
Em Portugal, surgem, por ano, cerca de 400 novos casos de crianças e jovens com cancro. Este diagnóstico tem um enorme impacto na vida da criança ou jovem mas também na sua família. São várias as exigências que estas famílias enfrentam: a instabilidade do percurso da doença, as alterações na logística dos dias e das rotinas familiares, lidar e cuidar os efeitos secundários dos tratamentos.
Paralelamente, importa referir uma realidade — talvez menos visível para quem por ela não passa — mas devastadora para quem tem um filho com cancro: as dificuldades financeiras que surgem quando os pais, naturalmente, colocam a vida profissional em pausa para cuidar do filho.
Os pais da Rita conhecem bem esta realidade. Sabem que ser pai e mãe de uma criança com cancro é viver todos os dias entre a esperança e o medo, entre a coragem e a fragilidade. Mas, para lá de todo o impacto emocional, há uma realidade que vivem, muitas vezes, em silêncio: o impacto financeiro associado à doença. Quando a Rita foi diagnosticada com cancro, a prioridade deixou de ser o trabalho. A prioridade – dos pais da Rita e de tantos outros pais — passa a ser a criança ou jovem doente, estar com ele em cada tratamento, acalmar cada choro, cada dúvida ou insegurança, entender e explicar cada procedimento, fazer o melhor que sabem no meio de tanta incerteza. O pagamento da renda, no início de cada mês, era uma dessas incertezas. Solicitaram o subsídio para assistência a filho com deficiência, doença crónica ou doença oncológica. Este demorou mais tempo do que gostariam a chegar, esperaram quatro meses e, ainda assim, quando veio não foi suficiente para fazer face às despesas que aumentaram.
Para estas famílias como a da Rita, o Estado reconhece a necessidade de um dos cuidadores suspender, temporariamente, a sua atividade profissional, disponibilizando este subsídio. No entanto, importa referir que este subsídio é pago apenas a 65% da remuneração de referência, com o limite máximo mensal de duas vezes o valor do IAS (o valor do IAS em 2025 é de 522,50€), criando um fosso significativo entre aquilo que as famílias precisam e o que efetivamente recebem.
A matemática é simples e dura para as vidas a quem toca esta realidade. De um lado, os rendimentos caem substancialmente. Do outro, as despesas disparam. Como podemos comprovar num inquérito nacional realizado pela Acreditar em 2024, que contou com a participação de 472 famílias. Percebemos que a média mensal, entre mais gastos e menos rendimento, é de 654,45€. São mais 21% do que em 2017, ano em que Acreditar fez um inquérito idêntico a nível nacional.
Para muitas famílias de crianças com cancro, viver com 65% do rendimento mensal significa abdicar do essencial. Significa escolher entre pagar a renda ou cobrir o custo das várias deslocações para o hospital. Entre ter uma alimentação mais cuidada e especializada ou adquirir produtos de apoio necessários para o bem-estar dos seus filhos que estão doentes. Significa depender de redes informais de apoio, pedir ajuda a familiares, a instituições ou contrair dívidas.
Mas esta é uma realidade que o Estado não reconhece.
Os pais da bebé Francisca, com apenas oito meses, tiveram, recentemente, o pior diagnóstico naquela que deveria ser a fase mais bonita das suas vidas – a sua bebé tem cancro. A mãe da Francisca solicitou o subsídio de acompanhamento, o pai, não teve outra hipótese, colocou férias (como se isto fosse um período ao qual se pode chamar férias!). Aquilo que o pai da Francisca sabia é que não conseguia regressar ao seu trabalho no dia a seguir ao diagnóstico da sua filha. Sabia que não conseguia deixar a sua família no hospital, ir trabalhar e focar-se nas suas tarefas enquanto a Francisca iniciava o seu primeiro ciclo de quimioterapia. Sabia que queria estar presente para a sua filha.
Esta é também uma realidade que o Estado não reconhece: a necessidade de, em momentos críticos do processo de doença, como é o caso do diagnóstico, os dois cuidadores poderem acompanhar os seus filhos. A adaptação às necessidades constantes das crianças e jovens com cancro exige flexibilidade, disponibilidade, resiliência e uma capacidade de resposta emocional e física contínua por parte dos pais.
Quando será tempo de repensarmos estas políticas? Este modelo de apoio não responde às exigências reais de uma família em contexto oncológico. Ao não garantir o mesmo rendimento que a família auferia antes do diagnóstico, o sistema falha porque não protege quem já se encontra numa situação de extrema vulnerabilidade. Falha em não reconhecer a necessidade dos pais estarem presentes, nem compreender o verdadeiro custo de o fazerem. A estabilidade financeira não devia ser o preço a pagar por quem não escolheu receber aquele diagnóstico e só quer amar e cuidar dos seus filhos.
A Acreditar – Associação de Pais e de Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994 com o objetivo de minimizar o impacto da doença oncológica na criança, no jovem e na sua família. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, jurídico entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica.
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