Após ser apenas quatro vezes melhor do Mundo, ter sido outras parcas quatro vezes vencedor da Champions, competição onde já marcou uns míseros 105 golos, sendo que na carreira toda marcou aqueles frugais 600 e ter conquistado um irrelevante Campeonato da Europa pela Seleção, Ronaldo ainda não é consensual no seu país.

Ou bem que o português é Ronaldo all the way, diz hala Madrid por medo de cometer um crime lesa-pátria e passou a fazer slut shaming à Irina por sentir que também fazia parte da relação; ou então é firme opositor do madeirense, vendo-lhe a arrogância acima da qualidade, olhando mais para os números do cabeleireiro do que da performance, saudando com lágrimas nos olhos o talento desperdiçado de Fábio Paim. Há ainda o grotesco maniqueísmo Ronaldo / Messi, como se não fosse possível admirar o fugaz momento histórico que vivemos, em que ambos partilham o Mundo, tipo Tordesilhas do balonpié, Mundo que mais tarde ou mais cedo ficará refém de astros do futebol. Em suma, Portugal é um país complexado com a sua maior figura.

A verdade é que Ronaldo é um português herói, mas não é um herói tipicamente português. Ronaldo quer e consegue, não tem aquela hubris inconsciente de S. Sebastião, não é alcoólico como Pessoa, não é ingénuo como Viriato. É o maior, sabe disso e admite que sabe disso. Todavia, para que sejam amplamente admirados, os heróis em Portugal têm de ter, colocados a escrutínio, um elenco de defeitos patentes que sabotem consistentemente a sua grandeza. É uma questão de proximidade com os não-heróis. Tais defeitos funcionam como um antídoto para a inveja, um mecanismo de defesa para que não nos sintamos mal com aquilo que alcançámos comparativamente.

Acresce a isso o facto de, em Portugal, quem for objetivamente bom na sua área tem de ter uma sobredose de cautela humilde. Aliás, a autoconfiança é amplamente mais permitida nos que são tremendamente incompetentes do que nos que são indubitavelmente bons. O sucesso, esse corruptor, é visto como uma perversão do ser português. E para os portugueses que não têm assim tanto sucesso, o sucesso alheio provoca uma indignação instrumentalizada pela frustração, como se quem tenha mérito tivesse infringido uma lei da mediocridade, apresentada a todos os portugueses à nascença. “Ei, então? Ser bom não vale! Disseram-me que era ilegal ser bom! Afinal dá para ser bom? Mudam as regras do nada? Assim também eu!”.

Não é preciso gostar de Ronaldo puramente por Ronaldo ser português. Não é uma questão de nacionalismo bacoco, porque Ronaldo dá todas as razões para ser admirado, sendo que a menos relevante — e a que faz de nós sortudos — é ter nascido em território nacional. Ronaldo é objetivamente o maior. O que mais impressiona em Ronaldo é que ele, não tendo qualquer necessidade provar ser bom, é constantemente melhor do que ele próprio, sendo que ele em si já é comprovadamente óptimo. Desconheço como carbura a indústria dos instrumentos de cordas, mas tenho sérias dúvidas de que se produzam violas suficientes neste país para suprir a necessidade de as enfiar no saco.

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