Futuro. Juntos. Pessoas. Fazer. Todos. Estas são as palavras mais repetidas nos cartazes das diversas forças políticas e movimentos independentes que concorrem às eleições autárquicas deste domingo, 26.
Da rotunda de Chaves, km 0, à rotunda de Faro, 738 quilómetros mais à frente, não há candidato ou candidata que se preze que não coloque as pessoas no centro da ação política. Dão a cara, prometem fazer obra e apregoam, com a ajuda de todos, um futuro melhor para o concelho e freguesia à qual se candidatam.
É o bem comum, de todos, das pessoas, a ilustrar o altruísmo político do país real.
Ao todo, a Estrada Nacional 2 atravessa 11 dos 18 distritos portugueses e o SAPO24 meteu-se ao caminho no sentido inverso da quilometragem, de baixo (Faro), para cima (Chaves), do atlântico a Trás-os-Montes, em dois domingos, o primeiro de Faro a Montemor-o-Velho, durante a pré-campanha, segundo, já em plena campanha, de Montemor a Chaves.
Ao percorrer o asfalto da Route 66 portuguesa, uma tendência salta à vista: a inovação parou no tempo quando se olha para os slogans políticos. A tal promessa de fazer, de juntar todos, de primazia às pessoas como razão de ser dos projetos. As frases, entrelaçadas com uma ou outra roupagem nova, repetem-se ad nauseam. Tal e qual um disco riscado.
Mais de 90% dos cartazes são acompanhados por estas frases. Ao lado das mensagens, estão caras, os rostos de quem se candidata. Ocupam 99% do marketing político. Por vezes, há só uma face — “eu é que sou o presidente da Junta” —, mas há quem opte por ter duplas, triplas e quádruplas impressas. No meio do apelo ao voto, optam por mostrar a equipa camarária e a força de um coletivo. Outros ainda elegem a tática de avivar a memória coletiva ao colocar cartazes que apelam ao voto no partido e não num candidato em particular.
E muitas vezes, em baixo ou ao lado da palavra futuro, figuram rostos que parecem perdidos num tempo passado. Há candidatos mais velhos e menos velhos. Jovens. Muitos jovens. “Eles”, os tais “jotas” andam aí. Alguns aparentam até ser demasiado imberbes, como é o caso em Vila Nova de Poiares, em há cartazes com a seguinte legenda: “estudante universitário”.
Há muitos homens, mas também mulheres, procurando desta forma contrariar esta ideia de que a política ainda é um mundo de homens. Veja-se em Torrão (CDU), Mora (PS), Ponte de Sor (BE), nas freguesias de Abrantes e Alferrarede (Movimento Alternativa) e da Cumieira (CAF, movimento independente), Pedrogão Grande (Chega), Vila Nova de Poiares (PSD), Viseu (PAN) e Santa Marta de Penaguião (coligação PSD-CDS).
A maioria dos candidatos e candidatas posam para a fotografia de camisa: uns enrolaram as mangas, outros cruzam os braços. Uns aparecem em “casual chic” e há quem assuma de forma antecipada o cargo presidente com o fato e gravata.
A comunicação política espalhada pelos 738 quilómetros enfrenta um concorrente de peso: o marketing autónomo da estrada com 75 anos de história (1945-2020) celebrados no ano passado.
Marcos de cor amarela de dimensões consideráveis, pintadas com o número 75 e N2 vão pontuando o caminho. A sinalética N2 aparece em modelo "vintage" nos antigos marcos de estrada, presos ao alcatrão ou em novas tabuletas a indicar a rota, entre outras informações de utilidade pública.
A estrada da “moda” não é uma reta desenhada a regra e esquadro, em que se entra e sai sem dificuldade ao longo de um percurso feito por 35 concelhos e 11 cidades, as de maior importância sitas a norte, como Viseu e Vila Real, capitais de distrito.
Através do Plano Rodoviário Nacional de 1945 ganha a classificação de Estrada Nacional nº 2. Ao longo dos anos sofreu cortes, acrescentos e remendos. Os cinco troços que a compões beijam, ao de leve, caminhos municipais, outras estradas nacionais e, hoje, fruto do progresso, está integrada em estradas (IP3 e IP4) e autoestradas (A24).
Um aviso à navegação: para quem se perder entre os cinco troços de uma só estrada, fica, siga o motard que estiver mais à mão. Para baixo e para cima, de malas coladas ou caixas traseiras, deslizam pela estrada.
Mais, Renascer, Acordar, Refrescar e Acreditar inovam na monótona e monocromática mensagem política. A temática local de “Regresso” de uma freguesia ao mapa político luta também pela conquista de votos.
Todo o metro quadrado parece justificar a colagem da propaganda política. Cartazes de dimensões consideráveis em gigantes rotundas, bem no meio delas, postes de eletricidade, árvores, paragens de transportes rodoviários e colados em paredes. Não há canto, quadrado, retângulo ou geometria redonda em que os candidatos e partidos não dêem a cara. Sempre a prometer um futuro melhor para a freguesia, vila, cidade ou concelho.
Nos 738 quilómetros feitos na estrada amarela, ligando a terra soprada pelo vento soão até à cidade para lá do Marão, entre curvas e contra curvas, retas, planícies e serras, das oliveiras intensivas a sul ao Douro Vinhateiro a norte, passando os sobreiros, eucaliptos e outras madeiras ao centro, há algo que confere uma espécie de unidade territorial.
O Partido Socialista é a força política de maior presença efetiva no território, transformando-o num mapa cor-de-rosa. Uma estratégia elucidativa seguindo à risca a máxima de que o combate nacional também se ganha a nível local.
Ações políticas, arruadas e caravanas são escassas e mornas por estas estradas. Exceção feita, na eventualidade dos líderes dos principais partidos de aí se deslocarem.
André Ventura, líder do Chega, tem o “glocal” na mente. Quer conquistar o país, já o assumiu. E, nessa ambição, o caminho passa pela estreia nas conquistas no poder local depois de ter um assento na Assembleia da República. Por isso, a cara do deputado e líder partidário, com honrosas exceções em que dá o palco a quem se apresentar a escrutínio naquela localidade, está presente em quase todos os cartazes dos candidatos (as), da rotunda de Faro à rotunda de Chaves. Ora ao lado direito, ora ao lado esquerdo do (s) candidato (as), ora isolado, na dianteira de uma camioneta, mudando, conforme a posição de fato e gravata. Uma postura monocromática. Tal como as frases nos cartazes políticos.
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