O’Brien morreu no sábado após doença prolongada, segundo o comunicado divulgado pelos seus representantes.
“Com um espírito desafiador e corajoso, Edna esforçou-se constantemente para abrir novos caminhos, escrever com sinceridade, a partir de um sentimento profundo”, lê-se no comunicado hoje divulgado pela Faber & Faber.
Edna O’Brien, “um orgulho literário e fora-da-lei na Irlanda”, como escreve a agência Associated Press, “escandalizou a terra natal com o seu romance de estreia, ‘The Country Girls’ [‘Raparigas de Província’, na edição portuguesa], mas conquistou reconhecimento como contadora de histórias, acabou bem-vinda e aclamada em todo o lado, de Dublin à Casa Branca”.
“The Country Girls” viria a constituir-se uma trilogia, com os dois livros seguintes, “The Lonely Girl” (1962) e “Girls in Their Married Bliss” (1964), que a autora reuniu num só volume na década de 80.
Josephine Edna O’Brien nasceu em 1930, na aldeia irlandesa de Tuamgraney, na região de Clare, mudando-se depois para Dublin, onde trabalhou numa farmácia, o que lhe permitia ler Tolstoy e Thackeray, atrás do balcão, ou James Joyce e o “Retrato de um artista quando jovem”, que a inspirou a escrever.
Mais tarde, fixou-se em Londres onde iniciou a carreira literária com contos publicados na revista The Bell, ao mesmo tempo que revia manuscritos para a Hutchinson. A editora impressionou-se com a qualidade dos seus resumos das obras em avaliação, e acabou por publicar “Raparigas de Província”.
A frontalidade da escrita de O’Brien, sempre objetiva, sempre em função da história e das suas personagens, levou a que os seus livros fossem alvo de censura, na Irlanda católica, mas elogiados por autores como Kingsley Amis e Philip Roth. O seu nome foi por várias vezes indicado ao Nobel da Literatura.
A escritora publicou mais de 20 títulos, sobretudo romances e coletâneas de contos, e conhecia aquilo a que chamava “extremos da alegria e da tristeza, do amor e desamor, do sucesso e do fracasso, da fama e do massacre”, cita a Associated Press.
“Poucos desafiaram tão concreta e poeticamente os tabus da Irlanda sobre religião, sexo e género; poucos escreveram com tanta ferocidade e sensualidade sobre solidão, rebeldia, desejo e perseguição”, acrescenta a agência norte-americana de notícias.
O livro “Raparigas de província”, centrado em duas jovens mulheres que fogem de um convento para Dublin, foi de imediato proibido na Irlanda, em 1960, assim que publicado, à semelhança do que já acontecera com obras de autores como James Joyce e Frank O’Connor. Chegou a ser queimado em Tuamgraney, onde a autora nascera.
Nos anos de 1980, a banda britânica Dexy’s Midnight Runners pôs Edna O’Brien lado a lado com outros escritores irlandeses proibidos na terra natal, como Eugene O’Neill, Samuel Beckett e Oscar Wilde, na canção “Burn It Down”, do álbum “Searching for the Young Soul Rebels”.
Na obra de Edna O’Brien contam-se romances como “August Is a Wicked Month” (“Agosto é um mês perverso”, em tradução livre), sobre a libertação sexual de uma mulher; “Down By The River”, baseado na história de uma adolescente irlandesa que engravidou depois de violada pelo pai; e o autobiográfico “The Light of Evening”, sobre uma escritora de regresso à Irlanda para ver a mãe doente.
O seu mais recente romance, “Girl” (“Menina”), de 2019, é dedicado a vítimas do Boko Harem.
A obra de Edna O’Brien encontra-se publicada em Portugal pelas editoras Cavalo de Ferro (“Menina”, “Na Floresta”, “Pequenas Cadeiras Vermelhas”) e a Relógio d’Água (“Byron e o Amor”, “Raparigas de Província”).
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