Mas enquanto a tantos lhes estranha a diferença, a mim estranha-me muito mais essa ausência de questionamento, e o medo – mais errado que dar um pontapé num gatinho bebé - que tantos têm que a felicidade dos outros seja a sua infelicidade. Não é, prometo-vos.
Cresci a questionar. Cresci, cresço, vivo e envelheço a questionar, e quanto mais certezas tenho mais questões faço. Questionei desde pequeno a religião vigente na sociedade – mas que ninguém na família me tentou impor, felizmente -, questionei a sexualidade, a identidade de género e a sua (falsa) binariedade, o casamento, a monogamia, a poligamia, o ensino, o percurso profissional, a amizade e a puta da morte. Esta é a que mais me aborrece, principalmente porque por mais que a questione, acho que ainda não tenho a madura humildade para a aceitar para mim. Como é que um ser incrível como eu pode morrer? Ai, pode, pode. Não só pode como vai mesmo. É pena.
Mas enquanto a morte é certa, a dúvida do porquê de ter de morrer trouxe-me outras certezas. E uma delas é a de que o mundo, em questões sociais, se divide em dois: os que são como são e querem obrigar os outros a ser também, e os que são o que são e só querem que cada um possa ser o que bem entender. E, para mim, a posição dos primeiros é das coisas mais estranhas do mundo. Aqueles que entendem que aquilo que são verdades para a sua vida, como a monogamia, a sua heterossexualidade, a sua escolha de carreira, a sua religião e o seu tom de pele, têm de ser a verdade de toda a gente do mundo para seu próprio bem. E depois há os outros, que ao serem hetero, homo, bi, trans, intersexo, monógamos, polígamos, animistas, ateus, capitalistas, comunistas, boémios ou recatados, só o querem ser sem tentar impor aos outros que também o sejam, ou impedi-los de serem quem bem lhes apetece.
É para mim das maiores estranhezas que a felicidade alheia, por ser diferente, cause tanto desconforto, incómodo, asco e até ódio, a quem nunca se atreveu a questionar as normas, mesmo que para si não queira mais nada do que essas mesmas normas.
Talvez sejam apenas ainda menos humildes que eu, talvez tão pouco que nem conseguem aceitar a merdinha existencial e efémera que somos e o quanto, perante o facto de num instante voltarmos a não existir como não existimos desde sempre, é uma abissal perda de tempo querer afastar os outros das suas diferentes felicidades. Que lugar tão estranho.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
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