Um atributo distintivo, mas não um superpoder

Os seres humanos têm a capacidade cognitiva única de pensar sobre a sua própria mente e a dos outros. Conseguimos fazer inferências sobre os estados mentais de outras pessoas – o que elas pretendem, pensam, sentem e acreditam – e de usá-las para «compreender e prever o comportamento». Fazemo-lo ao longo do dia, de uma forma quase reflexiva, em todas as nossas interações sociais.

A nossa capacidade de discernir o que outra pessoa pode estar a pensar é a base das nossas interações sociais – uma aptidão social importante que a maioria das pessoas começa a desenvolver na primeira infância. Ziv Williams, médico, professor associado de neurocirurgia na Harvard Medical School, observa: «Quando interagimos, devemos ser capazes de fazer previsões sobre as intenções e os pensamentos não-declarados de outra pessoa. Esta capacidade exige que tracemos uma imagem mental das convicções de alguém, o que implica reconhecer que essas convicções podem ser diferentes das nossas e avaliar se são verdadeiras ou falsas.»

Todos nós somos leitores de mentes, uns melhores do que outros, mas seremos muito bons a discernir o que está na mente de outras pessoas? O Professor Nicholas Epley, doutorado da Universidade de Chicago, e os seus colegas organizaram uma experiência simples para descobrir isso.

Epley separou casais apaixonados em salas diferentes. Um dos parceiros recebeu uma série de vinte declarações e opiniões com as quais ele ou ela tinha de concordar ou discordar, variando numa escala de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). As declarações eram do género: «Se tivesse de viver de novo a minha vida, certamente faria as coisas de outra forma»; «Gostava de passar um ano em Londres ou Paris»; e «Prefiro passar uma noite tranquila em casa a ir a uma festa». Na sala ao lado, o outro elemento do casal previa como é que o seu parceiro responderia a cada pergunta. Essa pessoa também tinha de calcular o número de respostas que julgava ter acertado.

Patrícia Reis junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 27 de fevereiro, uma quinta-feirapelas 21h00. Consigo traz "A Desobediente - Biografia de Maria Teresa Horta", publicada pela Contraponto.

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Mais do que uma narrativa biográfica, "esta obra é uma conversa íntima, em vários momentos sussurrada ao ouvido, com uma mulher, poetisa, mãe, ativista política e uma das vozes mais influentes e inquebrantáveis de Portugal", lê-se na sinopse do livro.

Saiba mais neste artigo.

Os casais estavam juntos, em média, há 10,3 anos, o que corresponde a uma fase da relação em que a conclusão das frases ganha força. Os pares casados eram 58%. Todos os participantes conseguiriam, presumivelmente, ler melhor as mentes dos seus parceiros do que leriam as mentes de estranhos. Caso contrário, isso poderia levar a uma longa viagem de carro para casa.

Como seria de imaginar, a capacidade dos parceiros em inferir os pensamentos e sentimentos dos respetivos cônjuges era melhor do que a adivinhação aleatória – mas não muito. A adivinhação aleatória permitiria que alguém previsse corretamente 2,85 respostas, enquanto os parceiros responderam de forma correta a 4,9 das 20 perguntas.

Mais revelador do que a precisão da leitura da mente foi o fosso entre a aptidão percecionada para discernir com exatidão os pensamentos do parceiro e a aptidão real. Embora, em média, tivessem respondido corretamente a 4,9 das perguntas, acreditavam terem previsto de forma correta 12,6 das 20 perguntas. Por outras palavras, achamo-nos muito melhores do que na realidade somos quando se trata de saber o que se passa na cabeça de outra pessoa. Nas palavras de Epley: «O problema é que a confiança que temos nesse sentido supera em muito a nossa aptidão real, e a confiança que temos na nossa opinião raramente nos proporciona uma noção acertada de quão precisos somos na realidade».

O teste de Epley mostrou como as nossas capacidades de leitura da mente são de facto reduzidas. E as pessoas que ele encarregou de adivinhar os pensamentos de outras não lhes eram desconhecidas. Ele recrutou cônjuges – pessoas que viveram juntas vários anos das suas vidas. Pessoas que conheciam os detalhes íntimos da vida uma da outra.

