FC Porto: Continuar a fazer omeletes sem ovos?
É difícil não chamar a Sérgio Conceição de milagreiro. Certo é que há (muitos) clubes com bastantes menos recursos que o FC Porto, mas calculada a expectativa de ser campeão (leia-se, sempre, todos os anos) versus as armas que lhe têm sido dadas, poucos são capazes de espremer tanto valor de uma equipa como o conimbricense.
A saída de Luis Díaz para o Liverpool durante o mercado de inverno da época transata — para muitos, o melhor a jogar em Portugal naquele momento — podia ter redundado em desastre para as ambições dos dragões, não tivesse Conceição apostado na prata da casa para reconquistar o título de campeão nacional. Casos como o da venda do colombiano, porém, têm sido a norma e não a exceção.
Desde que regressou à Invicta, o treinador assumiu o comando técnico de um clube sob o jugo do Fair Play financeiro da UEFA, incapaz de reter talento por um lado, ou deixando sair peças essenciais a custo zero pelo outro. Quando herda a equipa em 2017, esta não só encontra-se desgastada por sucessivos desaires, mas também órfã de jogadores como André Silva e Rúben Neves. No entanto, mal retornou a Portugal, foi campeão. Dois anos depois, na época em que venceu o segundo campeonato, Conceição perdera Brahimi e o capitão Herrera por custo zero durante o verão, além de terem sido vendidos esteios da defesa como Eder Militão e Felipe.
Neste último título conquistado, não foi diferente. Além de Diaz, o Porto foi também forçado a prescindir de Jesus Corona a um valor muito baixo para um jogador que até então fora fulcral para os Dragões, assim como deixou sair Marega — mal-amado, é certo, mas aposta contínua e reiterada de Conceição.
Serve este preâmbulo para apresentar o FC Porto de 22/23 — uma equipa que inicia a época sem vários elementos que foram fulcrais para a dobradinha. Conceição já não terá consigo o central Mbemba (saído a custo zero para Marselha), Vitinha (vendido por 41.50 milhões de euros ao PSG) e Fábio Vieira (que foi para o Arsenal 35.00 milhões de euros). Além disso, segundas linhas importantes abandonaram também o Porto: o seu filho Francisco Conceição — que partiu, com polémica, para o Ajax por apenas 5 milhões de euros, valor da cláusula de rescisão — e o guarda-redes suplente Marchesín — que rumou ao Celta de Vigo por um milhão de euros.
Não quer isto dizer os Dragões não se tenham reforçado: pelo valor recorde de 20 milhões de euros — a mais cara transferência interna na história de Portugal —, o Porto garantiu David Carmo na defesa, contando que o jovem central entre de estaca no 11 de Conceição. Além disso, trouxe também Gabriel Veron, promissor mas indisciplinado extremo de 19 anos do Palmeiras.
No entanto, apesar de manter boa parte do núcleo do ano passado — Taremi, Otávio, Evanilson, Pepe, Uribe e Diogo Costa — e de já ter demonstrado que não se esqueceu do que é ganhar, na conquista da Supertaça frente ao Tondela, é inevitável a sensação de que o plantel entra nesta temporada mais frágil do que acabou a última. É de crer que ainda vão aparecer mais reforços, mas o campeonato para o FC Porto começa já a 6 de agosto.
A conclusão a que se chega é que os jogadores vão e vêm, mas aquilo que deixa sempre o FC Porto mais próximo de ser campeão é a manutenção de Sérgio Conceição como treinador — não só pelo patamar a que leva as suas equipas, mas também como as valoriza. O início da época passada foi marcado pelo rumores da sua saída para Itália, entretanto gorados; este ano, com o título de campeão por defender e já a passar a imagem de união que o caracteriza, não é crível que saia — até porque, dos vários recordes que já bateu no clube, falta-lhe conseguir uma revalidação do campeonato; no entanto, a contínua sangria de talento tem esticado a corda entre o treinador e a direção, e os adeptos portistas esperam todos os dias que esta não se parta.
