Já no final de um depoimento que no total durou perto de 10 horas, prestado no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, Ricardo Salgado pediu desculpa ao advogado do Banco de Portugal João Raposo pela sua recusa, invocando o “julgamento sumário” de que foi alvo por parte do governador Carlos Costa no dia 3 de agosto de 2014, quando este o acusou de ter cometido “atos fraudulentos” sem lhe dar o direito de defesa.

“Uma pessoa nas funções como tem o senhor governador do Banco de Portugal (BdP) não pode estar a fazer acusações no dia 3 de agosto, liminares, sem dar direito de defesa à pessoa que ele está a acusar. Quanto a mim isso é uma irresponsabilidade muito grande”, declarou, citando a reação que teve na altura o “ilustre jurista”, e amigo, Miguel Veiga.

Para Ricardo Salgado, Carlos Costa quis, “fundamentalmente, justificar o desastre com a assinatura da resolução” do banco.

Durante o depoimento, o antigo banqueiro não conseguiu esconder alguma emoção quando falou sobre o comportamento do governador do Banco de Portugal numa fase em que acreditava que o Banco Espírito Santo (BES) podia ainda ser salvo, já que tinha havido uma ação de aumento de capital (na qual o próprio investiu) bem-sucedida e havia investidores estrangeiros interessados.

Ricardo Salgado disse ainda já não ter memória para as vezes que procurou o então Presidente da República, Cavaco Silva, e o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, a “pedir atenção” para a situação do banco, lamentando que, ao contrário do que sucedeu noutros Estados, não tenha encontrado ajuda e lhe tenha sido “tirado o tapete”.

Ricardo Salgado lamentou que Passos Coelho não só não tivesse ajudado o banco a encontrar “uma perna portuguesa” como “divulgou publicamente o não”, o que teve “um efeito reputacional devastador”.

“Isto foi regar com gasolina”, declarou, sublinhando que, se tivesse havido reserva, ainda teria sido colocada a emissão internacional que estava a ser preparada.

Afirmando que não faz política, Ricardo Salgado lamentou ainda hoje ser “castigado por conotações políticas”, que assegurou nunca ter tido, e por ser “colado indevidamente ao Governo de José Sócrates, como tentaram”, questões que irá “explicar” nas “memórias” que está a escrever.

Sobre o julgamento do pedido de impugnação da contraordenação de 4,0 milhões de euros aplicada pelo Banco de Portugal (BdP) por comercialização de título de dívida da Espírito Santo Internacional (ESI) junto de clientes do banco, que decorre no TCRS desde 06 de março e que hoje concluiu a fase de produção de prova testemunhal, Ricardo Salgado disse à Lusa esperar “sinceramente” que “se faça justiça”.

Salgado frisou que “durante muitos anos” não houve “alertas” para a necessidade de consolidação e de auditoria das contas da ESI por parte das entidades às quais estas eram submetidas, nem do Luxemburgo nem da Reserva Federal.

O antigo banqueiro reafirmou ainda que a colocação do papel comercial junto dos clientes do Banco de Investimento e do BES não foi uma decisão sua, mas de todos os membros da comissão executiva.

“O que nós não sabíamos é que havia uma enfermidade nas contas grave, que eu só vim a perceber em meados de novembro de 2013”, afirmou, sublinhando que quando soube do passivo de 1,3 mil milhões de euros foi como "uma bomba que rebentou nas mãos" e uma "enorme surpresa".

Afirmando que o BES “não merecia este destino que veio a ter”, Salgado lembrou que o Banco Espírito Santo "era o banco mais antigo de Portugal na época".

"As raízes do banco tinham 150 anos e era a marca mais valiosa do mercado português. Recordo que ainda em 2011 a marca foi avaliada quase em mil milhões de euros e, mesmo em 2014, ainda teve uma avaliação de 650 milhões de euros, apesar das baixas enormes dos valores dos bancos provocadas pela crise”, declarou.

Ricardo Salgado lamentou que, hoje, “praticamente” já não haja bancos portugueses.

“É uma pena. Naquela altura ainda procuravam defender os bancos portugueses, naquela altura em que foram reprivatizados, porque o Estado português naquela altura não deixava os grupos estrangeiros deterem mais de um terço do capital dos bancos. Hoje não acontece e não há grupos financeiros portugueses”, disse.