
Nas gravações do seu último projeto em cinema ‘Babygirl’, Nicole Kidman teve de beber de uma só vez um copo inteiro de leite 16 vezes. A cena foi de tal forma icónica que a repetiu na entrega de prémios da National Board of Review de 2025. Com isto, voltou a questionar-se se o leite é ou não saudável — e de que forma a resposta se traduz na redução de consumo de produtos lácteos.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística, os portugueses consomem cada vez menos leite, tendo no ano de 2023 consumido 60,58 litros, menos 10 litros que em 2019 (70,48 litros p/ ano). A multidados.com – The Research Agency publicou um estudo que refere que 33,9% dos inquiridos relaciona a redução do consumo de leite com a dificuldade de digestão.
Entre outros motivos referidos estão o aumento da inflamação crónica (18,6%), a falta de benefícios associados (11,9%), a utilização de conservantes no processo de produção (6,8%) e a associação a determinados tipos de cancro (5,1%).
Para a nutricionista Daniela Duarte esta tendência deve-se a vários fatores, "incluindo o aumento do número de alergias e intolerância alimentares, como a intolerância à lactose ou alergia à proteína do leite", e ainda às perceções generalizadas "entre o consumo de leite e algumas condições de saúde”.
Na verdade, “o leite é considerado um alimento rico em proteína e do ponto de vista nutricional muito completo”, diz Marisa Costa, vice-presidente da Associação dos Produtores de Leite em Portugal (APROLEP) ao SAPO24. E, por isso, é um alimento presente na dieta mediterrânica.
De acordo com a Associação Portuguesa dos nutricionistas, “o leite é um alimento de elevada densidade nutricional, fornece uma quantidade elevada de nutrientes essenciais ao organismo e é um alimento rico em proteínas, hidratos de carbono, lípidos, vitaminas e minerais”.
Daniela Duarte acrescenta ao SAPO24 que o leite de origem animal contém todos os aminoácidos essenciais, ou seja, "alto teor de proteína, bem como gordura, vitaminas e minerais” - cálcio, fósforo e vitaminas A, B2 e D, que fortalecem os ossos, músculos e dentes.
Para quem não bebe leite, estes nutrientes podem ser substituídos por outros alimentos, mas, segundo a especialista, “não existem estudos consistentes que indiquem a necessidade de eliminar o leite da dieta com o avançar da idade”.
Para quem o faz, as alternativas de origem vegetal são a opção mais escolhida. Catarina Barreiros, ativista ambiental, não acredita que seja um sintoma de maior consciência ambiental. A jovem justifica este facto como resultado de "muitas tendências de bebidas de bar que vêm de fora e usam o leite de origem vegetal, como o matcha", por exemplo, agora em voga.
A importância do leite numa dieta equilibrada
No geral, é possível afirmar que, “para a maioria das pessoas, o consumo moderado de leite não é prejudicial”. Ainda assim é expectável que, caso a caso, a integração de lacticínios na alimentação seja menos recomendada.
“Existem algumas doenças do sistema digestivo em que é recomendado a eliminação de produtos lácteos que contribuem consideravelmente para a melhoria de diversos sintomas”, nota Daniela Duarte .
A prevalência de má absorção de lactose tem sido umas das principais razões para a má digestão do leite, bem como outras patologias do intestino que têm tendência para aumentar ao longo da vida, refere a nutricionista.
A intolerância à lactose “pode desenvolver-se em qualquer idade e pode aumentar com o envelhecimento devido à redução da produção da enzima lactase. No entanto, nem todas as pessoas desenvolvem essa intolerância ao longo da vida”, esclarece.
Marisa Costa adiciona que “na Roda dos Alimentos os laticínios representam 18% e devem ser ingeridas duas a três porções diárias, o que demonstra que o leite tem benefícios e deve ser consumido nas dores diárias recomendadas”. A APROLEP recomenda ainda que a integração na alimentação diária seja feita “de acordo com as necessidades e preferências individuais em todas as fases do ciclo de vida”.
Ética animal e consciência ambiental
Apesar de ser um alimento economicamente mais acessível, a mudança no consumo do leite, segundo a APROLEP, deve-se a “mitos e muita desinformação sobre o impacto da produção de leite no ambiente”. Um deles "põe em causa as condições de bem-estar animal, o que poderá levar alguns consumidores a optar por outros produtos não lácteos”.
Para clarificar as dúvidas sobre a ética de trabalho na agricultura, a APROLEP assegura que os produtores de leite e do setor agrícola fizeram “um trabalho absolutamente extraordinário no que diz respeito ao bem-estar animal e aos métodos de produção. Investiram em ferramentas que possibilitam a monitorização, controlo e otimização das atividades agrícolas como drones, sensores e satélites e têm as preocupações ambientais como uma prioridade”.
