Imaginem o dia em que António Costa dá uma conferência de imprensa e diz: “Portuguesas e Portugueses, vamos abrir os bares e as discotecas sem qualquer restrição” e a dona Graça Freitas finaliza com um “É isso mesmo, tudo aberto, já se podem mamar da boca como se não houvesse amanhã!”. Dado que ela tem covid neste momento, convém conter-se um bocadinho em termos de mamanço de boca, pelo menos até testar negativo.
Já vemos uma luz ao fundo do túnel com a chegada anunciada das primeiras vacinas e só esperamos que a luz não seja a de um comboio em contramão. Mesmo com uma vacinação rápida, o regresso ao antigo normal provavelmente será algo gradual, mas vamos imaginar que, de um dia para o outro, após uma vacinação em massa, todas as restrições são levantadas e os estabelecimentos de diversão nocturna voltam ao que eram antes de o mundo mudar. Vai ser como abrir uma comporta de uma barragem depois de chuvas torrenciais ou, neste caso, de uma seca extrema. Vai ser como abrir os portões da ganadaria e deixar o gado correr livre e solto sem destino. Vai parecer a largada de touros das Festas de São Firmino, em Pamplona, onde touros bêbedos vão correr pelas ruas do Bairro Alto, Cais do Sodré, Galerias de Paris e outras zonas de Portugal, em busca de algo para marrar.
Haverá quem sinta falta da máscara para esconder a cara feia. Aliás, existe um efeito criado por esta pandemia que é o chamado Efeito Cariólis. Não confundir com o Efeito Coriólis, já bem estudado pela física. O Cariólis refere-se à expectativa que temos relativamente à cara das pessoas quando as conhecemos com máscara. O nosso cérebro, optimista por natureza, ao ver apenas os olhos da pessoa, constrói o resto da cara e imagina sempre que é mais bonita do que que normalmente é. Invariavelmente, temos uma desilusão quando a pessoa tira a máscara porque o nosso cérebro induziu-nos em erro e deu-nos expectativas erradas.
Voltando à noite da largada de touros: vai ser uma noite bonita, de reencontro com a humanidade, onde estranhos que agora têm de estar a dois metros de distância, vão poder dançar a zero centímetros de afastamento, colados. Um dia em que a máscara fica em casa e estranhos que agora não conseguem sorrir quando passam um pelo outro, vão poder trocar cerca de 80 milhões de bactérias durante beijos embriagados. As pessoas vão estranhar. As pessoas não vão saber dançar. Muitos já se esqueceram de como se beija. Vamos ver pessoas a medo, ainda meio afastadas nas filas para os WCs, sem se lembrarem que já se podem roçar à vontade. Vamos ver pessoas a dançar o esquema porque já não sabem comportar-se em público. Vamos ver pessoas a beijar-se como dois antílopes que tentam enxotar moscas do queixo.
Haverá vários tipos de pessoa nessa noite:
- Os que vão dar tudo e não vão querer voltar para casa. Vamos encontrá-los num after numa estação de serviço às três da tarde recusando-se a dar a noite por terminada.
- Os que vão com tanto entusiasmo que vão ter fechar a loja antes da meia-noite depois de terem bebido demasiado.
- Os que vão fazer pesca de arrasto tentando compensar o tempo perdido durante todo este tempo.
Prevejo ainda que seja uma noite onde muitos fetos serão concebidos e onde muitas DSTs serão contraídas, já que o desejo pelo contacto de pele com pele poderá toldar o julgamento da maioria. Acho que nesse dia, a que vamos chamar de Dia D, mas em vez de um desembarque na Normandia vamos ter um Desencalhanço da Pandemia, as regras deviam ser um pouco diferentes. Ninguém devia recusar ninguém, devíamos ser todos amor e disponibilidade para o outro. Fossem feios ou gordos, homens ou mulheres, devia haver um pacto de não dar nega a ninguém. Devemos isso uns aos outros depois de tanto tempo afastados. Devemos isso depois de tanta discussão e divisão na Internet porque estávamos todos com medo e sem mais nada para fazer. No fim da noite, depois sexo e do cigarro, devíamos ir todos à janela bater palmas em agradecimento uns aos outros. Tenham só cuidado para não caírem com a bebedeira.
Para ir: Stand-up comedy em Braga e Aveiro. Mais informações neste link.
Para ver: Steve Jobs, disponível na HBO
Para rir: Conversas de Miguel, com Carlos Coutinho Vilhena e Pedro Teixeira da Mota
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