
O PS perdeu mais de 365 mil votos num ano, o equivalente a 19 deputados. E, pela primeira vez na história da democracia em Portugal, já não é definitivo para aprovar ou travar mudanças importantes, como a revisão da Constituição.
À beira de se tornar a terceira força política na Assembleia da República - foi sempre primeira ou segunda, sempre parte do chamado arco do poder -, o Partido Socialista não teve nestas eleições o pior resultado de sempre - Almeida Santos, em 1985, ficou-se pelos 20,77%, 57 deputados; Vítor Constâncio, em 1987, obteve 22,24%, 60 deputados -, mas a máquina tremeu mais do que nunca com Pedro Nuno Santos.
Já vários partidos dominantes em países da União Europeia se tornaram irrelevantes ou quase desapareceram ao longo da história recente. O declínio pode acontecer por diversos motivos, de casos polémicos, ligados à corrupção ao não, ao surgimento de novos partidos, até à perda de identidade.
Há exemplos notáveis. A Democracia Cristã (Itália) foi dominante entre 1945 e o início dos anos 1990. Os escândalos de corrupção revelados pela operação "Mãos Limpas" e a fragmentação interna levaram à sua dissolução em 1994, com alguns dos seus membros a dispersarem-se por novos partidos, como a União dos Democratas-Cristãos e Democratas de Centro, fundado no final de 2002, ou o Forza Italia, que durou 15 anos.
Na Grécia, o PASOK (Movimento Socialista Pan-Helénico) foi predominante dos anos 80 a 2000, até ter sido responsabilizado pela crise da dívida grega e as medidas de austeridade que se seguiram. Para sobreviver, tornou-se parte da coligação KINAL (Movimento pela Mudança), em 2017. Tem hoje um papel marginal.
Em França, o Partido Socialista de François Mitterrand, fundado em 1969, liderou vários governos, mas é hoje irrelevante (menos de 2% no parlamento). Perdeu votos em 1995, com Lionel Jospin, recuperou em 2012, com François Hollande, mas com muita instabilidade interna. A fragmentação da esquerda, o desgaste no poder e a ascensão de Macron (centro) ou Mélenchon (esquerda radical) estão a fazer o resto da história.
Nos Países Baixos, o Partido do Trabalho (PvdA), dominou durante largo tempo, mas a perda de uma identidade clara e diversas coligações impopulares levaram à queda para 5,7%, em 2017. Mais recentemente, tenta ressurgir em coligação com os Verdes (GroenLinks).
Em Portugal, um partido com mais de 50 anos, o CDS, ficou fora do parlamento em 2022 (regressou coligado com PSD). À esquerda, o PCP, com o dobro da idade, perdeu 14 deputados em dez anos e o Bloco de Esquerda, de geração mais recente, mas já adulto, perdeu 18 deputados numa década. Será que é este o caminho que o PS está a trilhar?
PS esteve 27 anos no poder, 15 nos últimos 20
O futuro do PS está em causa. Pela primeira vez, a AD tem mais deputados do que a esquerda toda junta, o PS fica atrás de um partido de extrema-direita e não há bipolarização esquerda-direita em Portugal. "Ou [o PS] acaba com esta direção, ou a direção acaba com o partido", disse na CNN Sérgio Sousa Pinto, ex-deputado, que nestas eleições não quis integrar as controversas listas do Partido Socialista para a Assembleia da República.
O resultado "é uma calamidade para o Partido Socialista". Se alguma coisa revela - numas eleições em que a taxa de abstenção foi a mais baixa dos últimos 30 anos -, é que "o caminho que o PS está a fazer não serve". Não se trata apenas do último ano, trata-se dos últimos anos - e Pedro Nuno Santos esteve sempre lá, não basta admitir que "são tempos duros e difíceis para a esquerda, são tempos duros e difíceis para o Partido Socialista". É preciso mudar.
"Quando um partido está no governo 19 de 26 anos, Portugal torna-se mais México e menos Dinamarca", dizia o economista António Nogueira Leite ao SAPO24 na véspera das eleições de 2022, que deram ao PS uma maioria absoluta: 2.301.887 votos (quase mais um milhão), 41,37% e 120 deputados.
Desde 1976, o PS esteve 27 anos no poder, 15 dos quais nos últimos 20. Mário Soares, António Guterres, José Sócrates, António Costa. Em 1995, no primeiro governo Guterres, António Costa era ministro dos Assuntos Parlamentares. No segundo, ministro da Justiça. Atualmente, está como presidente do Conselho Europeu.
De lá para cá, ao contrário do que se dizia, Portugal não saiu da cauda da Europa, apesar dos mais de 100 mil milhões que recebeu em fundos comunitários. Só do PRR são mais de 22 mil milhões, um pacote financeiro sem precedentes, verbas que o país corre o risco de perder por falta de execução (ainda está nos 33%).
Os avisos de que Portugal em breve será ultrapassado pela Roménia vieram de todos os quadrantes políticos. Portugal continua a ter um Produto Interno Bruto (PIB) per capita superior ao da Roménia, mas a Roménia tem registado um crescimento económico mais acelerado nos últimos anos e se a tendência se mantiver, é possível que alcance ou ultrapasse Portugal nos próximos anos. Ajustado ao poder de compra, que considera as diferenças de custo de vida entre os países, a Roménia aproxima-se ainda mais. E Portugal tem 20 anos de avanço na União Europeia.
Mas é possível fazer outras comparações. Há 25 anos, a Estónia, que entrou para a UE em 2004, tinha um terço do PIB per capita português. Em 2024, o PIB per capita de Portugal foi de aproximadamente 26.700 euros, enquanto o da Estónia foi de cerca de 28.740 euros.
