Lídia Jorge escreveu e proferiu um discurso no 10 de Junho, celebrado este ano em Lagos, e rápidas como o rastilho mais reles e perigoso surgiram imagens da escritora com excertos falsos do mesmo discurso. Porque o que disse não interessa a alguns. Não dá jeito.

Do princípio ao fim, o discurso de Lídia Jorge reúne várias ideias que promovem o que hoje surge como impossível e indesejável: o pensamento. Perguntar quem somos, que seres humanos somos e que causas abraçamos, não importa, não é relevante. Pelo contrário, confronta directamente a agenda de muitos.

Um discurso humanista que recorda quem fomos com o nosso maior poeta, como o destratámos, e como fomos como colonizadores, está ao arrepio do que se pretende.

Todas as coisas são políticas. A literatura tem esse poder e, também por isso, os tempos são de calar os que se tornam inconvenientes. Ter memória e cultura é, repito-me, indesejável. Uma maçada, uma impertinência. Que seja colocado na boca de uma escritora frases que não disse e que estas levem a um ataque imediato é sinal dos tempos. No discurso de Lídia Jorge estão lá estes avisos, essa ideia de que a rapidez da tecnologia é uma contra-revolução que confunde, mente, subverte. Leiam o discurso.

Trata-se de um tratado de promoção de pensamento e de debate democrático, livre, humanista. O resto, o que por aí anda a desdizer e a construir outras realidades, é poderoso, decerto, mas só nos faz mal. Não nos leva ao futuro que deveríamos desejar, não está impregnado de boas ideias ou de intenções saudáveis. Não vos deixais condicionar pela maldade. Camões sabia o que era a maldade, escreveu sobre ela. Os tempos são outros dirão. Está certo, mas a maldade é igual, o fito é o mesmo: o poder de pôr o pé em cima do outro, a submissão do mais fraco, a inveja a corroer. Os tempos precisam de discursos como este. Façamos por o cumprir, entender e fazer melhor.