As relações interpessoais constituem um ponto de grande importância no nosso bem-estar  e mesmo na nossa sobrevivência. Com efeito, somos uma espécie altamente grupal. No  entanto, muito do nosso sofrimento também pode advir de algumas das nossas ligações  sociais. Torna-se fundamental compreender que mecanismos podem desencadear e  manter vínculos mais instintivos do que escolhidos. 

Uma primeira questão fulcral diz respeito à segurança – sou eu capaz de encontrar  segurança estrutural em mim? A forma como nos ligamos aos outros é profundamente  marcada pelas experiências precoces que moldam os nossos estilos de vinculação – isto  é, os padrões emocionais e comportamentais com que nos aproximamos ou afastamos  das pessoas. Indivíduos com estilos inseguros tendem a percecionar o mundo como mais  ameaçador, desenvolvendo estratégias centradas na procura de segurança externa,  sobretudo em momentos de pressão ou instabilidade emocional. Mais do que esta  procura, pode haver uma dependência do outro para a regulação emocional. De uma  perspetiva neurofisiológica, importa perceber como o nosso sistema nervoso responde a  pistas de perigo ou segurança. Neste sentido, podemos observar as nossas ligações e  questionar: “manter-me ligado/a a esta pessoa ou grupo faria sentido num estado de calma  e regulação, ou apenas quando os meus gatilhos mais profundos de medo, raiva ou  humilhação estão ativos?”. 

A próxima paragem consiste na capacidade de diferenciação – consigo existir  individualmente nas minhas ligações a outros? A pertença é uma necessidade humana  básica, mas quando se torna imperiosa, pode comprometer a nossa integridade pessoal. Um sinal de alerta é o surgimento de uma identificação excessiva com o outro, em que se  desenvolve uma mentalidade de grande ligação assente na separação com o resto do  mundo. Nestes contextos, pode fomentar-se uma sensação de “nós contra os outros”,  comum em relações disfuncionais em que um dos elementos apresenta traços narcísicos,  recorrendo a diabolizações externas para criar dependência e lealdade. Outro sinal de  alerta prende-se com a diluição de partes importantes da própria identidade, tornando-se  válido questionar até que ponto continuamos inteiros nas ligações que mantemos ou se  precisamos de anular partes chave de nós, por exemplo, empatia ou honestidade, para que  determinada ligação faça sentido. 

Um terceiro ponto de reflexão relaciona-se com a tolerância à ambiguidade – percebo e  aceito que os outros não são apenas bons ou maus? Alguma clareza e consistência na  forma como vemos os outros fornece segurança. No entanto, o desenvolvimento da  maturidade relacional possibilita a capacidade de tolerar as zonas cinzentas onde  coexistem aspetos contraditórios, inevitavelmente presentes em todas as relações  humanas. Quando esta ambiguidade se torna desconfortável ou ameaçadora, num  fenómeno descrito por Arie Kruglanski como a intolerância à ambiguidade, podemos  incorrer em alguns mecanismos que limitam a nossa capacidade de ligação intencional.  São disto exemplos a dissociação (em que percecionamos apenas uma parte dos outros,  desligando-nos do todo) e a negação (em que filtramos mentalmente os aspetos 

dissonantes). Um sinal de alerta consiste na idealização do outro: quando não  conseguimos reconhecer falhas ou comportamentos questionáveis em alguém, é possível  que esteja em causa um padrão relacional pouco funcional.  

Igualmente importantes são a autonomia e responsabilização – tenho a capacidade de  agir de forma autodeterminada e lidar com os resultados das minhas ações? A  consolidação das nossas versões adultas, saudáveis e capazes implica o enfrentar da  angústia apontada por Erich Fromm: ser livre acarreta gerir as consequências das nossas  escolhas. Para este movimento saudável acontecer é necessário o desprendimento de algumas estruturas rígidas externas ou interiorizadas que nos limitam e conquistar espaço  para experimentar, errar e aprender com as nossas experiências. Ao promover a libertação  progressiva da obediência a determinados papéis ou do constante esforço de  conformidade às expectativas, vamos fortalecendo a confiança interna de que  conseguimos dar resposta ao que nos acontece. Quando tal não é possível, é natural que  surja a necessidade de segurança através da delegação: deixamos que outros escolham  por nós, num aparente alívio de responsabilidade que, muitas vezes, se traduz em vínculos  mais dependentes do que intencionais. 

Estes pontos de reflexão não têm respostas simples, o funcionamento interpessoal é  complexo. No entanto, é nestes espaços de dúvida produtiva que se abrem as  possibilidades de estarmos ligados de forma mais consciente e inteira – para que as nossas  escolhas sejam verdadeiras escolhas e não apenas fruto de tendências que nos podem  escapar quando não prestamos atenção.