
Posta em cena pela companhia Os Possessos, a peça entra em cartaz na quinta-feira, no Teatro Carlos Alberto, no Porto, pouco mais de um ano após a sua estreia no antigo Teatro da Politécnica, em Lisboa, num dos derradeiros espetáculos apresentados nessa sala dos Artistas Unidos, que participam na produção.
“Victor ou as crianças no poder” é a mais conhecida obra de Roger Vitrac (1899-1952), nome do movimento Dada e do Surrealismo francês, cofundador do Teatro Alfred-Jarry com Antonin Artaud, que a dirigiu na sua estreia, em 1928.
Drama em três atos, “Victor ou as crianças no poder” oscila entre lirismo, ironia e subversão da ordem burguesa, do ponto de vista de uma criança que lança um olhar mordaz sobre o mundo dos adultos, a sua ordem e alienação, reclamando liberdade e pondo em causa convenções sociais e familiares.
A ação centra-se em duas famílias abastadas, os Paumelle, pais de Victor, e os Magneau, pais de Esther. Tudo decorre em Paris, num só serão, no tempo de um jantar, entre as 20:00 e a meia-noite de 12 de setembro de 1909, quando Victor faz 9 anos e diz de imediato ao que vai: “Não espero nem mais um ano para ser adulto. Estou decidido a ser alguém e é já!”
O texto, “se calhar, tem muito pouco” a ver com infância, disse o encenador João Pedro Mamede à Lusa, quando da estreia, em fevereiro de 2024. A infância, porém, acaba por ser usada como “pretexto ou ponto de partida do autor para perspetivar ou mesmo julgar” o mundo em volta.
Numa obra difícil “de encaixotar”, as ações acabam por imiscuir-se umas nas outras, pautando-se o quotidiano dos Paumelle e dos Magneau por “uma espécie de ampliação surrealista”, que “eleva a peça a um absurdo de gente meio obcecada e fútil”, sem que nenhuma personagem se ajude a si mesma nem às outras.
Portadoras de memória histórica “meio adulterada pelas suas fantasias”, as personagens sofrem de “uma ignorância e alienação grandes”, o que traça um paralelismo com a atualidade, disse o encenador.
Segundo João Pedro Mamede, a companhia optou assim por levar a obra a palco “como drama”. “O mais melancólico possível para também ter mais piada”, e para que “as coisas tenham o recorte necessário relativo a esta contemporaneidade, ao momento em que estamos”, “no meio de várias” guerras, frisou. “Não há paz”.
Os Possessos foram fundados por Catarina Rôlo Salgueiro, João Pedro Mamede e Nuno Gonçalo Rodrigues, em janeiro de 2014.
Roger Vitrac morreu em Paris, aos 53 anos. Poeta e dramaturgo, escreveu em 1922 a sua primeira obra para cena, “La Fenêtre Vorace”, entretanto perdida.
O autor conheceu o dadaísmo, juntou-se depois aos surrealistas de André Breton, que o expulsou do movimento em 1926. O mesmo aconteceu a Artaud com quem Vitrac fundou o Teatro Alfred Jarry, em homenagem ao autor de “Rei Ubu”. Esta estrutura, que estreou “Victor ou as crianças no poder”, esteve ativa até 1930.
O êxito da obra, porém, chegou tarde. Só em 1962, depois de o dramaturgo e encenador Jean Anouilh a ter dirigido no Théâtre de l’Ambigu, foi reconhecida a sua importância como precursora do teatro do absurdo e estabelecido o seu lugar no repertório.
Em Portugal, foi posta em cena em 1970, pelo Teatro Estúdio de Lisboa, de Luzia Maria Martins, e em 1987, pela Comuna, de João Mota.
“Victor ou as crianças no poder”, pel’Os Possessos, conta com os atores Henrique Gil, André Pardal, Ana Amaral, Catarina Rôlo Salgueiro, Isabel Costa, Rafael Gomes, Mia Tomé, Inês Reis, Leonardo Garibaldi, Leonor Buescu e António Simão. A cenografia é de Bruno Bogarim.
“Victor ou as crianças no poder” fica em cena no Teatro Carlos Alberto até domingo.
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