Através de uma fotografia, a aplicação verifica se a barbatana fotografada consta da base de dados, permitindo identificar os diferentes indivíduos golfinhos entre as "milhares de fotos possíveis".
"Criei uma aplicação muito simples, mas que funciona muito bem. Basicamente, classifico a barbatana e o programa ajuda-me a procurar nas milhares de fotos possíveis que tenho se existe algum 'match' [quando a fotografia corresponde a um indivíduo] ou não", explica Rafael Martins à agência Lusa.
A confirmação da correspondência permite aprofundar conhecimentos sobre as espécies, sobretudo ao nível das famílias existentes na região e das rotas de migração, uma "questão de que nos cetáceos não se sabe praticamente nada", assinala.
Rafael Martins, que diz sempre ter sido "muito ligado ao mar", é funcionário de uma empresa de observação de baleias e golfinhos, a Futurismo, e criou a aplicação no âmbito do mestrado que frequenta, em Biodiversidade e Biotecnologia na Universidade dos Açores.
A ideia surgiu devido à necessidade de arranjar um método de análise, uma vez que "perdia dias e dias" a comparar "montes de fotografias" impressas para distinguir os golfinhos.
"Há pessoal que desenha à mão os riscos da barbatana, outros têm milhares de fotos todas impressas e espalham tudo numa mesa até encontrar semelhanças", explica.
O jovem de 24 anos reuniu as fotos captadas desde 2004 pela empresa onde trabalha, selecionou as duas melhores de cada animal (do lado esquerdo e direito) e recortou-as, criando um "catálogo com quase 600 animais" - são 579 ao todo.
O programa, que para já "só corre" no computador do jovem, é capaz de identificar "qualquer espécie com barbatana", mas o biólogo apenas o utiliza para analisar a espécie que estuda, o golfinho-de-risso ('grampus griséus').
A barbatana funciona como "impressão digital" devido às cicatrizes que estes animais fazem em períodos de socialização e de acasalamento, utilizadas para identificá-los de uma "forma não evasiva", ao contrário, por exemplo, de amostras de ADN.
Devido à aplicação, além de ter descoberto uma família de 12 golfinhos residentes na ilha de São Miguel, já obteve resultados que lhe permitem refutar a ideia de que os golfinhos estão distribuídos por ilhas no arquipélago.
Através de uma fotografia publicada no Facebook por uma investigadora do Pico, Rafael descobriu que um golfinho que é visto muitas vezes naquela ilha já "tinha passado algumas vezes por São Miguel".
"Pensava-se que os golfinhos eram residentes por cada ilha, mas agora começa-se a perceber que, se calhar, devíamos começar a vê-los como residentes nos Açores e não por ilha. Faz mais sentido ter um catálogo dos Açores ou do Atlântico Norte, estes animais movem-se imenso", afirma.
Rafael Martins já teve a oportunidade de demonstrar a aplicação na Bélgica e em Espanha, onde esteve no World Marine Mammal Conference, em dezembro de 2019. Em ambos os países, o ‘feedback’ foi "muito positivo".
Os turistas que o acompanham nas viagens de observação de cetáceos ficam surpreendidos quando notam que o jovem biólogo é capaz de distinguir entre um golfinho residente, que vê regularmente, ou outro que nunca viu.
"As pessoas ficam muito interessadas. Quando chego a terra, faço logo ‘upload’ das fotos para a aplicação e costumo fazer a parte de identificação com os turistas, que começam a perceber que há muito mais do que mostrar apenas baleias e golfinhos. Há cuidado em estudar e perceber os animais", conclui o jovem, que afirma querer "andar atrás de baleias e golfinhos" para o resto da vida.
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