Sporting: Continuidade, continuidade, continuidade — até quando?
“Se venho aqui prometer que somos campeões para o ano? Jamais. O que posso prometer é que se o Sporting tiver cabeça fria, juízo, união e competência, tem tudo para dentro de 2, 3 anos estar no topo do futebol português, olhos nos olhos. Até lá temos de subir os degraus de décadas de insucesso”.
Estas foram as palavras de Frederico Varandas nas comemorações da conquista do campeonato nacional de 2020/21. O tempo deu-lhe parcialmente razão: o Sporting esteve perto, mas não revalidou o título. Ter conseguido o segundo lugar permitiu nova entrada direta na Liga dos Campeões — e, com isso, nova injeção financeira nos cofres do clube. Mas acabar a época apenas com a Taça da Liga ganha terá deixado um sabor amargo na boca de muitos sportinguistas.
Mas mais importante é ressalvar a sobriedade dessa mensagem, já que, neste momento, o Sporting arrisca-se a entrar num paradoxo ingrato: o objetivo de construir um projeto desportivo foi cumprido a tão curto prazo que o clube foi campeão logo na época seguinte à entrada de Rúben Amorim. Tamanho sucesso gera igual expectativa: se os Leões mostraram que conseguem ser campeões, até quando aguentará a mensagem de que a prioridade é a consolidação da equipa a par dos rivais?
O segredo recai, sem surpresas, no papel timoneiro de Amorim. Mais do que um treinador, o presidente do Sporting encontrou em Ruben Amorim um misto de técnico com laivos de team manager: não só sabe pôr a sua equipa a jogar, como também tem palavra a dizer quanto à dimensão do plantel.
Prova disso é que Amorim entregou no final da época passada uma lista de imprescindíveis a Frederico Varandas e Hugo Viana e, até à data, teve o que queria: as exceções foram João Palhinha — vendido para o Fulham — e Pablo Sarabia — cujo empréstimo significou sempre que a sua presença em Portugal seria um sonho de curta duração. De resto, o Sporting mantém a base, de Adán a Paulinho, passando por Porro, Coates, Gonçalo Inácio, Matheus Reis, Ugarte, Matheus Nunes e Nuno Santos e Pedro Gonçalves — e Marcus Edwards, trazido no mercado de inverno, terá agora tudo para se afirmar.
Além disso, os Leões supriram algumas lacunas com a estratégia cirúrgica que tem caracterizado os anos mais recentes da presidência Varandas: misto de aposta em jogadores bons, baratos e já adaptados, provenientes do mercado interno — como Morita (Santa Clara) e Rochinha (Vitória de Guimarães) — com oportunidades. Disso são exemplos Franco Israel (jovem guarda-redes tapado na Juventus), Jeremiah St. Juste (central comprado ao Mainz por 9.50 milhões de euros) e, acima de tudo, Francisco Trincão, que, lançado por Amorim no Sporting de Braga, regressa a Portugal por empréstimo do Barcelona como o “Sarabia” de 2022.
Desfazer-se de excedentários — neste defeso saíram Battaglia, Sporar e Renan Ribeiro, entre outros — e ter um plantel curto e coeso, com jogadores capazes de fazer várias posições, mantém-se a prioridade do Sporting. Mas há riscos nesta estratégia, e os Leões já começaram a senti-los na pele: St. Juste, propenso a paragens, falhou boa parte da pré-época por lesão no tornozelo e Adán, absolutamente essencial desde que chegou ao clube, vai ser forçado a recuperar de uma rotura no joelho no início da temporada. Estes dois casos clínicos — aos quais se junta Daniel Bragança, que ainda não tem sequer previsão de regresso —
Juntem-se aos problemas das lesões o facto dos Leões continuarem sem uma alternativa válida a Paulinho — a não ser que este seja o ano de explosão de Rodrigo Ribeiro — e o facto de não ser 100% certo que o clube consiga manter todos os seus ativos: Gonçalo Inácio e, sobretudo, Matheus Nunes, continuam a ser muito apetecíveis para os tubarões europeus. Perder um deles significa obrigatoriamente regressar ao mercado e, com isso, alterar o equilíbrio do plantel.
