganhada deve ser uma das razões pelas quais as coisas demoram tanto tempo a decidir em Portugal: já estiveram numa reunião de partilhas de herança? Só para decidirem, se vão decidir as coisas por maioria ou unanimidade, são vários dias. E as reuniões de condomínio? Dão sempre chatice. No fundo, a Assembleia é isso, uma grande reunião de condomínio entre amigos que fingem que têm interesses diferentes, mas, na verdade, lutam pelas mesmas coisas. Gritam uns com os outros e depois vão jogar golf juntos e às mesmas casas de meninas.
Marcelo Rebelo de Sousa disse que se a ética não é suficiente, tem de se legislar para impedir este tipo de situações. O erro começa quando se tem fé na ética dos políticos. Até Cavaco Silva veio dizer que a política de jobs for the boys é prejudicial para Portugal. É sempre bom ouvirmos o testemunho de alguém que tem experiência na matéria, já que na altura em que ele foi primeiro-ministro havia pelo menos uns 20 casos de nomeações directas de familiares de ministros e secretários de Estado. Aliás, Cavaco Silva sabe bem os perigos das amizades, já que deve ter sido um amigo próximo que lhe disse que os portugueses podiam confiar no BES. Os amigos, às vezes, também nos enganam, coitado. Devemos sempre ouvir o que Cavaco tem a dizer, porque além de ter estado à frente dos destinos do país durante 20 anos, como primeiro-ministro e presidente da república, nunca teve culpa de nada nem nunca se enganou. É como quando ele se mostra contra a eutanásia, é um forte aliado e devemos ouvir o que tem a dizer, pois é a primeira vez que temos o testemunho de um cadáver sobre esse assunto.
As famílias numerosas, normalmente chateiam-se; discutem nos jantares de Natal, irmãos que já não se falam, primos que se ignoram, é o normal numa família portuguesa numerosa. Pior quando há dinheiro como é o caso do Estado. Se as famílias já discutem e entram em conflito por uma herança de um terreno que não vale nada, imaginem quando estão em jogo ordenados chorudos e dinheiro dos contribuintes. Toda a gente sabe que trabalhar com a família pode dar problemas. Alguma vez iria nomear a minha namorada para um cargo próximo e ter de a aturar todos os dias? Não faz sentido. E os meus pais? Nomeá-los para cargos para depois andarem a levar álbuns de fotografias comigo em bebé e nu no banho para mostrar aos colegas de trabalho? Não faz sentido.
Os partidos estão todos desconfortáveis com estas descobertas, não por acharem errado, mas porque todos têm telhados de vidro. Não percebo, é normal, tal como é padrão quando alguém se chateia com o familiar que lhe arranjou a cunha, tem sempre a hipótese de recorrer às cunhas dos amigos e ir para cargos de administração de empresas privadas, normalmente no sector em que já mostraram ser incompetentes quando eram funcionários do Estado. As nomeações para familiares e amigos são normais, as cunhas fazem parte. O problema não é a cunha, é a incompetência. Conseguiste o cargo porque tens contactos ou partilhas o mesmo ADN familiar? Tudo bem, mas se fazes um mau trabalho devias ser despedido na hora e o grande problema é que isso não acontece. Pedra ganha a tesoura e tesoura ganha a papel. Cunha ganha a todos, mesmo a boas mamas.
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Para ver: A vida dos outros
Para ouvir: Podcast Ar Livre, de Salvador Martinha
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