Se somos tão maus a prever o que as pessoas mais próximas estão a pensar, imagine-se como somos a prever o que nossos amigos, chefes, colegas, mentores e estranhos pensam sobre nós.

A questão é que gastamos muito tempo e recursos mentais obcecados com coisas sobre as quais, provavelmente, estamos errados. Sendo alguém que lida com profissionais ligados a elevados desempenhos, posso afirmar que nunca deparei com um leitor de mentes de elevado desempenho. Na verdade, todos nós somos maus nisso.

A convicção demasiado comum de que sabemos o que alguém está a pensar e o que essa pessoa está a pensar sobre nós é muitas vezes o fósforo que acende o fogo do FOPO. Agimos ou reagimos de forma preventiva aos nossos próprios pensamentos, que podem ou não ser verdadeiros. Temos a certeza de saber o que alguém sente por nós, mas, a menos que na realidade ele expresse o que está a pensar, o nosso «saber» é apenas especulação. Na maioria das vezes, estamos apenas a enredar os nossos pensamentos numa história que confere sentido ao mundo naquele momento. É simplesmente a nossa interpretação dessa experiência. E essa interação é, com frequência, mal orientada, distorcida ou por completo errada. Nas palavras do psicólogo Daniel Kahneman, galardoado com o Prémio Nobel: «Temos, em geral, excessiva confiança nas nossas opiniões, impressões e juízos. Exageramos na forma como o mundo é reconhecível.»

Pergunte em vez de intuir

Ou talvez precisemos apenas de nos colocar no lugar de alguém para entender o que se passa na sua mente. Epley conduziu uma série de experiências, com a Professora Doutora Mary Steffel e com Tal Eyal, para averiguar se assumindo ativamente a perspetiva de outra pessoa conseguimos prever os seus pensamentos, sentimentos, atitudes ou outros estados mentais com maior precisão. Dale Carnegie encorajou os leitores nessa direção no seu guia motivacional clássico, de 1935, How to Win Friends and Influence People. O seu oitavo princípio é: «Tente, com sinceridade, apreciar as coisas do ponto de vista da outra pessoa». Parece ser do senso comum que se imaginarmos, com sinceridade, o ponto de vista psicológico de outra pessoa, teremos uma melhor noção do que se passa na sua mente.

Bem, não é exatamente assim.

Livro: "A Primeira Regra da Mestria"

Autor: Michael Gervais com Kevin Lake

Editora: Ideias de Ler

Data de Lançamento: 20 de fevereiro de 2025

Preço: € 16,65

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Nos resultados das suas experiências não se encontraram provas de que considerar ativamente a perspetiva de outra pessoa aumentasse, de forma sistemática, a capacidade de ler a sua mente. «Quando muito, assumir a perspetiva diminuía a precisão geral, enquanto aumentava por vezes a confiança na opinião.»

O que é que dificulta a nossa capacidade de discernir o que vai na mente de outra pessoa? O que nos impede de conhecer na realidade as suas opiniões e intuir a intenção e o significado por trás das suas palavras? Estamos a tentar descodificar o sistema mais complicado e ajustável do Universo. Estimamos que o cérebro humano tem cerca de 86 mil milhões de neurónios. Cada neurónio pode estar diretamente ligado por meio de sinapses a cerca de mil a dez mil outros neurónios, de acordo com V. S. Ramachandran, um neurocientista e diretor do Centro para o Cérebro e a Cognição, da Universidade da Califórnia, em San Diego.

Dada a complexidade da mente humana, há uma estratégia que o estudo de Eyal, Steffel e Epley considerou valiosa para entender o que se passa na mente de outra pessoa.

Inquérito.

Em vez de assumir a perspetiva de alguém, pergunte-lhe. A perceção mais exata dos pensamentos, palavras, convicções e opiniões de outra pessoa decorre de lhe pedir que descreva o que «está a acontecer na sua mente num contexto em que o possa relatar de forma sincera e precisa».

Se tem dúvidas sobre a opinião de alguém, deixe de adivinhar, pergunte-lhe diretamente e ouça.