Além do mais, frise-se que a I Liga não é a Premier League, nem o Sporting CP é o Manchester United. A nação leonina bem gostaria que Ruben Amorim se tornasse o Alex Ferguson de Alvalade, mas perante o assédio crescente sobre o treinador, é preciso começar a equacionar um futuro pós-Amorim. Por todas estas razões, este afigura-se como um ano fundamental para a continuidade do projeto do Sporting.
SL Benfica: Schmidt, um novo Trapattoni?
Retornemos ao ano de 2004. O Benfica encontrava-se há 11 anos sem levantar a taça de campeão nacional. Depois dos conturbados anos 90, Luís Filipe Vieira procurava relançar o clube e confiou a tarefa em Giovanni Trapattoni, acabado de sair do comando técnico da seleção nacional italiana.
Era uma jogada tão arriscada como audaz. Dono de um longo e afamado currículo de sucessos no AC Milan, Inter de Milão e Bayern de Munique, era também apenas o segundo treinador transalpino a aventurar-se em Portugal — o primeiro, Luigi Delneri, saiu apenas passadas algumas semanas depois de ser confirmado no FC Porto. A aposta foi ganha: o futebol não entusiasmou — roçou mesmo o sofrível —, mas o Benfica voltou a ser campeão.
Desde então, o Benfica apostou em treinadores estrangeiros em três outras ocasiões, sempre com parcos resultados: Ronald Koeman, José António Camacho e Quique Flores. Entre os três, repartem-se uma Supertaça (Koeman) e uma Taça da Liga (Flores).
Voltemos agora ao presente. Vendo o campeonato escapar desde 2018/19, os Encarnados decidiram uma vez mais olhar além fronteiras em busca de soluções para regressar às conquistas. A escolha recaiu em Roger Schmidt, que deixou o seu contrato com os neerlandeses do PSV Eindhoven chegar ao fim. A aposta de Rui Costa no alemão, uma vez mais, volta a ser tão arriscada como audaz. Formado na escola do futebol espetacular germânico, “aborrecido” é palavra que não deverá constar no dicionário do Estádio da Luz nos próximos tempos.
Mas espetacularidade não significa necessariamente consistência e, com isso, vitórias. Apesar da sua extensa experiência em campeonatos como o alemão e o austríaco, Schmidt não tem propriamente um grande palmarés, e a adaptação ao futebol português será o seu verdadeiro teste de fogo. Que o digam, por exemplo, os adeptos do Sporting, que viram no Keizerball de Marcel Keizer um delírio de futebol ofensivo de elevado quilate até este degenerar em desilusão quando o treinador neerlandês se viu forçado semana sim, semana sim, a jogar contra equipas de bloco baixo.
Os primeiros sinais, contudo, são promissores. Se a senda invencível da pré-época pouco interessa para as contas finais, o recital apresentado contra o Midtjylland na terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões serviu para demonstrar ao que Schmidt veio. A ajudar está uma estrutura aparentemente concentrada em assinar um novo capítulo e disposta a dar as ferramentas necessárias para o treinador se singrar vitorioso no seu ’4-3-3’ de pressão muito alta.
Darwin Nuñez vai deixar saudades na Luz, sim, mas a magnitude dessa perda vai depender da prestação de Enzo Fernández (comprado ao River Plate) e David Neres (que se encontrava sem jogar no Shakthar Donestk devido à guerra na Ucrânia), assim como na capacidade de Schmidt de retirar o melhor de Paulo Bernardo, Yaremchuk, Henrique Araújo e, acima de tudo, Gonçalo Ramos, que começou a época endiabrado com um hattrick.
