O sábado de Donald Trump foi passado ao telefone. Um dia depois de ter recebido na Casa Branca a primeira-ministra britânica, Theresa May, o presidente dos EUA falou com quatro líderes mundiais: com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, com a chanceler alemã, Angela Merkel, com o presidente francês François Hollande e com primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe.
"De igual para igual"
Foi este o compromisso entre Trump e Putin, segundo um comunicado do Kremlin. Os dois presidentes manifestaram "vontade de trabalhar ativamente e em conjunto para estabilizar e desenvolver a cooperação russo-americana numa base construtiva, de igual para igual e mutuamente vantajosa”, informou Moscovo após o telefonema entre os dois líderes, naquele que é o primeiro contacto oficial entre os EUA e a Rússia desde que Donald Trump foi empossado, no passado dia 20 de janeiro.
Este não foi porém o primeiro contacto entre ambos. Putin e Trump conversaram por telefone em novembro, pouco depois das eleições americanas, e concordaram em "normalizar" as relações entre Moscovo e Washington, deterioradas pelo conflito na Ucrânia. Esse compromisso foi este sábado reforçado.
Segundo o Kremlin, os dois líderes terão realçado a importância de restaurar as ligações económicas entre os dois países, bem como a de estabilizar as suas relações.
Ainda nesta conversa, Trump e Putin definiram como prioridade a luta contra o terrorismo e a promoção de uma “coordenação real” contra o autoproclamado Estado Islâmico na Síria.
A Casa Branca já reagiu e qualificou conversa telefónica de "um começo significativo" para melhorar os laços entre Washington e Moscovo.
Vladimir Putin foi tema recorrente ao longo da campanha eleitoral. Os serviços secretos norte-americanos consideraram que a Rússia interferiu nas eleições presidenciais de 8 de novembro de 2016 para favorecer Donald Trump. Em causa está uma alegada campanha de ataques informáticos orquestradas pelo Kremlin. O caso resultou na expulsão de 35 diplomatas russos dos Estados Unidos, na aplicação de sanções económicas e no encerramento de duas instalações russas em Maryland e em Nova Iorque.
Obama endureceu o tom no final do seu mandato, mas Donald Trump optou sempre por manter uma relação cordial com o presidente russo, tendo mesmo colocado em causa as conclusões e a atuação dos serviços de inteligência norte-americanos neste caso.
"Se Putin gosta de Trump, eu considero isso um activo e não um risco. A Rússia pode ajudar-nos a combater o ISIS (o autoproclamado Estado Islâmico). Espero dar-me bem com Putin, mas é pouco provável. Mas alguém acha realmente que Hillary seria mais dura com Putin do que eu? Por favor… ", disse Trump a 11 de janeiro, na primeira conferência de imprensa após as eleições. Dias antes disse que "apenas pessoas estúpidas ou tontos" descartariam relações mais estreitas com a Rússia. Putin, por seu lado, chamou Trump de "homem brilhante e cheio de talento".
Depois de May, é Merkel a colocar NATO na agenda
No encontro desta sexta-feira com Theresa May, Donald Trump, pelas palavras da primeira-ministra britânica, confirmou o seu compromisso com a NATO, organização que criticou várias vezes, sobretudo porque considera que os EUA contribuem muito mais para a mesma do que os restantes aliados. May, face a isto, comprometeu-se a sensibilizar os homólogos europeus para a necessidade de uma distribuição mais justa dos esforços de financiamento à defesa comum. Agora foi Merkel, a chanceler alemã a insistir no tema.
"O presidente e a chanceler também estão de acordo na importância fundamental da Aliança da NATO como a mais ampla relação transatlântica e seu papel para assegurar a paz e a estabilidade da nossa comunidade no Atlântico Norte", destacou a Casa Branca num comunicado este sábado após o telefonema entre Merkel e Trump. A mesma nota informa, ainda, que Trump viajará em julho a Hamburgo para participar da cimeira do G20 e que receberá "muito em breve a chanceler em Washington".
Refugiados e os valores da Europa. Hollande endurece o discurso
O presidente francês François Hollande, que se deslocou este sábado a Lisboa para a cimeira dos países de sul da Europa, também esteve ao telefone com o homólogo norte-americano. A Trump, Hollande pediu que respeite o princípio de "acolhimento de refugiados" e advertiu-o para as consequências de uma atitude protecionista, segundo um comunicado da Presidência francesa.
Hollande abordou ainda vários outros temas, nomeadamente o conflito Sírio, a importância do compromisso ambiental alcançado na Cimeira de Paris (CPO21) - no sentido de travar o aquecimento global -, o acordo nuclear com o Irão e o conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
O presidente francês reafirmou "a sua determinação para continuar com as ações empreendidas no Iraque e na Síria". "A solução para a situação na Síria" deve ser encontrada num “marco político, auspiciado pelas Nações Unidas". "Nenhuma outra solução seria nem duradoura, nem confiável", reforçou.
