Num país que é um sub-continente, todos os valores são mega: a riqueza, a pobreza, a tecnologia, a espiritualidade, as classes sociais, a falta de saneamento, a indústria cinematográfica e mais alguns indicadores, bons e maus.
Começa pela linguagem: dois idiomas oficiais, indu (74% da população), dravídico (24%) e mais 21 línguas locais. Não admira que o inglês, a língua unificadora do colonizador, seja utilizada pela indústria e tecnologia e pelas castas mais educadas.
As castas são precisamente outra fonte de confusão: três mil, divididas em 25.000 sub-castas. Embora o sistema tenha sido abolido oficialmente em 1947, com a independência, continua em vigor para todos os efeitos práticos: casamento, sociedade, profissão.
A este mix há a acrescentar as religiões: hinduísmo (a principal), budismo, islamismo, jainismo e siquismo. A convivência entre os hindus e os muçulmanos nunca foi pacífica e levou à separação do Paquistão, que fazia parte da Índia britânica, logo no ano da independência. Posteriormente, em 1971, a parte ocidental do Paquistão separou-se e passou a ser um terceiro país, o Bangladesh.
O Estado da Cachemira até hoje é contestado por indianos e paquistaneses. Esta disputa baseada na religião, que tem tido períodos de violência, já levou a quatro guerras declaradas (em 1947, 1965, 1971 e 1999) e mantém um atrito constante. Em 1998, o Paquistão, um país onde as pessoas morrem de fome, adquiriu capacidade nuclear, que a Índia (onde a fome também é endémica) já tinha desde 1974. Há também uma disputa territorial com a China que provoca escaramuças de vez em quando.
Finalmente, temos a divisão do território em 28 Estados e oito “territórios”, cada um com legislação, hábitos e costumes diferentes. Por exemplo, há dez Estados que são rigorosamente vegetarianos - nem os estrangeiros encontram carne dos estabelecimentos de luxo feitos exclusivamente para eles.
Como é que esta miríade de contradições mantém uma unidade nacional, é um mistério. Quando se viaja pelo país (já lá estive, do Nepal a Goa, por estrada) o mais impressionante são os contrastes entre riqueza e pobreza, monumentos milenares a cair aos bocados (excepto o Taj Mahal, que é conservado por razões turísticas) e indústrias de alta tecnologia, elegância flutuante (dos saris) e miséria insalubre. Os rios cheiram mal, com cadáveres a flutuar, nas autoestradas anda-se a 30km/h (por causa dos camelos, vacas e veículos de difícil caracterização), as grandes cidades estão rodeadas, até onde a vista alcança, por bairros de lata (de cartão, amiúde), e os transportes públicos (comboios e autocarros) andam com pessoas nos tejadilhos e penduradas nas portas, enquanto nas grandes cidades rodam carros topo de gama. Muitos mundos numa só fronteira.
Este país extraordinário é governado desde 2014 por um homem que nem é de uma casta superior, e, portante, teve de fazer um longo caminho para chegar ao topo. Desde a independência que o poder era da família de Gandhi, cujo genro, Nehru, nós, portugueses, conhecemos por nos ter expulsado de Goa, em 1961. Mas tanto ele como toda a família eram cultos, pacifistas e modernos - uma aristocracia que fez da Índia uma república parlamentar com eleições regulares e separação de poderes à maneira ocidental. Claro, não há nada de ocidental no país, mas o formato constitucional tem-se mantido o suficiente para que a Índia continue com a mesma classificação que, por exemplo, Portugal, no famoso Índice de Democraticidade do “The Economist”.
Os Ghandi/Nehru tinham o partido do Congresso Nacional; Modi, um nacionalista anti-muçulmano com tendências iliberais, separou-se deles e fundou o Partido do Povo Indiano, com conotações populistas. Tem mantido a maioria necessária no Lok Sabha, a câmara baixa do Parlamento, com 297 dos 545 deputados. Durante estes quase 10 anos seguiu uma linha dura interna, limitando certas liberdades e tentando apropriar-se do aparelho de Estado - um pouco à maneira de Viktor Orban, mas, pelo menos por enquanto, mais sinuoso. (Ao contrário do húngaro, que tem uma população homogénea, Modi tem de contornar incontáveis variantes, castas e regionalismos.)
Na política externa, o objectivo é colocar a Índia como um poder regional significativo. Juntou-se aos BRICs em 2006. Mantém negócios com a Rússia proscrita de Putin, não se coloca de nenhum dos lados da barricada Leste/Oeste, Oriente/Ocidente, jogando o melhor possível no complicado e cada vez mais multi-lateral xadrez mundial. Está a tentar que o seu país tenha a massa crítica devida aos 1.500 milhões de habitantes.
Nesta eleição ressurgiu o último dos Gandhis, Rahul, na segunda tentativa de levar de novo ao poder o seu Partido do Congresso, mas as sondagens indicam que não conseguirá grande coisa. Modi, que tem construído muita infra-estrutura, modernizado a indústria e valorizado o talento dos indianos de nível universitário para o digital, tem realmente um bom trabalho para mostrar. A violência anti-muçulmana, a tentativa iliberal, e o populismo adaptado a uma população que valoriza o espiritual, podem assustar ou irritar o “Ocidente” e com certeza enfurecer o seu maior concorrente internacional, a China (que está a anos-luz de distância, mas também tem problemas económicos graves). Contudo, para os indianos o que conta é a nítida subida de nível de vida dos últimos dez anos, sobretudo nas regiões mais atrasadas.
O ciclo Modi ainda não acabou, obviamente. A eleição de hoje só irá confirmá-lo.
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