Os ares são de revolução no Benfica: durante este defeso já saíram jogadores esgotados ou que não resultaram, como Pizzi, Seferovic, Everton, Svilar, Radonjic e Valentino Lázaro — André Almeida, Taarabt, Grimaldo e até Vlachodimos podem seguir-se. Pela porta de entrada chegaram os laterais Alexander Bah (Slavia Praga) e Ristic (Montpellier), o central João Victor (Corinthians) e o avançado Peter Musa (Boavista), além dos já citados Fernandéz e Neres.
O plantel, contudo, continua demasiado grande, como o próprio Schmidt tem reconhecido: há ainda Gilberto, Otamendi, Morato, João Mário, Rafa, Vertonghen, Weigl, Gil Dias, Helton Leite, Soualiho Meité, Chiquinho, Diogo Gonçalves e Rodrigo Pinho — além do retornado Florentino. Existem as boas dores de cabeça para os treinadores quando têm profundidade de opções — e depois existem as más, quando são tantos os jogadores que tornam o balneário difícil de gerir.
Não obstante todos os desafios que enfrenta, Schmidt tem o histórico a seu favor. Como o Diário de Notícias fez notar, dos 25 técnicos estrangeiros que treinaram o clube desde a primeira edição do campeonato nacional (em 1934-35), mais de metade deles foi campeão nacional, onde singram nomes como John Mortimore, Jimmy Hagen, Otto Glória, Bela Guttmann e Sven-Goran Eriksson. A grande maioria, porém, foi-o há muito, e a Schmidt só deverá interessar o futuro.
Sporting de Braga: A novela Horta, ou como ser competitivo em Portugal?
É sabido que todos os anos há um tema que domina o mercado de verão em Portugal — — fenómeno, sublinhe-se, que não é um exclusivo ou uma excentricidade nacional. O deste ano é a potencial saída de Ricardo Horta do Sporting de Braga.
Desde que ingressou nos minhotos em 2016, vindo do Málaga, Horta tornou-se mais do que um jogador importante para o clube: ultrapassou Mário Laranjo para tornar-se no seu maior goleador de sempre, com 93 golos em seis anos; tornou-se numa pedra de toque para todos os treinadores que passaram pelo Braga; tornou-se um símbolo dos bracarenses.
Jogadores assim surgem raramente, ainda para mais para clubes sem tradição vitoriosa — o Braga, recorde-se, nunca venceu um campeonato nacional, apesar de ter vindo a engrossar o seu palmarés com taças nacionais desde que António Salvador assumiu a direção minhota.
É por isso que, perante o assédio do Benfica, o Braga tem feito fincapé quanto ao valor pelo qual deixará o jogador sair: 20 milhões de euros. Os Encarnados, porém, têm baixado a fasquia — atendendo aos jornais nacionais, a última investida foi de 15 milhões, juntando Gil Dias e Diogo Gonçalves à oferta. O caso complexifica-se porque o Braga apenas detém uma pequena percentagem do passe de Horta, partilhado entre o Málaga, a Gestifute e outras entidades desportivas — e que os espanhóis estão a pressionar a direção bracarense a vender.
Quer Horta fique, quer rume a Lisboa, o caso é paradigmático do estado do clube médio português: cada vez que tem uma época melhor e valoriza os seus jogadores, vê-se forçado a vendê-los por não ter armas para competir, interna e externamente; cada vez que quer criar um núcleo capaz de impulsionar a equipa a voos mais altos, é privado das suas peças essenciais.
Excluindo transferências internacionais, os bracarenses venderam jogadores importantes como Rafa Silva, Paulinho, Galeno e Esgaio aos três grandes por valores generosos — mas quase sempre insuficientes para compensar a perda desportiva — e a troco de excedentários desses clubes. Se o Benfica quer colocar Gil Dias e Diogo Gonçalves em cima da mesa para convencer o Braga, o Sporting ofereceu ainda menos no negócio por Paulinho, emprestando Sporar.
