Quem melhor do que os outros para decidir que temos de aguentar seja qual for o nosso grau e duração do sofrimento? Ninguém. Muito menos nós próprios.
O PCP já veio dizer que vai votar contra porque a vitória do “sim” seria uma retrocesso civilizacional. E claro que para o PCP, vivendo actualmente estes bonitos tempos de União Soviética, não faz sentido ir ainda mais para trás no tempo. Quem também já veio manifestar a sua opinião foi o ex-Presidente da República, Cavaco Silva. Surpreendeu muita gente, logo pelo facto de não só não estar morto, e ainda mais por conseguir falar e dizer as coisas bonitas que disse. Disse então Cavaco que a legalização da eutanásia é “a decisão mais grave que o Parlamento pode tomar” e questiona como é os deputados podem ignorar as posições das várias religiões em que os portugueses se revêem. Cavaco, como sempre, moderno, pensador, pragmático e oportuno a pôr o dedo na ferida. Como é que um Estado laico pode ousar pensar na sociedade sem ser influenciado pela religião? Todos sabemos que isto de ser laico não é para ser levado a sério e o país até estaria bem melhor se todas as decisões para a sociedade fossem tomadas no Santuário de Fátima. Se assim fosse, é possível que metade do Orçamento do Estado fosse gasto em velas e terços fluorescentes, mas como também já foi provado cientificamente, quanto mais um país reza, melhor fica.
Portanto, o projecto de lei que vai a votos, diz que só se pode pedir a eutanásia, através de um médico, pessoas maiores de 18 anos, sem problemas ou doenças mentais, em situação de sofrimento e com doença incurável, sendo necessário confirmar várias vezes essa vontade. Mas Cavaco, e tanta gente, defende que nem nestas condições. Porquê? Porque só Deus (e Cavaco e os outros todos, menos o próprio) é que sabem quando é que tempo de partir. Estás numa cama em estado vegetal, sem qualquer esperança de recuperação e a sofrer horrores? Aguenta até Deus, ou o Cavaco e os outros todos menos tu, quiser. É de um egoísmo atroz só pensares no teu sofrimento, tu que estás condenado a ser uma beterraba a desterrar-se em dor numa cama, e não nos sentimentozinhos de quem está cheio de saúde, a comer marisco à beira-mar depois de um manhã de jogging, e que fica tão melindrado com a situação.
Enfim, esperemos que para a semana vença o “não”. E que, desta forma, o país continue a avançar. A seguir é voltar a criminalizar o aborto, o suicídio e o consumo de drogas, e proibir o casamento gay. Mais para a frente, é proibir também o veganismo que aquilo não tem jeito nenhum.
Portugal na vanguarda.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- Feira do Livro: Nem tenho de vos dizer porquê.
- Tig: Comediante muito, muito, engraçada. A ver na Netflix.
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