Francisco Seixas da Costa, secretário de Estado dos Assuntos Europeus nos dois governos liderados por António Guterres, diz que todos os indicadores mostram que hoje há mais qualidade de vida do que há vinte anos. Genericamente, é verdade, mas em duas décadas as expectativas aumentaram. Os portugueses sentem que estão melhor (os mais velhos), mas acreditam que podiam estar muito à frente. Estão longe de estar onde queriam e (sobretudo os mais novos) estão longe de estar onde lhes disseram que poderiam estar se se esforçassem.
Ana Gomes, histórica do PS, fala de "políticas públicas erradas prosseguidas nos anos da governação de António Costa", que "aumentaram desigualdades e ressentimentos". Anos depois, o país depara-se com grandes disparidades regionais, um rendimento médio baixo face a países desenvolvidos, precariedade laboral, fuga de cérebros, baixa confiança nas instituições, serviços públicos débeis.
"O PS nunca teve espírito reformista", esta é uma das críticas mais transversais ao Partido Socialista. "Estes 25 anos são a coisa mais frustrante que alguém que os tenha vivido pode ter", dizia António Nogueira Leite.
Além disso, há anos que o PS é criticado por se confundir com o Estado, discussão que subiu de tom nos últimos tempos e que reflete a preocupação sobre a separação entre o partido no poder e as instituições do Estado. "A administração pública passou a ser uma instituição onde muitos políticos passaram a ter os seus lugares de recuo", frase de António Nogueira Leite, "uma tradição portuguesa".
O Estado foi tomado sobretudo pelo Partido Socialista, que esteve mais tempo no poder, mas também, por outros partidos. O juiz José Santos Cabral, ex-diretor nacional da Polícia Judiciária e antigo conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, chamou-lhe "apoderamento" do aparelho de Estado e, numa entrevista à Rádio Renascença e ao jornal "Público", deu o exemplo das câmaras municipais e estruturas públicas de toda a ordem - institutos, observatórios, empresas -, onde se aplica a máxima: "Para os amigos tudo, para os inimigos nada, para os outros cumpra-se a lei".
Ainda não há muito tempo, PS e PSD trocavam galhardetes na Assembleia da República, durante o debate sobre o Estado da Nação, acusando-se mutuamente de terem parado no tempo, fossilizado. O diagnóstico estava feito, mas ninguém parece ter querido tratar a doença. Que foi alastrando e, no caso do PS, o deixou ligado ao ventilador.
Poderá José Luís Carneiro salvar o PS?
Costuma dizer-se que as coisas acabam quando se começa a falar no seu fim. Mas há quem não seja tão fatalista. Entre os que já perceberam tudo e os que ainda não perceberam nada, a Comissão Nacional do PS vai reunir-se no sábado para aprovar o calendário eleitoral - e, segundo Mariana Vieira da Silva, decidir o processo (primárias abertas ou indiretas).
Pedro Nuno Santos demitiu-se, mas não resistiu à tentação de condicionar a ação futura do PS: "A mim não cabe ser o suporte deste governo, e penso que esse papel também não deve caber ao Partido Socialista". Para Seixas da Costa, o PS tem liberdade para fazer o que quiser e PNS não devia obstaculizar".
Se alguns pedem prudência e análise profunda dos resultados, outros acreditam que tudo deve ser feito o mais rapidamente possível, até porque as autárquicas chegam logo depois do Verão e ainda é preciso lançar o candidato à Presidência da República.
Francisco Seixas da Costa defende um processo tranquilo e sem pressas. "O PS tem de refletir com serenidade" e "tem o tempo que quiser para o fazer. Afinal, os candidatos autárquicos" - e o Partido Socialista tem a maioria das câmaras - "já estão definidos".
Sérgio Sousa Pinto, favorito de muitos para liderar o partido, considerou logo na noite eleitoral "uma boa notícia que José Luís Carneiro avance" e disse que espera que "seja bem-sucedido no seu esforço congregador".
Para o ex-deputado, "o Partido Socialista tem de liderar a esquerda e tem de liderar as soluções que sejam autenticamente reformistas e progressistas para o país, transformadoras do país. E esse fôlego tem de vir de um partido com uma grande abertura à sociedade", disse.
Mas no PS, também há quem considere que José Luís Carneiro é um candidato de segunda: nas últimas eleições internas do partido ficou bem atrás de Pedro Nuno Santos (62%), com 36% dos votos, apesar do apoio de pesos pesados como Vera Jardim, Augusto Santos Silva, João Soares ou Fernando Medina. Mariana Vieira da Silva veio publicamente defender que há outras soluções, mas ao longo da semana foi refreando o discurso.
Terá José Luís Carneiro capacidade para liderar essa reforma interna? O que pretende para o país ficou claro na entrevista que então deu ao SAPO24: "Temos de ser claros: não proponho rupturas, proponho melhorias ou aperfeiçoamentos de opções de política". Será suficiente para inverter a trajetória do PS?
Duarte Carneiro e Fernando Medina foram pressionados para avançar com uma candidatura, mas recusaram. Francisco Seixas da Costa diz que é cedo para apontar preferidos. Acredita que nos resultados eleitorais pode estar refletida esta realidade: "Pedro Nuno Santos é a figura que no PS está ligada ao período da geringonça. Mas o tempo das medidas da troika esgotou-se, já não estamos aí. E temos um Bloco de Esquerda agressivo e um PCP que fez uma gestão pouco hábil em relação à Ucrânia, isolou-se".
Se o PS quer sobreviver, "tem de ter um discurso apelativo à faixa dos 18 aos 24 anos, que não se deixa conquistar com um discurso de acomodação", afirma o embaixador. "Esta é uma renovação que o partido vai ter de fazer, porque o eleitorado não tem sempre razão, mas tem razões".
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