Em contrapartida, a ativista Catarina Barreiros defende que ainda há questões relativas "à segurança animal e ao bem-estar animal" que devem ser ponderadas, "não só para consumidores que se focam em escolhas mais sustentáveis, mas também para o consumidor em geral".
"Parece-me que a maior parte das pessoas prefere beber leite de vacas que, efetivamente, pastam, que não estão constantemente a serem maltratadas", nota, reconhecendo a questão como de interesse do público geral e não só dos produtores.
Neste sentido, diz que "existe uma vontade por parte dos produtores de corresponder cada vez mais a essas expectativas", mas o impacto ambiental é irrefutável. "Os metros cúbicos de utilização do solo, no leite de vaca, é maior em dez vezes do que na produção vegetal".
Segundo um estudo de Joseph Poore e Thomas Nemecek sobre o impacto da "utilização do solo, emissões de gás e efeitos de estufa, da utilização de água potável e eutrofização no ambiente, durante estes processos", o impacto da produção de leite de vaca "é muitíssimo elevada".

Catarina Barreiros explica que, "de uma maneira geral, o leite de vaca tem maior impacto do que qualquer alternativa vegetal, o que não significa que duas alternativas vegetais sejam iguais, nem significa que o leite vegetal seja sempre um inimigo". Na verdade, "existe, sim, maneira de produzir leite de forma mais meiguinha para com os animais e com menos impacto nos ecossistemas".
Segundo os dados, "esta não é a maneira como está a ser produzido a nível global", declara. No entanto, "não é assim para todos os produtores, nem para o bem, nem para o mal", sendo que se espera que a indústria "tenha a necessidade de se adequar a práticas mais responsáveis para com os animais e para com o planeta".
Para a ativista, importa saber também que "nas emissões de gás ao pé de estufa, por exemplo, a seguir ao leite de vaca está logo a bebida de arroz", lembra a ativista. A mais "equilibrada" é a bebida de soja, "o que não significa que esteja isenta de problemas, mas é bastante melhor".
Valorizar a agricultura e dotá-la de recursos
Acrescida à responsabilidade ambiente, “tem de haver um reconhecimento [da agricultura] como um serviço de interesse público, valorizado pela sociedade, reconhecido pelo contributo na economia”, defende a vice-presidente da APROLEP.
No que diz respeito à produção de leite, em particular, Marisa Costa avança que os produtores são os mais afetados por essa desvalorização: “Teremos cada vez menos produtores porque o preço pago aos produtores nacionais sempre foi dos mais baixos da Europa. Entre 2016 e 2021, Portugal foi dos países com o preço mais baixo o que fez com que muitos agricultores não investissem em modernizar e optassem por deixar a atividade”, que também não é atrativa para os jovens a terminar as suas formações — em Portugal, apenas 4% dos agricultores tem menos de 40 anos.
Ainda assim, acredita que “os lácteos continuaram a fazer parte da alimentação dos portugueses, até porque a própria indústria tem apostado na diferenciação dos produtos e em responder às necessidades dos consumidores”. Há uma “estagnação”, mas “os agricultores têm sido resilientes e capazes de superar todos os desafios e obstáculos”.
Ao contrário do leite, segundo a APROLEP, o consumo de nata e dos leites acidificados (incluindo iogurtes) tem aumentado.
Os substitutos de origem vegetal são boas opções?
“As bebidas vegetais apresentam características bastante diferentes consoante a base de que são feitas”, explica a nutricionista Daniela Duarte . “A bebida de soja é a única que se assemelha em termos de características nutricionais ao leite por ser fonte de proteína, mas já as bebidas com base de frutos secos como caju, amêndoa ou avelã são maioritariamente fonte de gordura e as bebidas de base com arroz e aveia são maioritariamente fonte de hidratos de carbono”.
Esta pode ser uma solução para quem procura alternativas ao leite, uma vez que “as bebidas vegetais são fortificadas em vitaminas e minerais”. É importante encontrar principalmente substitutos da vitamina D do cálcio, refere.
A vitamina D é “essencial com o avançar da idade”, pelo que é importante integrá-la na alimentação. Além do leite, está presente em alimentos como a gema de ovo, salmão, atum, óleo de fígado de bacalhau, cogumelos e sardinhas em conserva. Estes alimentos também são fontes de cálcio, tal como as “folhas verdes escuras, sementes e nozes”.
Além disso, a vitamina D também possui outras funções como regular o crescimento e a liberação de insulina, aumentar a imunidade, manter o bom funcionamento do sistema cardiovascular e estimular o metabolismo, fatores importantes para manter uma vida saudável na idade adulta.
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