Correlação não significa causalidade, mas certo é que os ‘arsenalistas’ não se têm aproximado do cetro, muito pelo contrário – ficaram a 13 pontos do campeão em 2017/18, a 20 em 2018/19, a 22 em 2019/20, a 21 em 2020/21 e a 26 em 2021/22. Este ano, já saiu o melhor central do clube — o supramencionado David Carmo — para o FC Porto, e Horta pode seguir-se. Num plantel que também perdeu Yan Couto, de regresso ao Manchester City após cedência, são novidades Víctor Gómez (ex-Espanyol), Niakité (Metz), Borja (Alanyaspor) e Simon Banza, que na época passada marcou 14 golos no campeonato ao serviço do Famalicão.
Para 2022/23, Artur Jorge tem, no entanto, mais ou menos a mesma ‘mão de obra’ que tinha Carlos Carvalhal, nomeadamente Matheus, Fabiano, Paulo Oliveira, Tormena, Sequeira, Al Musrati, Lucas Mineiro, Gorby, André Horta, Castro, Rodrigo Gomes, Iuri Medeiros, Roger, Vitinha, Abel Ruiz e Mario González.
Será isso suficiente para almejar, pelo menos, chegar aos três primeiros lugares da classificação? Teremos de esperar para ver — mas o Braga estará sempre mais próximo de consegui-lo com Horta.
Gil Vicente: Barcelos apresenta-se à Europa. Benesse ou maldição?
O caso acima explanado quanto ao Sporting de Braga aplica-se aos restantes clubes nacionais que não os três grandes — com uma diferença. Os bracarenses já atingiram um patamar onde ir às competições europeias é hábito, sendo capazes de ultrapassar as fases de grupo da Liga Europa com assaz frequência — com alguma distância, o Vitória de Guimarães é o único outro clube em Portugal com dimensão parecida.
O mesmo não se pode dizer dos outros clubes. A volatilidade dos projetos desportivos nacionais é uma faca de dois gumes na maioria dos casos: cada vez que um clube inesperadamente atinge os lugares cimeiros do campeonato e se apura para a Europa — inicialmente apenas com a Taça UEFA/Liga Europa, agora secundada pela recentemente criada Liga Conferência —, o mais provável é começar a temporada seguinte transfigurada.
Por uma questão de economia de texto, tomem-se os dois exemplos mais recentes, do Rio Ave e do Paços de Ferreira.
Começando pelos vilacondenses, a campanha de 2019/20 resultou nos lugares de acesso à Liga Europa, resultado do comando técnico de Carlos Carvalhal, da capacidade goleadora de Mehdi Taremi e de um elenco que contava com Nuno Santos, Matheus Reis, Lucas Piazón e Carlos Mané. Todavia, no ano seguinte, não só Carvalhal se mudou para Braga, como Taremi foi para o Porto e tanto Nuno Santos como Matheus Reis entraram na equipa campeã do Sporting.
Como ficou o Rio Ave? Depois de eliminar o Borac, da Bósnia, e o Besiktas, da Turquia, nas pré-eliminatórias, caiu ingloriamente contra o AC Milan no play-off no Estádio dos Arcos, num embate apenas decidido nos penáltis. Mais importante, porém, é que esteve muito longe de replicar o sucesso da época transata e terminou na 16.ª posição, descendo à II Liga. A paragem devido à Covid-19 não ajudou é certo, mas o tombo foi por demais evidente — Mário Silva ainda aguentou o clube, mas Pedro Cunha e Miguel Cardoso deixaram-nos cair.
O caso do Paços de Ferreira é diferente nas consequências, mas não no processo. A pandemia não impediu a equipa de Pepa de chegar a um surpreendente quinto lugar, o que significou o acesso à Liga Conferência Europa, criada no ano seguinte. O treinador, porém, não acompanhou o clube na estreia dessa competição — foi para Guimarães —, nem Douglas Tanque ou Marcelo. Eustáquio seguir-se-ia na paragem de inverno.
