"Não é habitual receber aqui [em Belém] um cidadão português injustiçado durante um tempo sem fim num país amigo e irmão, ao qual dirijo uma palavra muito especial, porque se fez justiça e venceu o Estado de direito democrático no país irmão de Timor-Leste”, afirmou.
E o chefe de Estado acrescentou: “Tiago Guerra teve uma odisseia, uma saga em que toda a sociedade portuguesa esteve envolvida, a família, a comunicação social, a nossa diplomacia, toda a sociedade, mas tenho de referir uma personalidade de forma especial, a senhora embaixadora Ana Gomes, que teve um papel determinante nesta saga de luta pela afirmação dos direitos de quem temia não ver os seus direitos reconhecidos".
Marcelo Rebelo de Sousa falava no Palácio de Belém, a seguir a uma audiência com Tiago Guerra, que hoje recebeu a notícia de que tinha sido absolvido pelo Tribunal de Recurso timorense de uma condenação pelo crime de peculato, num processo que começou em 2014.
"Acompanhei este processo e posso testemunhar que todos fizeram o possível e o impossível, e uma vez na vida venceu a justiça e o Estado de direito democrático", vincou o Presidente.
“Não acontece todos os dias, mas quando acontece num dia, acentuando a fraternidade entre dois países que falam a mesma língua, não podemos deixar de ficar muito, muito felizes", concluiu.
Tiago Guerra disse, à saída da audiência pedida hoje de manhã e concedida no próprio dia pelo Presidente, que estava "muito feliz e satisfeito", acrescentando que agora era possível recomeçar a vida.
O Tribunal de Recurso timorense absolveu o casal de portugueses Tiago e Fong Fong Guerra, condenado em 2017 a oito anos de prisão e a uma indemnização ao Estado, ordenando o descongelamento das suas contas.
O acórdão, aprovado por unanimidade por um coletivo de três juízes e que foi hoje notificado às partes - e parte do qual foi lido à Lusa por fontes judiciais -, determina a absolvição do crime de peculato, pelo qual o Tribunal de Dili tinha aplicado uma pena de oito anos de prisão efetiva e o pagamento de uma indemnização de 859 mil dólares.
O tribunal determina ainda o descongelamento das contas bancárias do casal e o levantamento de todas as medidas de coação que estavam a ser aplicadas.
No extenso acórdão, que demorou dois anos e meio a ser concluído, os juízes deferem o recurso da defesa à sentença de 24 de agosto de 2017, que tinha argumentado que a decisão da primeira instância padecia de “nulidades insanáveis" mais comuns em "regimes não democráticos", baseando-se em provas manipuladas e até proibidas.
O casal foi preso pela polícia timorense em Díli em 18 de outubro de 2014 e esteve impedido de sair de Timor-Leste, com Tiago Guerra obrigado a comparências semanais na Polícia Nacional de Timor-Leste.
Enquanto aguardava a decisão sobre o recurso à sentença do Tribunal Distrital de Díli, mantendo a sua inocência e acusando o Tribunal de primeira instância e o Ministério Público de várias irregularidades, o casal fugiu para a Austrália, onde chegou, de barco, em 09 de novembro de 2017, tendo chegado a Lisboa em 25 de novembro desse ano.
Tiago Guerra revelou que até ao momento ainda não recebeu o acórdão, notando que os dois escritórios de advogados que o representaram no processo tinham renunciado ao seu mandato.
Atualmente a viver em Portugal, Tiago Guerra disse que a decisão do Tribunal de Recurso “muda tudo” para a família.
A candidata presidencial Ana Gomes manifestou-se hoje satisfeita com a absolvição do casal português Tiago e Fong Fong Guerra, elogiando as autoridades timorenses por evitarem uma “perversão da justiça”.
“Estava a haver uma perversão da justiça, uma instrumentalização da justiça, tornando este português numa vítima”, afirmou à Lusa Ana Gomes, que se empenhou pessoalmente no caso.
A antiga eurodeputada visitou Tiago Guerra na prisão e “estava ao corrente que todas as diligências que as autoridades portuguesas tinham feito”, apercebendo-se do seu risco de saúde e tentou sensibilizar as autoridades timorenses para o libertarem.
Um mês depois da visita, as autoridades timorenses decidiram deixar Tiago Guerra “em residência fixa até ao final do julgamento”, a cuja sentença de primeira instância também assistiu Ana Gomes, que detetou no processo “vários problemas” que mostravam a fragilidade do caso contra o casal.
Comentários