Há toda uma sequência de números e de factos extraordinária.
O karma é tramado.
Em 2014, a Volkswagen vendeu quase 600 mil carros nos Estados Unidos. Essas vendas representaram cerca de 6% das vendas globais da marca alemã. As exportações de carros valem à Alemanha cerca de 200 mil milhões de euros. Um quinto das exportações totais. Na Alemanha, 775 mil pessoas trabalham na indústria automóvel. Quase dois por cento da força total de trabalho.
Na semana passada, a Agência de Protecção Ambiental nos Estados Unidos ordenou que fossem retirados do mercado cerca de 482 mil Volkswagens devido à detecção de um software fraudulento que simulava as emissões de gases nos veículos a diesel. O software, conhecido como “defeat device”, enganava os valores de poluição. Sem o software usado nos testes de controlo, os carros da marca alemã poluiam 10 a 40 vezes mais. Este software foi colocado em carros vendidos entre 2009 e 2015.
Por causa de tudo isto, a Volkswagen pode enfrentar multas no valor de 18 mil milhões de dólares nos Estados Unidos. Nada que não possa pagar – é uma companhia de contas robustas, à alemã, que gerou em 2014 cerca de 24 mil milhões de dólares de cashflow.
Os mercados não gostaram e na segunda-feira, dia 21 de setembro, as acções da Volkswagen caíram cerca de 23% na praça de Frankfurt, perdendo 15,6 mil milhões de euros.
Os analistas também ficaram preocupados. A economia alemã tem uma forte dependência do sector automóvel e as perdas da Volkswagen podem colocar em causa o crescimento previsto de 1,8% para 2015. Depois do abrandamento na China, acontece isto e os analistas abanam a cabeça, preocupados. Não é bom.
“De um momento para o outro, a Volkswagen tornou-se um maior risco de desacelaração para a economia alemã do que a crise da dívida grega”. Disse o economista-chefe do ING à Reuters. O ING é um grupo financeiro de origem holandesa, um dos nomes de referência no mercado global e europeu. Joerg Kraemer, economista-chefe do Commerzbank, não acredita que toda a indústria automóvel alemã seja posta em causa por causa da VW, mas admitiu, também à Reuters, que pode haver um efeito dominó de erosão da marca de confiança “made in Germany”. O Commerzbank é um grupo financeiro de origem alemã e um dos nomes de referência no mercado global e europeu.
Na quarta-feira, Martin Winterkorn, CEO da Volkswagen desde 2007, apresentou a sua demissão. Os problemas da marca nos Estados Unidos vieram a público na semana em que renovava o seu contrato. Poderá ter direito a uma pensão de 28,57 milhões de euros e a 3,2 milhões de euros de indemnização. São números apurados pelo Financial Times e pela Bloomberg a partir do salário anual de 1,617 milhões de euros declarado nos relatórios da Volkswagen.
É uma sequência de números e de factos extraordinária.
Uma sequência por onde passam aqueles temas que se tornaram tão familiares nos últimos anos. Globalização, mercados, confiança, batota, moral, responsabilidade. O mundo era tão mais simples dividido entre os bons, de boas contas, e os maus, que fazem batota. Se calhar somos todos mais parecidos do que diferentes. Às vezes bons, às vezes nem por isso.
Karma is a bitch.
Tenham um bom fim de semana!
Leituras sugeridas:
O editor de Economia da BBC e autor do documentário “Como a China enganou o mundo” escreve sobre o ‘novo normal’ naquele país. Vem a propósito e vale a pena ler.
Sem a Catalunha, a Espanha não seria a Espanha. É o que se escreve neste artigo do El País, assinado por Pedro Sánchez, secretário-geral do PSOE, a escassos dois dias de umas eleições regionais que podem abanar toda a União Europeia. Já começamos a ficar habituados a isto, são tempos interessantes os que vivemos.
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