O “maestro” desta equipa, portanto, ainda participou na caminhada europeia, agora sob a égide de Jorge Simão. Depois de eliminar o Larne, da Irlanda do Norte, com facilidade, o azar bateu à porta e calhou o Tottenham — fragilizado mas, ainda assim, tubarão — como adversário seguinte. A vitória histórica na Mata Real — golo de Lucas Silva — não chegou perante a derrota por 3-0 em Londres. A restante temporada não foi melhor: o mau futebol ditou a saída de Jorge Simão, substituído por César Peixoto, que assegurou o 11.º lugar.
Servem estes dois casos para colocar o Gil Vicente sob alerta. Barcelos vai conhecer futebol europeu pela primeira vez na sua história, mas há sinais análogos que urge ter conta. Os Gilistas começam a atual temporada sem o treinador que os levou ao quinto lugar — Ricardo Soares, que partiu para o Al-Ahly, deixando a cadeira para Ivo Vieira — e sem jogadores essenciais nessa temporada, como Pedrinho, Samuel Lino, Talocha e Léautey.
Em teoria, o Gil Vicente reforçou-se com qualidade, com os empréstimos de Carraça, Tomás Araújo, Mizuki Arai, Pedro Tiba e Ali Alipour e a compra de Boselli, assim como garantiu o passe em definitivo de uma das sensações do ano passado, Fujimoto. Conseguindo manter Aburjania, Hanne, Lucas Cunha, Santana e, principalmente, o goleador Fran Navarro, em Barcelos, é possível que evite o destino de outros clubes.
O primeiro embate, contra o Riga FC, na cidade letã do mesmo nome, saldou-se num empate a uma bola. Caso passe esta pré-eliminatória, terá pela frente o Dundee United, da Escócia, ou o AZ Alkmaar, dos Países Baixos. Mas mais importantes serão as 34 jornadas do campeonato que se seguem.
Casa Pia: Como será regressar a casa… sem casa?
O Casa Pia é um clube com história. Esta frase justifica-se não só por ser uma instituição centenária (com 102 anos), mas também porque o emblema lisboeta estava presente na temporada 1938/39 — a primeira a passar de Liga Experimental para a I Liga que se mantém até hoje.
O clube, porém, não fez cerimónia: terminou em último lugar, com apenas dois pontos totalizados, resultantes de somente um triunfo e 13 derrotas. A sua participação na recém-criada I Liga seria a única da sua história. Até agora.
Comandado pelo treinador Filipe Martins e alvo de investimento do empresário norte-americano Robert Platek desde que regressou aos escalões profissionais, em 2018/19, o clube quer deixar-se ficar pelo escalão superior do futebol português, conquista conseguida depois de terminar em 2.º lugar na II Liga.
Em teoria, o clube está a fazer tudo para cumprir essa ambição: não só renovou com Filipe Martins, como mantém o núcleo duro do ano passado que foi responsável pela sua solidez defensiva: o esquema tático composto por três centrais – o maltês Zach Muscat, o ‘capitão’ Vasco Fernandes e o bósnio Nermin Zolotic —, à frente do muito experiente guarda-redes angolano Ricardo Batista. Ângelo Neto, Lucas Soares, Leonardo Lelo e o artilheiro Saviour Godwin continuam também em Pina Manique, sendo a exceção Jota Silva, que rumou para o Vitória de Guimarães.
Além disso, tem consigo reforços significativos, muito por força do seu investidor: os Gansos trouxeram o “veterano” Fernando Varela e João Nunes de volta para Portugal, assinaram com Rafael Martins (que descera à II Liga com o Moreirense) e ganharam a corrida face a outros clubes da primeira divisão ao contratar Anderson Cordeiro, Diogo Pinto e Leo Bolgado. A estes nomes juntem-se os “internacionais” Yan Eteki, vindo do Granada e com ampla experiência na La Liga, e Takahiro Kunimoto, bicampeão pelos coreanos do Jeonbuk Hyundai Motors.
Tudo parece apontado para um regresso retumbante do Casa Pia à I Liga… exceto a casa onde joga. O Estádio Pina Manique não tem neste momento condições para assegurar jogos do principal escalão e está a ser alvo de obras de renovação para que os Gansos regressem ao seu lar ladeado pela floresta de Monsanto o quanto antes.
