Este é um tema que acompanha a minha prática clínica, especialmente nas consultas com pacientes que são mães ou pais. Recebo relatos de que outras pessoas tecem comentários julgadores sobre a quantidade de colo que dão aos seus filhos. É-lhes dito que os filhos “vão ficar mal-habituados”, que têm “manias” por pedir colo de forma frequente ou que isso é sinal de manipulação. Urge, portanto, esclarecer e informar porque é que não existe colo a mais.
As crianças pequenas e as suas necessidades
Quando nasce, o bebé fica inseguro porque se encontra num mundo novo. Nesse momento, sai do útero da mãe, onde cresceu e se desenvolveu durante vários meses. Passa então de um ambiente tranquilo e acolhedor para um mundo que não conhece, não consegue compreender e onde não se sente apaziguado de forma autónoma. O choro é, por um lado, a manifestação de desconfortos vários e, por outro, um pedido de segurança, acolhimento e colo.
Principalmente no primeiro ano de vida, esse acolhimento, carinho, conforto e segurança são importantíssimos. Claro que, isto não significa que a toda a hora e a todo o momento os pais tenham de andar com o bebé ao colo ou que não o possam pousar para executar tarefas fundamentais na dinâmica familiar. É esperado que o bebé consiga progressivamente autonomizar-se na sua regulação nervosa mas, sempre que chora, considere que além das necessidades físicas, o bebé pode estar a comunicar que se sente inseguro e precisa da sua figura de referência para se acalmar.
Por volta de 1 ano de idade, as crianças começam a andar. Sendo esta uma fase potencial de autonomia, precisam de muita segurança a acompanhá-la para que se desenvolvam de forma saudável. É importante que os pais permitam, em segurança, que os seus bebés explorem o meio envolvente no momento em que começam a ter vontade de o fazer. Mais tarde, quando a exploração já tiver acontecido de forma suficientemente satisfatória para o bebé, ele vai muito provavelmente precisar novamente do colo, do aconchego e da segurança. É nesta dança que o desenvolvimento saudável se faz. É claro que é muito mais fácil falar do que gerir todas estas etapas do dia e da vida de um bebé ou de uma criança pequena. Repare que esta fase de exploração é progressiva e gradual. O bebé vem equipado também para percorrer estas fases de desenvolvimento de forma a preservar a sua segurança: primeiro ele gatinha e só depois anda e à medida que explora o meio vai fazendo contacto visual com a mãe ou o pai, garantindo a si próprio que está seguro no que está a fazer. É natural que, nesta fase o bebé se desequilibre, dê algumas quedas e vá percebendo como é que o equilíbrio e o seu próprio corpo funcionam. Impedir ou refrear em demasia esta exploração poderá também ser prejudicial e não transmitir confiança à criança para explorar, relacionando-se mais com a ansiedade e os medos dos pais do que com as necessidades ou características das crianças.
Neste ponto, gostaria de esclarecer que uma coisa são as necessidades de afecto, segurança e vinculação do bebé, outra bem diferente é a ansiedade em excesso das mães (e dos pais). É natural, ainda mais se for o primeiro filho/a que as mães e os pais sintam pressão para fazer tudo bem e garantir que estão a providenciar tudo ao o seu bebé. No entanto, é também preciso vigiar se essa ansiedade se torna impeditiva de uma exploração e a autonomia da criança. Se tal se começar a verificar ou se acharem que isso poderá estar a acontecer, será importante encontrar ajuda de um profissional de saúde mental.
A Co-Regulação Nervosa – o que é e porque é tão importante
A Co-Regulação Nervosa é a capacidade de regular emoções e comportamentos, gerir stress e ansiedade e retomar a um estado de calma e tranquilidade com o suporte e direcção de uma pessoa de conexão. O ser humano não nasce equipado com a capacidade de se regular emocionalmente sozinho e por isso precisa de uma figura de vinculação, normalmente a mãe ou o pai para encontrar esse estado de calma, tranquilidade e relaxamento. Progressivamente vai depois aprendendo a fazer isso sozinho, à medida que o seu sistema nervoso vai evoluindo e amadurecendo. Ora, para isto acontecer é importantíssimo que o toque aconteça e por isso, mais uma vez, o colo e a importância do aconchego. O toque é dos reguladores nervosos mais poderosos, especialmente em idade precoce do desenvolvimento e quando ele não acontece, os bebés são deixados a lidar com as suas inseguranças e desconfortos sem saber o que fazer, sentindo-se perdidos e isso pode ter consequências emocionais posteriores. Outro regulador nervoso comum é o som “shhhhh” que tantas vezes acalma os bebés e que simula sons ouvidos no útero, nomeadamente o som do sangue a ser bombeado no corpo da mãe.
O que alguns estudos mostram
Na Universidade de Washington, em St. Louis, EUA, um estudo mostrou claramente que crianças que recebiam colo, carinho e respostas adequadas às suas necessidades de forma consistente, por parte da mãe, especialmente em momentos de maior stress desenvolviam mais o hipocampo – este apresentava-se fisicamente maior – área responsável pela formação, organização e armazenamento de memórias e pela sua associação a emoções e sensações. Isto pode mostrar como o colo e o carinho são organizadores psíquicos, cognitivos e mnésicos, contribuindo para a saúde emocional das crianças.
Outro estudo, desta vez vindo da Itália, da Universidade de Pádua, mostrou como o toque das figuras cuidadores pode não só desempenhar um papel crucial na formação biológica de memórias de experiências positivas no desenvolvimento infantil como aponta que ele pode ter um papel também ao nível dos mecanismos epigenéticos que moldam o desenvolvimento de circuitos cerebrais durante os primeiros cinco anos de vida. Além disto puderam concluir que as crianças que recebem mais toque materno, mostram maior conectividade nas regiões cerebrais associadas ao desenvolvimento social e emocional.
Ao longo da vida
Desde cedo e ao longo do crescimento das crianças é importante conjugar o afecto e o amor com os limites e as regras para promover um desenvolvimento saudável, não reforçando um em detrimento do outro. A criança precisa de saber que é amada incondicionalmente pelos pais, mesmo (e especialmente) quando eles lhe dizem que não pode fazer uma determinada coisa. É este ajuste e equilíbrio constantes que tende a promover um desenvolvimento emocional saudável, adaptado às realidades e contextos de cada família.
Que deixemos de tratar as crianças como adultos, que têm de crescer à “força” quando ainda não têm capacidade para regular as suas emoções e comportamentos de forma madura. E que se promova uma autonomia saudável e promotora de confiança (com joelhos esfolados e histórias para contar) para não se tratar mais tarde os adultos como crianças.
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