“Se não fizemos nada pelos macacos em Cabo Verde, eles vão provavelmente desaparecer daqui a pouco tempo”, desabafa à Lusa Gricha Lepointe, gerente do ‘Morgana Ecolodge’, espaço que inaugurou em agosto passado em Calheta de São Miguel, ilha de Santiago, onde funciona o único refúgio do macaco verde no arquipélago.
Os macacos chegaram a Santiago com os primeiros colonizadores, a partir do continente africano, e tornaram-se uma espécie endémica. Contudo, o conflito com os agricultores, com o constante crescimento das áreas de cultivo, está a ameaçar a sobrevivência do macaco verde.
“O meu sonho era ver os macacos soltos, numa reserva, felizes, com toda a segurança necessária. Poder dizer às crianças, hoje, que vão continuar a ver os macacos aqui em Cabo Verde, porque o macaco faz parte da biodiversidade (…) Se continuarmos a matar os macacos, a negligenciar os macacos, se não houver um projeto de proteção, eles vão desaparecer, pouco a pouco. Isso é já um fenómeno observado internacionalmente”, lamenta o francês, em Cabo Verde desde 2013, onde trabalhou na Cooperação Luxemburguesa, desenvolvendo projetos nas áreas da saúde, água e saneamento ou energias renováveis.
“Trabalhei mais de 25 anos na área da cooperação e assistência humanitária. Senti a necessidade de fazer uma contribuição para o meio ambiente. Estou, como muitas mais pessoas em todo o mundo, mais preocupado com a situação do meio ambiente e queria fazer a minha contribuição. Então tentei organizar um projeto que combine uma necessidade económica, um negócio, mas também com um aspeto forte no meio ambiente”, explicou.
Daí surgiu, em Calheta de São Miguel, a cerca de 40 minutos de viagem da cidade da Prai, o “Morgana Ecolodge” – espaço anteriormente conhecido como “Vila Morgana”, totalmente reabilitado -, que agora promove a experiência de ecoturismo com a preservação da biodiversidade, disponibilizando em 17 bangalôs, num total de 20 quartos, além de discoteca, piscina e restaurante, entre outras valências que já empregam 11 trabalhadores locais.
É também no mesmo espaço, inserido na paisagem local, junto ao mar, que já funciona o refúgio de macacos, atualmente com cinco animais em recuperação, incluindo três crias.
“O primeiro objetivo é dar uma assistência imediata aos macacos feridos, órfãos, abandonados. Para dar essa assistência criamos o refúgio no ‘Morgana Ecolodge’. É o primeiro refúgio para macacos aqui em Cabo Verde, é a primeira fase do projeto”, conta, explicando que em simultâneo avançou, em março, com a criação da primeira associação dedicada à proteção dos macacos.
Ali nasceu a Associação Santuário dos Macacos de Cabo Verde, que além do apoio ao funcionamento do refúgio está em fase de mobilização de fundos para reforçar a capacidade de intervenção: “Recebemos já muitas chamadas de pessoas na Praia para ir apanhar os macacos que estão soltos na cidade, que se escaparam das casas. Infelizmente, até agora não temos a capacidade técnica e logística para fazer isso. Mas tudo isso faz parte deste projeto”.
Há sete anos que Gricha Lepointe cuida do seu macaco em Cabo Verde, uma relação que o fez despertar para a realidade do arquipélago, pouco voltado para essa preservação ou mesmo para potenciar a presença da espécie, turisticamente.
“Os macacos são considerados predadores e os agricultores têm muitos problemas com os macacos. A realidade é que os macacos provocam muitos danos nas zonas agrícolas, que procuram para comida. A única resposta que existe hoje para este problema é matar os macacos”, lamentou, observando: “Temos primeiro de resolver o conflito que existe entre os agricultores e os macacos. Infelizmente, o território deles reduz-se e todos os anos e eles vão procurar comida às zonas agrícolas, criando problemas com os agricultores”.
Além disso, reconhece que “existe um mercado” de venda de crias, que leva à morte dos adultos na sua caça, mas que quando crescem são abandonadas, pela necessidade de espaço que têm.
Há sete anos, ao entrar na realidade dos macacos em Cabo Verde, Gricha Lepointe começou por tentar obter informação, mas sem muito sucesso.
“Vi que não havia muita informação sobre o macaco em Cabo Verde. Ao mesmo tempo, comecei uma reflexão sobre o turismo alternativo, sobre o turismo sustentável, que é um turismo não muito desenvolvido aqui em Cabo Verde”, recorda.
Ao avançar com o “Morgana Ecolodge”, decidiu “integrar a proteção dos macacos”, cujo primeiro passo foi o refúgio e que passa ainda por impulsionar a criação de uma reserva protegida para os macacos na ilha de Santiago.
“Na segunda fase é possível pensar na reintegração dos macacos num espaço dedicado. Infelizmente, aqui em Cabo Verde, não existe ainda uma reserva natural, um espaço especial reservado para os macacos. Se fosse o caso, poderíamos pensar em fazer uma reintegração dos macacos. Mas não podemos reintegrar um macaco, temos de reintegrar um grupo”, assume.
Uma ideia com que, garante, Cabo Verde teria a ganhar também na vertente turística, como a aposta feita pela ilha de Barbados, que criou uma reserva de macaco verde visitada por 100.000 turistas por ano: “Os turistas gostam dos animais, gostam dos macacos. Já há em alguns países exemplos de sucesso, de projetos interessantes”.
À Lusa, o presidente da câmara municipal de São Miguel, Herménio Fernandes, destaca tratar-se de um projeto “extraordinário”, que permite a proteção de uma espécie em vias de extinção em Cabo Verde, que naquele município também se depara com problemas com os agricultores.
“Demonstra que há soluções para tudo”, afirmou o autarca, reconhecendo as queixas constantes dos agricultores, face ao ataque dos macacos aos cultivos de sequeiro no município, à procura de comida.
Com o “Morgana Ecolodge” e a Associação Santuário dos Macacos de Cabo Verde, Herménio Fernandes afirma que o concelho tem tudo para preservar a espécie e oferecer um “produto turístico de alto valor”.
Além da proteção dos macacos, o projeto de turismo sustentável de Gricha Lepointe, que aposta nas energias renováveis e na articulação com a comunidade local, apoia ainda a preservação de tartarugas marinhas em colaboração com a Câmara Municipal e o Ministério do Ambiente.
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