Sobre o Irão, Hollande defendeu que o programa nuclear deverá ser "estritamente respeitado e aplicado". No que respeita as relações Rússia - Ucrânia, "as sanções vinculadas à situação na Ucrânia" só poderão "ser suspensas quando a situação no leste do país" estiver "solucionada com a aplicação total dos acordos de Minsk".
Apesar de só ter falado com Trump ao final do dia, Hollande já tinha abordado este telefonema durante o dia de sábado, em Lisboa. À imprensa disse que é preciso responder a Trump e defender os valores europeus.
"Os discursos que escutamos nos Estados Unidos encorajam o populismo extremista. A ideia de que já não há Europa, de que já não é necessário estarmos juntos, de que é necessário pôr em causa o acordo sobre o clima, o protecionismo", enunciou Hollande.
"Quando há declarações do Presidente dos EUA sobre a Europa e a falar do modelo do ‘Brexit’, penso que devemos responder-lhe. Quando o Presidente dos EUA evoca o clima para dizer que não está convencido da utilidade do acordo [de Paris, sobre alterações climáticas], devemos responder-lhe. Quando ameaça com medidas protecionistas, que podem destabilizar as economias, não somente as europeias, mas as economias dos principais países do mundo, devemos responder-lhe. Quando ele recusa acolher refugiados, depois de a Europa ter cumprido o seu dever, devemos responder-lhe", sublinhou.
O desafio que se coloca, agora, à União Europeia é afirmar os seus "valores, princípios e interesses", e isso é o que estará em causa em 25 de março, quando se assinalarão, em Roma, os 60 anos da assinatura dos tratados fundadores do bloco europeu, lembrou. "A Europa não é protecionista, não é fechada, tem valores e tem princípios", salientou o presidente francês em Lisboa, após a fotografia de família, durante a cimeira de países do sul da Europa.
Segurança do Japão é compromisso de Trump
Ainda nesta ronda de conversas telefónicas, Trump teve a oportunidade de falar com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe. Nesta conversa, o presidente norte-americano confirmou o "forte compromisso" do seu país com a segurança do Japão, informou a Casa Branca em comunicado.
A mesma nova dá conta que o novo secretário de Defesa, James Mattis, viajará "em breve" para o Japão. Shinzo Abe será recebido por Trump a 10 de fevereiro, em Washington.
A conversa aconteceu poucos dias depois de o presidente Trump ter anunciado formalmente a saída dos Estados Unidos do Tratado de Livre Comércio Transpacífico (TPP), do qual o Japão é um dos signatários.
Estas conversas deram oportunidade a Trump de explicar à comunidade internacional algumas das suas decisões dos últimos dias, como por exemplo a assinatura de um decreto que visa reforçar o controlo de fronteiras e que suspende a emissão de vistos e a receção de refugiados.
A Casa Branca não revelou ainda o conteúdo do decreto, mas segundo o projeto divulgado pelo Washington Post, as autoridades norte-americanas vão suspender por pelo menos 30 dias a emissão de vistos para os cidadãos de sete países muçulmanos: Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria ou Iémen. O texto deverá também prever a suspensão durante quatro meses do programa federal de admissão e reinstalação de refugiados de países em guerra, um programa humanitário ambicioso criado por uma lei do Congresso em 1980.
Em resposta à medida, o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, afirmou que o seu país "vai receber" os refugiados rejeitados pelo Presidente dos Estados Unidos.
As autoridades já começaram a implementar as ordens de Trump. Viajantes foram retidos em aeroportos poucas horas após a assinatura do decreto. Segundo o jornal The New York Times, os agentes aeroportuários começaram na sexta-feira à noite a barrar viajantes após o anúncio do decreto.
Várias associações americanas de defesa dos direitos civis reagiram de imediato e apresentaram um recurso judicial contra a ordem de Trump. A ação foi apresentada num tribunal federal de Nova Iorque pela União Americana das Liberdades Civis (ACLU) e outras associações depois de dois iraquianos terem sido detidos na sexta-feira à noite no aeroporto JFK (Nova Iorque) com base no decreto recém-promulgado, escreve a AFP.
Os primeiros dias de liderança de Trump foram igualmente marcados pelo agudizar das relações entre os EUA e o México. No centro da discórdia está o muro que o presidente norte-americano prometeu construir na fronteira com o país liderado por Peña Nieto. O caso evoluiu de tal forma que Nieto cancelou uma visita que tinha marcada aos EUA após uma provocação de Trump, que reitera vezes sem conta que o México irá pagar pelo muro.
A construção deste muro fronteiriço, que visa travar a entrada de imigrantes ilegais no território americano, foi uma das propostas mais polémicas de Trump durante a campanha eleitoral para as presidenciais de novembro do ano passado.
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