
Começar um processo psicoterapêutico é um passo importante para o autoconhecimento e a mudança, mas como saber quando chegou a altura de seguir sem ele? Apesar dos inúmeros benefícios da terapia, é importante estar atento a sinais que possam indicar uma dependência excessiva desse espaço.
Quando a dependência emocional faz parte do processo
Em algumas abordagens psicoterapêuticas, especialmente no trabalho com perturbações de personalidade, a criação de um vínculo forte e potencialmente dependente com o psicoterapeuta pode ser não só inevitável, mas também necessária numa fase inicial do processo. Pessoas que passaram por relações instáveis, abusivas ou negligentes têm na relação terapêutica muitas vezes a primeira relação das suas vidas onde se sentem vistas, compreendidas e emocionalmente amparadas. Como esta experiência é tão completamente nova, faz sentido que, inicialmente, estes clientes precisem da segurança da psicoterapia para poderem dar os primeiros passos e trabalharem em novas formas interpessoais de estar e sentir.
No geral, mas em particular nestes casos, a terapia funciona como um modelo de relação segura, onde o cliente aprende, pouco a pouco, a confiar e a regular as suas emoções com a ajuda do terapeuta. Essa dependência inicial não significa fraqueza ou imaturidade emocional; pelo contrário, é essencial para aprender a criar relações mais saudáveis fora do consultório e para, com o tempo, o terapeuta ser uma figura de apoio, aceitação e afeto, internalizada pelo cliente. Como acontece quando somos pequenos, precisamos de umas mãos crescidas para agarrar enquanto damos os primeiros passos, mas uma vez desenvolvida essa capacidade, seguimos pelo próprio pé para o resto das nossas vidas.
Sinais de possível dependência da terapia
Apesar de a terapia proporcionar um ambiente seguro para explorar emoções e desafios, é importante reconhecer quando pode estar a tornar-se uma dependência excessiva:
- Sentir que não consegue tomar decisões sem consultar o/a seu/sua terapeuta.
A Ana quer mudar de emprego, mas, em vez de pesar os prós e contras por conta própria, sente que só pode tomar essa decisão depois de discutir detalhadamente com seu terapeuta. Mesmo para pequenas escolhas, como qual curso fazer ou se deve aceitar um convite para sair, ela sente a necessidade de validação do terapeuta antes de agir.
- Medo intenso de encerrar o processo, mesmo quando os objetivos iniciais já foram trabalhados e conquistados.
O João começou a terapia para lidar com crises de ansiedade e, após um ano, aprendeu técnicas de regulação emocional e sente-se mais seguro na sua rotina. No entanto, sempre que o terapeuta sugere discutir um plano de alta, o João sente um pânico intenso e tenta encontrar novos problemas para justificar a continuação da terapia, mesmo sem precisar dela como antes.
- Falta de autonomia emocional fora das sessões, com recurso excessivo a mensagens ou e-mails para o/a terapeuta.
A Sofia envia mensagens ao terapeuta várias vezes por semana sempre que sente insegurança ou tristeza, esperando respostas imediatas. Em vez de tentar aplicar as estratégias que aprendeu na terapia, ela depende do contacto com o terapeuta para se acalmar, tornando-se incapaz de lidar com as emoções por conta própria.
- Quando a terapia se torna apenas um espaço de desabafo, sem aplicação prática das ferramentas aprendidas.
O Pedro chega às sessões e passa o tempo inteiro a debitar problemas da semana. Até agora, ainda não aplicou nenhuma das sugestões ou estratégias que o terapeuta lhe deu. Diz que quer mudar, mas evita qualquer esforço para modificar os seus padrões, tratando a terapia apenas como um espaço para descarregar frustrações.
O perigo das psicoterapias sem direção ou objetivos
Nem sempre a dependência excessiva vem do cliente. Em alguns casos, a falta de um plano terapêutico claro pode levar a uma terapia sem objetivos definidos, dificultando o progresso e a alta. Quando a terapia se torna um espaço onde o cliente apenas desabafa sem que haja uma orientação estruturada para a mudança, o terapeuta pode acabar por reforçar a estagnação em vez de promover o desenvolvimento.
Um bom psicoterapeuta sabe que o seu papel é, um dia, deixar de ser necessário: ajudar o cliente a crescer e, eventualmente, a seguir o seu caminho sozinho, com todos os ganhos que a relação terapêutica lhe trouxe, incluindo confiança e autonomia.
A psicoterapia não deve ser um compromisso perpétuo, mas sim um processo com metas progressivas e revisões periódicas sobre o progresso do cliente.
Recorde-se: é agente do seu próprio processo terapêutico. Se sentir que está a repetir os mesmos temas sem mudanças significativas ou que não há sequer um plano ou objetivos definidos para a sua evolução, pode ser importante conversar com o seu psicoterapeuta sobre a direção do processo.
Como saber se é hora de parar?
O cumprimento dos objetivos terapêuticos é habitualmente um bom sinal para psicoterapeuta e cliente voltarem a conversar sobre o processo e reavaliar o impacto da psicoterapia.
Nem sempre é fácil reconhecer o momento ideal para encerrar um processo terapêutico, mas há alguns pontos a que podemos prestar atenção e que podem indicar que o processo está bem encaminhado e que poderá ser importante diminuir a frequência das sessões ou mesmo começar a antecipar a alta:
- Sente-se confiante e capaz de lidar com os desafios do dia a dia.
A Mariana iniciou a terapia num momento de grande instabilidade emocional, sentindo-se incapaz de gerir conflitos no trabalho e na vida pessoal. Com o tempo, aprendeu a reconhecer os seus gatilhos emocionais e a aplicar estratégias para resolver problemas de forma mais tranquila. Agora, percebe que, mesmo quando surge um desafio inesperado, consegue manter a calma e tomar decisões de forma autónoma.
- Os temas trazidos à sessão tornaram-se mais reflexivos do que problemáticos.
A Inês percebeu que, nas últimas sessões, já não sente necessidade de trazer questões urgentes ou crises emocionais. Em vez disso, os temas passaram a ser mais reflexivos, como revisitar memórias, ou situações do dia-a-dia e compreender melhor padrões de comportamento.
- Sente que já tem ferramentas suficientes para gerir a sua saúde mental.
O Miguel costumava evitar conflitos por medo da rejeição. Depois de meses de trabalho terapêutico, já consegue comunicar os seus limites de forma assertiva e enfrentar conversas difíceis sem se sentir dominado pela ansiedade.
- Consegue escutar o/a seu/sua psicólogo dentro de si!
A Teresa notou que, em situações desafiantes, consegue lembrar-se do que o seu terapeuta diria e aplicar as aprendizagens das sessões de forma natural. Antes, sentia-se perdida sem as orientações externas; agora, sente que carrega dentro de si as ferramentas que adquiriu, como se tivesse internalizado a voz do terapeuta para tomar decisões de forma independente.
A psicoterapia é um exercício de transformação. Caminhar sozinho não significa um adeus definitivo, mas sim uma conquista: a certeza de que possui as ferramentas necessárias para seguir em frente, sabendo que sempre pode voltar, se precisar. Está pronto para dar esse passo?
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