Nas últimas eleições legislativas, em Outubro de 2015, estavam 9,6 milhões de pessoas recenseadas, ainda que só pouco mais de metade deste total tenha efectivamente votado. Mas, os cerca de cinco milhões que foram às urnas foram chamados a fazer uma escolha de governação com impacto na sua vida diária: da escola dos seus filhos e netos aos hospitais que temos, do resgate a bancos à contratação ou despedimento de funcionários públicos. Pelo voto, decidiram sobre ideias e também sobre o uso que o Governo faz do dinheiro que colocam nessa grande sociedade que é o Estado.
É uma coisa importante. Deve ser decidida com base em informação. Para estar informado é preciso querer saber. E é preciso que alguém trabalhe para que essa informação seja encontrada, contextualizada, questionada e comentada. Que é o que se espera dos jornalistas e do jornalismo.
Voltando ao café e ao pastel de nata. Se os jornais conseguissem que diariamente 1% da população portuguesa – um por cento – comprasse um exemplar, teriam uma receita diária de 100 mil euros. O que lhes daria uma receita mensal de três milhões de euros. Três milhões de euros é o orçamento anual de vários meios de comunicação – e provavelmente encontram-se entre os mais afortunados.
Mas, a verdade é que a maioria dos portugueses não acha que um jornal valha o dinheiro do seu café e pastel de nata. E, mesmo descontando a herança cultural de baixa literacia, esse não é um problema dos portugueses – é um problema, em primeiro lugar, dos jornais e dos jornalistas. No meu caso, que sou uma compradora regular de jornais, habituei-me há já alguns anos a uma métrica: cada vez que gasto 1 euro ou 3 euros num jornal ou revista tenho por expectativa que pelo menos um artigo tenha acrescentado algo ao que eu já sabia. Pode ser uma notícia, pode ser uma entrevista com alguém que me faz pensar em alguma coisa diferente ou nova, uma reportagem ou uma opinião. Pode ser uma fotografia, pode ser o cartaz das estreias. Mas tem de ser alguma coisa que dá valor ao dinheiro que gastei.
E, provavelmente, para muitos leitores os jornais não conseguem fazer isso na maior parte dos dias. Ou porque têm uma agenda viciada em temas de minorias, ou porque relegam para segundo plano as preocupações diárias de quem os lê, ou simplesmente porque comunicam mal nas capas, que é o que as pessoas vêem antes de decidir comprar.
Esta é a nossa culpa enquanto jornalistas – mas tem solução.
Só que há mais razões. Como, por exemplo, o facto de as redacções serem hoje mais pequenas do que nunca, mais inexperientes do que nunca, e com limitações de orçamento que vão ao nível de se discutir se há ou não dinheiro para pagar um táxi. Conseguir o que na gíria se chama de “boa história” implica dedicação, competência e muitas horas de trabalho. Pode significar que um ou mais jornalistas estão meses sem escrever qualquer artigo para as edições do dia. Usando um exemplo que muitos se recordarão pelo mediatismo do filme “O caso Spotlight”, a equipa do Boston Globe que revelou os abusos sobre menores perpetrados por padres custou um milhão de euros. Em 2002, com valores que têm mais de uma década.
E, sim, há também um problema de audiência. Que está, por um lado, relacionada com o nível de literacia do país, cronicamente baixo, mas não só. Há novos problemas e são transversais ao consumo de informação no mundo inteiro. Ao jornalismo fast-food ou copia-cola correspondem os leitores toca-e-foge, aqueles que lêem um título, talvez com sorte mais duas linhas e disparam para o like ou comentário sem qualquer preocupação ou sequer interesse em saber mais. Ouviram falar de tudo, mas não sabem efectivamente alguma coisa de quase nada. E, sim, votam.
Mas voltemos aos números. Um euro por jornal é um luxo ou uma pechincha, dependendo da forma de análise. Porque hoje o jornalismo vende-se à peça e, em muitas das vezes, nem sequer está relacionado com o site de informação a que pertence. Chegou até si, caro leitor, no retalho das redes sociais, talvez com sorte numa daquelas notificações que recebe no telemóvel se ainda não se cansou de ser bombardeado por tudo e por nada, pelo que é importante e pelo que não é.
O jornalismo hoje é, por excelência, um negócio digital. Está aberto, como a internet, 24 horas por dia, sete dias por semana. E é vendido em pacotes de mil – porque foi assim que se convencionou vender “páginas” de informação há mais de duas décadas quando se declinou o modelo das páginas físicas dos jornais e revistas em impressões digitais (que correspondem a uma vista de ecrã). Uma decisão que remonta a um tempo em que, de um lado (o tecnológico) todos iam ficar ricos com a internet, e do outro (o dos media) isso era uma coisa sem importância em que podiam ou não estar, ou a mandar para lá conteúdos sem grande preocupação.
E é assim que, ainda hoje, mais de 20 anos depois, com o muito que já se sabe sobre consumo digital, a informação continua a ter como principal modelo de financiamento, no que respeita à publicidade, tabelas de custos por pacotes de mil impressões.
Mil impressões podem custar um euro – o preço de um jornal – ou cinco euros. Dificilmente, à data de hoje, chegarão aos dez euros, mesmo para as marcas mais prestigiadas de informação.
O que significa que mil impressões num artigo valerão entre 1 euro e 10 euros. Vamos imaginar que temos um artigo com 50 mil impressões. Nesse caso teríamos um valor de 50 (se o preço for 1 euro por cada mil) a 500 euros (se o preço for 10 por cada mil).
Vamos ainda imaginar que se trata de um artigo que demorou dias ou semanas de investigação – o máximo possível de se obter com a publicidade seria então 500 euros, valor que nem o ordenado de um jornalista pagaria, quanto mais os custos de ter uma empresa jornalística.
Claro que também pode ser só um artigo sobre o tempo – toda a gente adora as notícias sobre o tempo, mesmo com aplicações no telemóvel e sites só de informação meteorológica.
Ou pode ser um copia-cola sobre uma qualquer aventura de uma celebridade. Porque se é verdade que nunca houve tanto conteúdo e tantas pessoas a ler conteúdo, também é verdade que nunca houve tanto ruído. E que entre um artigo de fundo sobre o financiamento aos partidos políticos e uma reportagem sobre o mais recente divórcio de Hollywood é bom que não haja grandes dúvidas sobre quem ganha.
E é assim que os jornalistas foram transformados em decoradores de montras, criadores de teasers publicitários e operários da publicação. Tudo em nome do clique, essa instituição pela qual se decide hoje a morte e a vida do jornalismo.
É por isso que o livro de Julia Cagé, “Salvar os media”, é importante. Como são importantes todas as discussões que se façam sobre como fazer melhor jornalismo, como colocar na mesma sala de redacção jornalistas, especialistas de análise de dados, developers, designers e gestores que acreditem que este não é um negócio como qualquer outro. E como é importante discutir como se vai financiar uma actividade que, se for vista como meramente lucrativa, nos custará no futuro infinitamente mais caro.
Outras sugestões:
Se há jornalistas que nos têm ajudado a perceber o que se passa no mundo, a Teresa de Sousa é uma delas. Numa semana em que a eleição do novo secretário-geral da ONU se transformou numa verdadeira novela das potências internacionais, este artigo ajuda-nos a perceber os bastidores.
Numa semana em que o primeiro debate entre os dois candidatos às eleições americanas marcou a agenda, a discussão sobre Hillary ser o “mal menor” também regressou. O Huffington Post arriscou nesta explicação sobre a razão pela qual as pessoas fazem de conta que não sabem por que não gostam dela, a candidata democrata.
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