O mais recente romance da autora britânica, de 79 anos, o primeiro traduzido em Portugal e o último da sua carreira como romancista, é uma reflexão sobre o “desastre” que é a velhice e sobre a forma como se morre.
O título - “Sobe a maré negra” - é uma citação de um poema de D. H. Lawrence sobre a mortalidade, apresentado logo no início do romance, que diz: “O corpo vai morrendo aos bocados e, tímida, a alma vê apagar-se a sua pegada quando sobe a maré negra”.
É sobre essa morte lenta do corpo e a forma como se morre que a autora reflete, através da personagem principal, Fran (Francesca) Stubbs, uma mulher nos 70 anos que cultiva um “profundo interesse” pela frase “não se pode dizer que uma mulher é feliz até que morra”.
“Alguma coisa tão terrível pode acontecer no final da vida que desfaz toda a felicidade que se teve”, explicou Margaret Drabble, em entrevista à Lusa.
A autora afirma reconhecer-se na sua personagem, uma mulher que tem horror a um fim de vida de decrepitude e que “tem já idade bastante para não morrer nova e demasiados anos para escapar aos joanetes e à artrite, (…) ao desgaste instalado”.
“Envelhecer é sempre um desastre, mas o mais preocupante é que atualmente a velhice se prolonga até um estágio em que fatalmente será um desastre. Acho que é melhor ter uma morte espetacular do que morrer lentamente agarrado a uma máquina”, afirma Margaret Drabble, que defende “programas de morte assistida, cuidadosamente monitorizados”.
Critica para com os dispositivos e os medicamentos que prolongam a vida muito para além daquilo que considera razoável – e essa razoabilidade termina no momento em que a pessoa decide que “a vida já não vale a pena viver e escolhe morrer” -, defende os dispositivos que tornam a vida na velhice mais segura e confortável.
Em “Sobe a maré negra”, uma mulher morre abandonada na sua casa de banho após um ataque cardíaco muito leve, porque não conseguiu abrir a porta para pedir ajuda. “Tivesse ela um puxador de tipo alavanca em vez de uma antiquada maçaneta de rodar e ainda hoje estaria viva”.
“É bom viver na própria casa com toda a proteção que se pode e todos os dispositivos e meios que permitam isso. A fronteira é quando se fica à mercê da medicina. Deveríamos repensar quando a vida acaba”.
A Francesca Stubbs da história é divorciada, tem dois filhos adultos, já ultrapassou a idade da reforma, mas continua a trabalhar, é saudável, tem carro próprio e cuidados alimentares – a frugalidade e os pequenos prazeres, como um “ovo cozido na perfeição, com a gema mole e a clara firme” - mantém-se ativa, percorre as estradas de Inglaterra para visitar idosos internados em alojamentos para idosos.
Um retrato partilhado em grande parte pela autora, que se inspirou no seu círculo de convivência para escrever o romance: “Eu estou a ficar velha, os meus amigos estão a ficar velhos, uma grande amiga minha morreu quando eu estava a escrever o livro. Estou muito consciente da forma como as pessoas envelhecem e estou curiosa com o que a vida significa à medida que envelhecemos”.
“Sobe a maré negra” alude também ao sentido literal e figurativo de subida da maré: o aumento das inundações, fruto do aquecimento global, e a vaga de migrantes que constantemente chegam à costa mediterrânica, temas que preocupam a autora e a protagonista da história.
“As alterações climáticas são um grande problema e apesar de muita gente nova estar envolvida e ter consciência ecológica, tem um impacto mínimo, porque são os governantes que tomam as decisões. Interesso-me pelo contraste entre as pequenas coisas que podemos fazer na nossa vida e as grandes forças comerciais a funcionar”, afirmou.
“Quanto aos refugiados, é a mesma coisa. É tudo uma questão de vontade política, que não há. Os governos não sabem o que fazer, não se querem comprometer, porque é dispendioso, cria antagonismos, e assim permitem o avanço da extrema-direita”, considerou, criticando o movimento antirrefugiados em crescimento na Europa, e a própria Inglaterra, que “não acolhe imigrantes suficientes, comprometendo-se com números que não cumpre”.
No livro, a filha de Fran Stubbs é uma ambientalista que vive em Inglaterra e monitoriza, através do seu computador, as alterações climáticas que se vão operando no mundo.
Na ilha de Lanzarote, vive outra personagem, Bennet Carpenter, que certo dia escorrega e cai, no momento em que a ambientalista nota um ligeiro movimento vulcânico nas ilhas, uma alusão da autora à forma como um desastre natural tem impacto no resto do planeta.
A escolha das Canárias, e em particular da ilha de Lanzarote, para desenvolver, em segundo plano, o enredo de “Sobe a maré negra” tem “razões pessoais”, já que durante 15 anos, Margaret Drabble e o marido, fizeram férias naquelas ilhas vulcânicas, também frequentadas pela escritora Iris Murdoch e o marido, contou.
Sobre José Saramago, que também viveu durante os últimos anos em Lanzarote, Margaret Drabble afirmou ter-se correspondido com ele (nunca o conheceu) e contou uma história “difícil de acreditar”.
“Recebi um email dele, que acho que era para outra pessoa, julgo que ele o queria enviar para Margaret Jull Costa, a sua tradutora, porque os nossos emails são muito parecidos. Só que ele já tinha morrido, então foi como uma mensagem enviada da sepultura, como um fantasma a falar. Eu adoro o seu trabalho, adoro, e foi interessante esta pequena mensagem”, revelou, brincando: “Com emails isto acontece, as coisas andam por aí no ciberespaço e descem quando decidem”.
“Sobe a maré negra” encerra a sua carreira como romancista, porque a morte da filha, no ano passado levou-lhe também “a vida criativa”. “Talvez escreva um conto” – admite -, mas quanto ao resto, vai ficar-se por textos jornalísticos e revisões.
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