Os atentados e o sofrimento e os mortos na Nigéria, nas Filipinas, na Síria, no Iraque, no Afeganistão e em outros países mais fora do nosso horizonte e da nossa emoção imediata sucedem-se, mas já nem são destaque no noticiário, com a agenda focada no que está mais perto e demasiado indiferente ao que se passa lá mais longe.

Mas a rede do terrorismo soube sobreviver ao que parecia ser derrota militar nos territórios que ocupou. A propaganda do ISIS inunda a internet com proclamações contra os “cruzados ocidentais”. A época festiva do Natal é a mais escolhida para “castigar os orgulhosos depravados inimigos" no Ocidente. Foi o que aconteceu em 19 de dezembro de 2016, quando um desses lobos solitários atirou o camião cujo volante tinha nas mãos sobre o cosmopolita e concorrido mercado de Natal. Matou 12 pessoas e feriu mais de 100. Foi o que voltou a acontecer no ano passado, em 11 de dezembro, também num mercado de Natal, mas em Estrasburgo: mais cinco mortos e 11 feridos.

Por mais sofisticada que seja a recolha de informação pelos serviços de inteligência ocidentais fica ainda muito difícil detetar esses jihadistas assassinos que se escondem por entre gente comum em comunidades muçulmanas, sobretudo na Bélgica e em França. Em grande parte dos casos, nem a família deles tem noção da radicalização.

Para concretizarem os ataques terroristas eles usam facas, punhais e camiões em vez de bombas, pistolas e espingardas. Atacam em grandes cidades europeias. O método que usam é de execução simples e a mensagem de terror que deixam é tão mais poderosa quanto cruel o dano causado.

O avanço das forças de inteligência e segurança está a conseguir reduzir ou mesmo neutralizar no espaço europeu a ameaça de jihadistas dispostos à coreografia da morte fazendo-se deflagrar como homens-bomba. Mas os terroristas usam camiões como bomba e punhais como pistola. É um novo patamar do ardil que também há que desativar.

As próximas semanas terão de ser de vigilância reforçada para evitar que potenciais assassinos se inspirem nos ataques dos últimos dois anos na época do Natal para tentarem dar-lhes continuidade. Está evidenciado que eles beneficiam de condições que podem parecer-lhes fáceis para atacar e sabe-se que os potenciais assassinos, motivados pelo fanatismo, pela ideologia e por circunstâncias pessoais, não são poucos.

Na London Bridge, um cidadão, James Ford, 42 anos, travou e imobilizou o terrorista antes ainda da chegada dos primeiros polícias. Veio a saber-se que esse homem que no meio do caos na ponte salvou uma mulher de ser a vítima seguinte a ser apunhalada é o mesmo que há 15 anos assassinou uma outra jovem mulher deficiente. Foi por isso condenado a 15 anos de prisão num centro de reabilitação e tinha-lhe sido dado nesta sexta-feira um dia de liberdade condicionada. Usou-o para passear em Londres e estava a atravessar a London Bridge quando aconteceu o ataque terrorista. A reação, naquele momento, de James Ford só pode ser classificada como heroica.

No mesmo homem há dois comportamentos extremos: um terrível, criminoso, e outro generoso, heroico.

O heroísmo que mostrou na London Bridge não anula o crime intolerável que cometeu há 15 anos, e pelo qual já cumpriu pena. Mais do que explorar julgamentos, faz sentido colocar perguntas: a pena de 15 anos de privação de liberdade é a adequada para um homem que matou uma mulher? É razoável que ao fim de 15 anos num centro de reabilitação ele possa beneficiar de um dia à solta?

É sabido que em alguns países, designadamente em alguns estados dos EUA, ele teria enfrentado uma condenação à morte. O sistema penal britânico deu-lhe uma oportunidade e cuidou dele num centro de reabilitação.

Para a família da jovem mulher assassinada há 15 anos, Ford será sempre um assassino a quem um dia, em excesso de tolerância, deram umas horas de liberdade e que, instintivamente ou por ter espírito de confronto físico, neutralizou um outro assassino.

Para a mulher que na London Bridge foi salva por Ford de ser apunhalada, este é um cidadão reabilitado depois de ter cumprido a pena a que foi condenado, e que agiu com valentia de herói.

Não nos cabe a nenhum de nós julgar, até porque nos faltam dados minuciosos para análise do perfil de Ford e enquadramento da reação que teve e que foi indiscutivelmente valente.

Há uma impressão: a justiça britânica deu-lhe uma oportunidade e ele devolveu-a com um serviço de coragem. Ainda que não tenhamos dados para análise precisa, parece que a reabilitação terá conseguido prepará-lo para o regresso à convivência entre as pessoas, na sociedade aberta.

Uma homenagem a prestar e esta sem qualquer hesitação: Jack Merrit, 25 anos, a primeira vítima do terrorista na London Bridge, formou-se em Cambridge em justiça criminal. Dedicava-se a programas de reabilitação de condenados. Escreveu poemas em que exalta a grandeza que há no perdão. Na sequência deste ataque terrorista em Londres, o primeiro-ministro Boris Johnson, como sabemos em campanha eleitoral, prometeu mão de ferro na justiça. O pai do assassinado Jack Merrit escreveu no sábado: "O meu filho não gostaria que a sua morte fosse usada como pretexto para penas mais draconianas e para detenções desnecessárias". O pai lembra que Merrit dedicava-se a procurar a recuperação de quem tinha derrapado na vida. É uma discussão complexa.

A TER EM CONTA:

Há uma multidão a partir de hoje em Madrid à cabeceira do planeta. Já não é tempo para demoras a tomar-lhe o pulso, é tempo de agir. Estamos em ponto de não retorno

O standup angolano chega ao The Guardian.

Broadway after dark”: visita fotográfica no NYT.