Os projetos serão discutidos hoje em plenário e votados na sexta-feira.
Segundo o deputado André Silva, o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) quer alterar o Código Penal para que o sexo sem consentimento seja considerado crime de violação e endurecer a moldura penal para que os violadores cumpram pena de prisão.
O PAN defende que a legislação portuguesa está desajustada em matéria de crimes sexuais e que o país deve transpor para a lei nacional a Convenção de Istambul, que ratificou em 2012, no sentido de considerar violação “todo e qualquer ato sexual sem consentimento”, deixando o crime de violação de assentar “na existência de violência para se centrar na não existência de consentimento”.
Este projeto-lei, apresentado em dezembro, surge após duas polémicas decisões judiciais.
Num caso, o Tribunal da Relação do Porto confirmou penas suspensas para dois acusados de violarem uma mulher numa discoteca. E, em outro, o Tribunal de Vila Nova de Gaia condenou dois arguidos a pena de prisão de quatro anos e meio, suspensa na sua execução, pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência.
A proposta do Bloco de Esquerda é coincidente com a do PAN na sua intenção.
No seu projeto de lei, o BE quer clarificar a lei, estipulando-se que é na inexistência de consentimento e não na existência de violência que deve radicar a natureza do crime e que importa retirar o ónus que a lei e a sociedade impõem às vítimas.
“É, pois, de inteira justiça que se proceda também a uma alteração da natureza destes crimes, passando de semi-públicos, para crimes públicos. Num juízo análogo ao que se levou a cabo para a violência doméstica, temos de reforçar a ideia de que a violação e a coação sexual são assunto que não podem ficar por investigar”, lê-se na proposta.
O Bloco de Esquerda considera que a atual possibilidade que as decisões judiciais mascarem violações com abusos sexuais, crimes ‘socialmente’ menos valorizados e reprováveis.
A proposta do BE, explica o partido, dá corpo às recomendações da Convenção de Istambul e defende a eliminação do n.º 2 do artigo 164.º do Código Penal por considerar que estabelece equívocos, como se houvesse uma legitimação da violação pelo uso da autoridade ou da dependência.
Em novembro, um relatório da Amnistia Internacional (AI) alertava que a maioria dos países europeus continuava a reconhecer o crime de violação sexual apenas quando se verifica violência física, ameaça ou coação, contrariando a Convenção de Istambul.
A Convenção de Istambul prevê a criminalização da violação e de outros atos sexuais sem consentimento, considerando que em muitos países da Europa persiste uma legislação inadequada e ineficaz sobre violação. Aquela convenção inclui no conceito de violação qualquer ato sexual (vaginal, anal ou oral) não consentido.
Em 2011, O Conselho da Europa adotou esta convenção de prevenção e combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica, que avançou em força em 2014, de acordo com a AI.
Segundo a AI, num total de 31 estados europeus, apenas oito têm uma definição de violação baseada no consentimento, sendo que tais falhas legislativas promovem uma cultura de culpabilização da vítima de violação e perpetua a impunidade.
Portugal e Espanha anunciaram em 2018 a intenção de alterar a legislação por forma a reconhecer que sexo sem consentimento é violação, em reação aos protestos relativos a casos concretos em que os sistemas judiciais falharam na proteção das vítimas.
Portugal aparece num lote de 23 países analisados em que a definição do crime de violação assenta na violência, ameaça e coerção e não na falta de consentimento. Ao lado de Portugal surgem Áustria, Bulgária, Croácia, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Itália, Letónia, Lituânia, Malta, Holanda, Noruega, Polónia, Roménia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha e Suíça.
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