Wonderful Losers, que estreou na terça-feira com a presença do realizador e faz parte da seleção do festival Porto BEAST, dedicado ao cinema da Europa de Leste, tem um título que, em tradução livre, significa ‘maravilhosos perdedores’.
O documentário dedica-se a seguir a cauda do pelotão durante as edições de 2014 e 2015 do Giro, acompanhando as quedas, os momentos em que os gregários, elementos de uma equipa que trabalham para os líderes, se deslocam aos carros de apoio para recolher bidões de água ou alimentos, mas também quando falam com os médicos da prova.
Ao longo do filme, Matelis entrevista vários dos mais famosos ‘domestiques’ dos últimos anos do ciclismo, do canadiano Svein Tuft ao italiano Paolo Tiralongo, o dinamarquês Chris Anker Sorensen ou o holandês Jos van Emden, para entender o que os faz colocar “a glória no seu sacrifício”.
“Em Itália, muitos jornalistas me perguntaram porque é que decidi olhar para os gregários. Eu disse-lhes que eles eram 95% de qualquer pelotão. Como é que isto era surpreendente? O ciclismo não é sobre os vencedores, é sobre os gregários”, atira o realizador.
Premiado em vários festivais pela Europa, como em Varsóvia, acabou por ser indicado pela Lituânia aos Óscares de 2018, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Documentário, e o realizador aproxima a viagem de um pelotão “a uma espécie de mosteiro com monges que aderem a uma série de regras não verbais”.
“Em Varsóvia, fui surpreendido porque recebi o grande prémio e o júri disse-me: ‘não percebemos de ciclismo, mas não vemos isto como um filme sobre ciclismo, antes uma metáfora para a vida’. Eu queria que as pessoas tivessem essa sensação”, refere Matelis.
Como um “ciclista falhado em jovem, sem nunca ganhar qualquer corrida”, a “paixão” pelo desporto liga-se, aqui, à ideia de “que toda a gente sozinha não faz nada, mas há uma ideia idealista deste desporto, uma noção que o mundo podia ser melhor”.
“Há também um lado filosófico, porque enquanto estiveres na bicicleta, só consegues estar de pé se estiveres a pedalar, e isso é como na vida, em que não podes parar e tens de seguir em frente. Perguntei a um ciclista, embora não inclua isso no filme, porque é que se sujeitava às quedas, a andar na traseira. Ele disse-me que quando corria, se sentia parte de uma tribo de pessoas livres”, conta.
O filme foi o primeiro independente em 45 anos a poder filmar no Giro, e demorou oito anos a ser realizado, num processo que começou com pedidos de autorização e pagamento de licenças e culminou com Arunas e a mulher, Algimante Mateliene, produtora da obra, a venderem a casa para o acabar.
Sobre a reação da organização e da imprensa, esta foi “pequena” ao início, mas depois da indicação ao Óscar, cederam o troféu original da prova para uma estreia em Los Angeles.
“Perceberam que o filme servia para mandar uma mensagem ao mundo, que não se tratasse só de doping, depois de Lance Armstrong. Foi importante para mostrar que a paixão, e não o doping, é o que dá força a 99% dos ciclistas”, comenta.
O assumido “viciado em ciclismo” tem um projeto sobre uma equipa feminina que forjou passaportes para participar em corridas em França, “a viver em caravana e a dormir em parques”, até porque este olhar vem também do “sonho não realizado de ser ciclista”.
“Há a importância de um jovem de 14 ou 15 anos estar numa equipa e ser feliz assim, abre um mundo diferente em que não têm de ser fortes sozinhos, mas em equipa”, assinala.
A par dos ciclistas, Wonderful Losers mostra também a perspetiva do carro de apoio médico, por uma questão de “enquadramento, porque ali os ciclistas não têm tempo de chorar ou mostrar a dor”.
“Têm de continuar sempre e sempre vi ali um paralelo com a guerra. Por outro lado, há uma conexão entre os gregários sacrificarem-se pela glória de outros e os médicos sacrificarem-se pelos outros. É uma vida baseada nisto”, atira.
Além da missão de “trazer a glória para os gregários”, porque “mesmo quem gosta de ciclismo não reconhece quem está por detrás de ciclistas como Vincenzo Nibali ou Alberto Contador”, o filme permitiu também olhar para as “mudanças mentais” de ciclistas que, chegados ao topo, têm de se conformar em não lutar pela vitória e antes trabalhar para um líder.
“Toda a gente é forte e pode ganhar etapas, basta ver Chris Froome ou Geraint Thomas, que eram gregários e passaram a capitães. (...) Mas há uma mudança na vontade de ser o melhor e depois torna-se uma forma de escravidão. Têm de descobrir significado e felicidade naquele papel e descobrir uma irmandade, para chegar a uma vitória partilhada pelos destinos de todos os companheiros”, afirma.
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