Até lá, o Estádio Nacional afigura-se como opção, mas não para a primeira receção — não estando o relvado em condições para o jogo, a alternativa acabou por ser o Estádio de Leiria. É uma viagem incómoda para os adeptos desejosos de ver o seu clube de regresso ao principal escalão, mas não mancha o retorno.
Há um Mundial a meio da época. Que consequências terá?
Que o Mundial2022, a realizar-se entre 21 de novembro e 18 de dezembro no Qatar, tem sido um pólo de controvérsia é constatar para lá do óbvio. Desde a forma opaca como o local foi escolhido até às condições que as equipas vão enfrentar — não esquecendo as potenciais violações dos direitos dos espetadores LGBT e a cifra vergonhosa de mais de 6500 mortes de trabalhadores nas obras de construção dos estádios —, este Campeonato do Mundo promete fazer correr muita tinta, não obstante as justificações de Gianni Infantino. o presidente da FIFA.
Parte da discussão centra-se precisamente nas datas em que a competição vai decorrer. Sendo impraticável realizar-se no verão qatari — onde as temperaturas rondam entre os 35.º e os 45.º —, a FIFA decidiu que teria de decorrer num período mais ameno. Com isso, não só obrigou a Taça das Nações Africanas a passar de janeiro para junho (de outra forma, os jogadores a participar nas duas competições só teriam duas semanas de descanso entre cada uma e perderiam meses de competição nos seus clubes), mas também todos os campeonatos a decorrer durante esse período a parar.
O impacto que terá tal calendário inédito é difícil de avaliar. Tenhamos em conta que — só no caso português — a maioria das equipas está envolvida em três competições domésticas. A isto acrescem as competições europeias para alguns clubes e, além disso, somam-se os compromissos internacionais que obrigam os emblemas a ceder jogadores, como os jogos da Liga das Nações a decorrer em setembro.
Numa fase em que a conversa tem sido quanto a calendário brutal a que os jogadores têm sido submetidos, a sequência de jogos até novembro arrisca-se a ser mais apertada do que nunca, obrigando as diferentes associações nacionais de futebol a ginasticar competições num espaço de tempo exíguo. Como explica o The Athletic, a extensão de jogos até junho devido à Liga das Nações e a antecipação dos trabalhos de pré-época significou que alguns jogadores tiveram muito pouco tempo de descanso. O calendário das competições europeias vai obrigar a jogos todas as semanas, ao invés dos habituais períodos de paragem de duas ou três semanas entre sequências.
No caso da I Liga, os jogos vão ser interrompidos durante seis semanas, na passagem da 13.ª para a 14.ª jornadas, entre 13 de novembro e 28 de dezembro. Quer isso dizer que, na eventualidade de um jogador de um emblema português chegar à final pela sua seleção, terá potencialmente apenas 10 dias de descanso.
A paragem do campeonato, porém, não significa um período de descanso para as equipas ou de menor fulgor para os treinadores focarem-se em aspetos táticos específicos. Enquanto decorre o Qatar2022, em Portugal organiza-se a renovada Taça da Liga, com uma fase de grupos, que integrará seis séries de quatro equipas e duas com cinco, prevista para entre 18 de novembro e 17 de dezembro. Os quartos-de-final jogam-se entre 20 e 23 de dezembro, estando a “final four” estipulada para ocorrer entre 24 e 28 de janeiro de 2023.
Se ainda não perdeu o fôlego, recorde-se que ainda não há datas para a Taça de Portugal. Tudo isto gerará um cenário sem precedentes em Portugal e não só. Em teoria, os clubes com menos internacionais a competir no Qatar serão os maiores beneficiados, mas a compressão do calendário afetará todos os clubes. Mais do que nunca, os treinadores serão forçados a gerir os plantéis a pinças, de tal forma que a FIFPro — a organização que representa os jogadores profissionais — e vários profissionais têm alertado para o potencial de lesões que tal sobrecarga representará. É caso para dizer “obrigado, Gianni”.
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