O bloco soberanista assumiu como bandeira o retorno ao status quo anterior à suspensão da autonomia com o objetivo de afirmar perante Madrid que a capital não tem o poder de dissolver as legítimas instituições políticas catalãs e que a legitimidade popular catalã se sobrepõe à ofensiva do Estado. Isto implica recolocar os líderes políticos depostos nas suas anteriores funções.

O bloco constitucionalista, por outro lado, tem como objetivo o retorno à “normalidade” que se vivia antes da deriva independentista e também demonstrar que existiu de facto uma gestação premeditada de um plano de rebelião contra Espanha, o que poderá acarretar, à luz do código penal espanhol, penas até 30 anos de prisão para os seus mentores. O principal aliado deste bloco tem sido, e continuará a ser, a atuação do Tribunal Supremo (TS), na pessoa do juiz Pablo Llarena.

Se a vitória da maioria soberanista pareceu um ponto a favor do bloco de Puigdemont, a verdade é que é uma batalha ganha numa guerra sem vitória possível.

Por um lado, a tomada de posse de Puigdemont está refém de uma dança de acordos instáveis com a Esquerda Republicana de Catalunya (ERC), o partido do presidente do Parlament catalão Roger Torrent que tem sobre os ombros a decisão sobre a possibilidade de uma tomada de posse à distância, já que Puigdemont tem um mandato de captura em Espanha. Com o seu presidente Oriol Junqueras na prisão e outras figuras-chave recém-libertadas sob condição de aceitarem respeitar a Constituição, o partido não parece querer arriscar a liberdade dos seus líderes e deixou na mão dos juristas do Parlamento a interpretação sobre a necessidade da presença física do presidente-eleito no hemiciclo.

Os juristas, como seria de esperar, pronunciaram-se contra a tomada de posse “virtual”, em linha com os Estatutos do Parlament. Algumas vozes importantes na ERC chegaram a sugerir nomes alternativos a Puigdemont, e desse lado a reação é de algum ressentimento pelo que percecionam ser uma quebra de solidariedade. Este é o ponto mais crítico das negociações, e os avanços e recuos sobre a posição da ERC na votação de Puigdemont ameaçam abrir sérias fendas nos independentistas.

Por outro lado, a margem de manobra de um futuro Govern e Parlament soberanistas será extremamente reduzida. Com 19 deputados eleitos sob investigação e assumindo um cenário (extremamente improvável) em que todos os ex-conselheiros pudessem regressar da prisão ou da Bélgica para os seus cargos sob pagamento de fiança e promessa de abandono da via unilateral, a ação governativa seria milimetricamente acompanhada pela lupa do Tribunal Supremo e qualquer “desvio” do marco constitucional poderia ser interpretado como reiteração delitiva e levar à consequente detenção. E mesmo abandonando toda a forma de conflito com Madrid, é preciso não esquecer que os investigados estão em liberdade provisória, o que significa que previsivelmente durante 2018 poderão ser efetivamente condenados a penas de prisão que, na maioria dos casos, durará o resto das suas vidas.

No seu discurso de Natal, Puigdemont referiu que há um ano atrás ninguém imaginaria esta situação: presos políticos, violência, mobilização policial massiva, governo direto de Madrid, e até o encerramento de representações da Generalitat junto da UE e de cidades-chave (como Lisboa), entre outros efeitos da aplicação do Art. 155. E termina a perguntar-se o porquê de tudo isto, já que, na verdade, ninguém ganhou: uns perderam a liberdade ou o direito de estar no seu país, o PP perdeu toda a sua relevância política na Catalunha, sendo mesmo o partido menos votado de todo o hemiciclo, e os catalães perceberam a verdadeira extensão da insignificância das suas escolhas políticas no conjunto do Estado.

A Catalunha é hoje um país atrofiado, com um futuro Governo algemado e um Parlamento impotente. E acontece o que ninguém quis: voltou a ficar como dantes.

Luís Russo estudou Ciência Política em Lisboa e Estudos Europeus na Bélgica. Desde 2012 que acompanha de perto a realidade catalã, tendo acompanhado o dia do referendo em vários colégios de Sabadell e Barcelona.