
Maria Abranches trabalhou como arquiteta até fazer o curso de fotografia do ArCo e estagiar no jornal Público, onde continua a colaborar como fotojornalista. Colabora também com a Reuters, o The Guardian e a Fundação Calouste Gulbenkian como fotógrafa documental independente com interesse em questões de direitos humanos.
A finalista serve-se da fotografia para destacar questões críticas, amplificar vozes marginalizadas e provocar a reflexão e a mudança, tal como o faz com "MARIA", o projeto que a levou à final do World Press Photo.
"MARIA", uma história sobre o dia-a-dia de Ana Maria, uma mulher que nasceu em Angola, foi trazida para Portugal com nove anos e, nas suas palavras, "passou a vida inteira a limpar". Com uma história comum a inúmeras mulheres que trabalham como cuidadoras de saúde, "cujo contributo silencioso construiu, moldou e sustenta o mundo como o conhecemos", Ana Maria inspirou o trabalho de Maria Branches, que lhe concedeu o reconhecimento internacional, refere, numa publicação nas redes sociais.
Foi na 5ª Edição da Masterclass Narrativa, orientada pelo fotógrafo Mário Cruz, vencedor de dois Prémios World Press Photo, que desenvolveu este trabalho: a vida de uma mulher angolana que "representa a resiliência, sacrifício e o trabalho escondido que sustenta o mundo", acrescenta. Além disso, reflete sobre privilégio de um país "marcado pelo passado colonial", que olha para "MARIA" é ainda, "de certa forma, uma homenagem à presença secular africana em Portugal, que também foi determinante para construir a identidade portuguesa".
O trabalho foi vencedor do Prémio Cortona On The Move 2024, de uma menção honrosa no Prémio Novos Talentos Fnac 2024, e finalista do Blow Up Press Book Award e do APhF Dummy Award.
No concurso World Press Photo, considerado dos maiores concursos da área de fotojornalismo, a fotógrafa portuguesa venceu na categoria História da região Europa. O júri considerou o trabalho "comovente e profundamente complexo": "A fotógrafa conseguiu conectar-se com o seu modelo de forma respeitosa, registando diferentes momentos do seu quotidiano. Através destes enquadramentos intimistas, o fotógrafo destaca detalhes reveladores — lembretes simbólicos das consequências persistentes do passado colonial de Portugal. A obra desperta a reflexão sobre a forma como esta história continua a moldar as estruturas sociais de hoje", lê-se no site do World Press Photo.
Em declarações à Lusa, horas depois de o prémio ser anunciado, a fotógrafa partilhou ter "esperança que a visibilidade de um trabalho sobre as cicatrizes que foram deixadas pelo colonialismo português possa ser um ponto de partida para o debate sobre a reparação histórica".
"Esse é o meu principal objetivo, e também fazer uma homenagem a todas estas mulheres, que, como a Ana Maria, dedicam as suas vidas a construir o mundo e a permitir que as pessoas e as instituições continuem as suas vidas", acrescenta.
Reconhecendo que houve já "muitas tentativas de outras pessoas" para colocar a reparação histórica no seio da discussão pública, Maria Abranches defende que "já se devia ter começado a falar mais sobre isso do que se fala".
"Acho que nunca foi um tema que tivesse a atenção que merece, e acho que seria determinante para mudar um bocado as estruturas sociais do nosso país, que se mantêm desde o colonialismo, e o racismo, que vem como consequência disso", afirmou.
No total, foram agora distinguidos 42 trabalhos, escolhidos a partir de quase 60 mil candidaturas feitas por 3778 fotógrafos de 171 países. A Fotografia do Ano foi entregue hoje a Samar Abu Elouf, com imagem de um menino palestiniano de nove anos que perdeu ambos os braços durante um ataque israelita na Faixa de Gaza.
*Com Lusa
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